quinta-feira, 9 de abril de 2015

Carlos Alberto Sardenberg - À maneira de Pezão

• Se o governador do estado se confessa derrotado pela burocracia, a lição é a seguinte: se tentar seguir a lei, não vai sair nunca

- O Globo

Dia desses, o senador Blairo Maggi, um dos maiores produtores de soja do mundo, se queixava: você quer construir um porto e não sabe nem com quem começa a conversar.

Pois faça como o governador Pezão: construa sem perguntar nada para ninguém, esqueça a licença ambiental. Se depois der galho e você for processado, não tem problema, há tantos processos rolando por aí. Mais um não fará diferença.

Pezão se queixava das dificuldades legais que enfrentava para construir UPPs definitivas, prédios bons e seguros, nas comunidades cariocas. Dois problemas em especial: o título de propriedade do terreno e a licença ambiental.

Ora, se o governador do estado, o chefe da administração, se confessa derrotado pela burocracia, a lição é a seguinte: se tentar seguir a lei, não vai sair nunca.

Não será exagero dizer que todo mundo no Brasil passa por esse problema em algum momento de sua vida. Por exemplo: há uma árvore velha, quase caindo, em frente à sua casa. O que fazer? Esperar, primeiro, a visita dos fiscais da prefeitura — de vários departamentos — e, depois, quem sabe, a poda da árvore ou, digamos, resolver a coisa à Pezão?

Este é um caso simples. Ok, não se a árvore cair em sua cabeça, mas há situações muito mais graves, ali mesmo nas comunidades onde o governador não consegue construir suas UPPs. O morador quer comprar um terreno, levantar uma casa ou mesmo legalizar o lugar onde vive há anos, com quem fala?

O cálculo é impreciso, mas vai para a casa dos milhões de brasileiros que vivem em moradias irregulares. Como nas favelas e comunidades, cidadãos honestos e trabalhadores abrem verdadeiros bairros pelas cidades deste país, em terrenos públicos ou “duvidosos”, assumindo o risco de construir sem título de propriedade e, claro, sem as demais licenças.

Se derem sorte de estar numa comunidade pacífica, a vida segue. Não é, entretanto, o mais comum. Milícias, traficantes, quadrilhas, fiscais achacadores assumem o lugar que deveria ser do Estado. Isso não apenas gera enorme injustiça, como é um obstáculo ao progresso econômico das famílias e, pois, ao desenvolvimento.

Com um título de propriedade “bom”, como se diz, a família investe mais em sua casa, seus membros sentem-se mais seguros para procurar emprego ou montar negócios por ali. Podem dar a propriedade em garantia para empréstimos. Melhora o bem-estar, facilita a atividade econômica.

A médio prazo, esse ambiente institucional funcionaria melhor para a pacificação das favelas do que a instalação das UPPs. Quando o governador Pezão, no desabafo, diz que vai passar por cima da lei, ele está se afastando de uma solução duradoura para o problema.

Bem entendido: as UPPs são certamente necessárias, como o são as delegacias e o policiamento ostensivo em um bairro qualquer. Na verdade, dadas as circunstâncias de hoje, as UPPs são de uma prioridade indiscutível. Elas estão lá para fazer cumprir a lei. Qual lei?

Na falta do Estado, alguma regra, alguma lei se estabelece, com os seus fiscais. Por exemplo: a pessoa mora em uma casa cujo dono, intitulado por ele mesmo, é o chefe do tráfico ou da milícia ou simplesmente um cara que tem força para garantir sua propriedade de fato; ou a pessoa tem um negócio que paga impostos para a bandidagem.

Chega a polícia, afasta os chefões, quebra a ordem bandida, e põe o que no lugar? Como se define a propriedade a partir de então? Com quem se fala para fechar um contrato? Um cartório de registro de imóveis pode fazer mais falta que a UPP.

O capitalismo e suas revoluções enriqueceram o mundo, melhoraram o padrão de vida global. Hoje, as pessoas vivem mais e têm renda maior. Mas não igualmente. O que leva à questão: por que alguns países ficam ricos e outros falham?

A melhor resposta é: boas instituições (liberdade, democracia, voto, representação), direito de propriedade, direito de empreender e receber os ganhos disso, a cultura de que a riqueza tem de ser produzida e não roubada e, sobretudo, um Estado que cumpra a função de garantir lei, ordem e instituições. E que facilite a vida do cidadão, que sirva o cidadão, preste serviços decentes — a redundância é proposital.

Está na cara que estamos falhando nisso. Como o governador Pezão, os brasileiros frequentemente ficam diante do dilema de cumprir a lei e não fazer nada ou passar por cima da lei para fazer a coisa certa.

Não pode dar certo, por qualquer lado que se resolva o dilema.

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Carlos Alberto Sardenberg é jornalista

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