O Globo
O Congresso captura parte expressiva do
Orçamento, prejudica a governabilidade e distorce o funcionamento da democracia
O presidente Lula disse
que o Orçamento foi sequestrado. E foi. O presidente da Câmara, Hugo Motta,
disse que as emendas são uma prerrogativa do Congresso. E são. O erro está no
valor exorbitante a que as emendas chegaram e no modo como são usadas pelo
Legislativo. O montante de R$ 50 bilhões é uma distorção institucional. O fato
de a Comissão Mista de Orçamento ter aceitado emendas de Eduardo
Bolsonaro e Alexandre
Ramagem é uma aberração. É preciso olhar além da briga cotidiana.
Lula falou que 50% do Orçamento foi sequestrado. Na verdade, é 50% dos recursos disponíveis, não do Orçamento como um todo, claro. Mais de 90% do dinheiro vai para despesa obrigatória ou tem destinação estabelecida na Constituição. Sobra pouco, e é esse restante que está em disputa.
A Comissão Mista de Orçamento desrespeitou o
eleitor quando aceitou que os deputados Eduardo Bolsonaro e Alexandre Ramagem
tivessem emendas no valor total de R$ 80 milhões. Um mora nos Estados Unidos
desde março e não existe previsão legal para o exercício extraterritorial do
mandato. O outro foi condenado a 16 anos, é foragido da Justiça, e há uma ordem
judicial para que ele seja cassado, que a Câmara ainda não cumpriu. O absurdo
passaria batido. Graças à jornalista Malu Gaspar, o país ficou sabendo que o
comitê de admissibilidade da CMO havia aceitado o inadmissível. O
ministro Flávio
Dino então proibiu o Executivo de liberar emendas dos dois
parlamentares. A decisão do ministro sequer seria necessária caso o Congresso
tivesse tido o mínimo de bom senso.
Uma das funções mais importantes do
parlamento é aprovar o Orçamento da União. No Brasil, contudo, virou um
tormento a cada ano. Primeiro porque raramente o Congresso respeita o prazo de
apreciar a Lei de Diretrizes Orçamentárias. Ela acabou de ser aprovada, em
dezembro. A aprovação deveria preceder em meses a análise do Orçamento porque,
como o nome diz, é da LDO é de onde saem as bases nas quais a proposta de
Orçamento deve ser preparada. Segundo, porque a cada aprovação do projeto das
diretrizes ou da lei orçamentária, o Congresso usa o poder que tem para
encurralar o Executivo a exigir novas concessões. Sequestro com pedido de
resgate.
Em vários países existem emendas
parlamentares, em nenhum outro país chegam a esse volume. Além das emendas
individuais, há as de comissão e as de bancada. O país viveu o trauma do
orçamento secreto no governo passado. Depois do voto da ministra Rosa Weber julgando
a prática como inconstitucional, voto seguido pelo plenário da Corte, o
Congresso foi dando jeitinhos para continuar liberando despesas sem os
critérios legais. O ministro Flávio Dino herdou a causa e toma decisões que o
Congresso entende como invasão de outro poder, quando é cumprimento de
princípio constitucional. O contribuinte tem o direito de saber como é gasto o
dinheiro que ele se esforça para ganhar e que envia uma parte ao poder público,
na expectativa de que seja usado de forma sábia e transparente.
O Congresso não tem o direito de abocanhar
parte tão expressiva do Orçamento. As emendas não apenas cresceram, tornaram-se
impositivas em grande parte. Na LDO deste ano a chantagem sobre o Executivo foi
para aceitar que 65% sejam liberadas no primeiro semestre, para ajudar os
parlamentares nas eleições. Os fundos partidário e eleitoral também têm volumes
extravagantes. Tudo isso distorce o funcionamento da democracia.
O Congresso analisa e aprova o Orçamento. Mas
quem executa é o Executivo. Quando o Congresso avança, como tem avançado sobre
a execução das despesas, o país passa a viver uma anomalia. É bom lembrar que o
crescimento das emendas e o orçamento secreto ocorreram no período em que Jair
Bolsonaro estava na Presidência. Ele trabalhou os quatro anos para criar as
bases para o golpe. Seu projeto não era governar, era minar a democracia e se
perpetuar no poder. Por isso ele não se incomodou em entregar fatias gordas do
Orçamento para que o Congresso usasse de forma opaca.
O desabafo do presidente Lula de que o
Orçamento foi sequestrado tem razão de ser. Mas o seu próprio partido também se
aproveita desse avanço de sinal. É preciso restaurar a normalidade porque a
cada ano o Congresso exige mais uma concessão. Desta vez foi a obrigatoriedade
de liberar 65% das emendas no primeiro semestre. Isso é problema para qualquer
governo.

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