Folha de S. Paulo
Lançamento da candidatura do senador Flávio
em 2026 empareda Tarcísio e o centrão, deixando ambos sem opção boa
Se renunciar ao bolsonarismo, campo assumirá
traição; se ficar com ele, ganha a radioatividade apontada no Datafolha
A redemocratização brasileira é marcada por
contradições. Se o país e o Congresso que o espelha são reinos do
conservadorismo de baixa extração, o poder federal passou 20 anos nas mãos
de pessoas mais
à esquerda, ainda que só nominalmente.
O fastio que emergiu nas ruas de 2013 e em
sua mutação à direita em 2016 desaguou no bolsonarismo, que aproveitou-se da
implosão do sistema político via corrupção e Lava Jato para propor um novo
paradigma —farsesco e
golpista, como se provou.
Se no começo apenas militares saudosos da ditadura embarcaram no projeto, logo ele encantaria setores da finança e do empresariado e, principalmente, ganharia tração popular. Alquebrado, o sistema tradicional e a esquerda assistiram à ascensão do hoje prisioneiro Jair Bolsonaro (PL).
O resto é
história, sendo notável como o então presidente se dizia
dedicado a destruir o sistema, só para abraçá-lo quando sua algazarra tornou-se
risco existencial em 2021. Naquele ano, o centrão tomou o governo e o
semipresidencialismo atual foi lançado na forma de um mar de emendas.
Votado para
fora do poder, inelegível, condenado e preso sem horizonte
visível de liberdade, Bolsonaro agora cobra o preço final pela escolha que a
direita, em sua maioria, fez ao abraçá-lo. Quer continuar no timão simbólico do
navio.
O lançamento
da candidatura de seu filho Flávio, que antes do
governador Tarcísio de
Freitas (Republicanos-SP) era considerado em Brasília um
Bolsonaro que proverbialmente sabia usar talheres, pode ou não ser uma farsa,
mas seu objetivo já foi alcançado.
O senador do PL-RJ obriga Tarcísio e o
centrão a escolhas impossíveis, um estreito de Messina político em que os monstros Cila
e Caríbdis ameaçam ambos os flancos das embarcações.
Se apoiarem Flávio, o que observadores agudos
acreditam ser inevitável num primeiro momento, o governador paulista e outros
ganharão a radioatividade do sobrenome Bolsonaro.
Uma olhada na rejeição de quem o carrega no
atual Datafolha é
clara: os quatro postulantes, incluindo aí o ex-presidente, estão em patamar
que só Lula (PT)
enverga. Depois do pai, Flávio é o mais mal colocado, com 38% de eleitores que
não votariam nunca nele.
A pesquisa oferece o argumento racional para
um rompimento: os Bolsonaros têm desempenho bastante pior no inevitável segundo
turno contra o petista se o pleito fosse hoje.
Os governadores competitivos da direita,
Tarcísio e Ratinho Jr.
(PSD-PR), chegam bem mais perto do presidente e contam com rejeições ínfimas,
combinação áurea nas mãos de um bom marqueteiro.
Na mitologia grega, Ulisses optou a travessia pelo
lado de Cila, que comia uns marinheiros mas pouparia a nau. Se a direita for
por aí, vira traidora e pode perder os 20% do eleitorado que o Datafolha
identifica como fiéis ao bolsonarismo, que iriam para alguém do clã.
Assim, ressalvando a distância do pleito,
recuos táticos mirando um desmame do bolsonarismo até 2030 e pulverização de
nomes são opções tentadoas, e declarações peremptórias agora servirão apenas
para ganhar tempo.

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