As ofensivas sofridas pelos jornalistas Lúcio Flávio Pinto, que edita em Belém o Jornal Pessoal, Emilio Palácio, do El Universo, de Quito, assim como o próprio jornal e seus três diretores, e pelo site Congresso em Foco têm duas características semelhantes: foram cometidas por intermédio do Judiciário e resultam em cerceamento das liberdades de manifestação do pensamento, de expressão em meio de comunicação e de exercício da profissão (art. 5o da Constituição brasileira).
Lúcio Flávio foi condenado a pagar R$ 8 mil de indenização aos sucessores do empresário Cecílio do Rego Almeida, falecido em 2008, por tê-lo denunciado, em 2000, como grileiro de vastas extensões de terras paraenses (ver “O Grileiro vencerá?”, “Lúcio Flávio e o Jornal Pessoal: jornalismo a serviço da cidadania” [vídeo, Observatório da Imprensa na TV] e “Somos todos Lúcio Flávio”). Esse valor é o da época em que foi impetrada a ação e subirá muito.
Os equatorianos foram condenados a três anos de prisão e multados em US$ 40 milhões, sob a acusação de terem injuriado o presidente Rafael Correa. Palacio pediu asilo nos Estados Unidos. Dos três diretores do El Universo, dois estão em Miami e um asilou-se na embaixada do Panamá em Quito.
Punição destrutiva
A Folha de S. Paulo, em editorial (“Rafael Correa, ditador”, 18/2), argumenta que a maneira mais infalível de aferir se existe democracia num país é “verificar se ali o governante se sujeita a críticas públicas — ainda que veementes, mesmo se injustas — sem que o autor seja punido por expressá-las”.
Não é bem assim. Crítica é uma coisa. Calúnia, injúria e difamação — para usar a terminologia jurídica brasileira —, outra. Qualquer pessoa que se sinta ofendida tem a possibilidade de recorrer aos tribunais para obter reparação.
O que torna antidemocrático o episódio do Equador é o despropositado valor da multa, que foge a qualquer sentido de justiça desde o surgimento da velha lei do talião. Aqui, não se trata de punir, mas de destruir.
Quando a Justiça aplica uma pena assim, pratica censura. A punição formal se dá a posteriori, mas o efeito se fará sentir a priori: quem, no Equador, se arriscará a ver uma crítica interpretada como injúria por juízes e tribunais? É um mecanismo que dispensa a utilização da censura prévia.
Dois atributos de modernidade
No caso do Congresso em Foco, servidores do Senado recorreram à Justiça contra a publicação do valor de seus vencimentos. Pretendem garantir juridicamente um privilégio que a própria presidente da República não tem — nem reivindica (ver “O direito à informação e o corporativismo no Senado”).
O Congresso em Foco é duplamente moderno. Moderno por utilizar a internet como canal de informação e análise, e moderno por expressar novos conceitos de cidadania cuja premissa é o direito de ter acesso a informações de natureza pública.
A jurisprudência da Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) transformou o acesso à informação em direito humano fundamental, com o caso “Claude Reyes vs Chile”, em 2006, ao considerar que “para que as pessoas possam exercer o controle democrático é essencial que o Estado garanta o acesso à informação de interesse público sob seu controle”.
Os antagonistas do Congresso em Foco representam uma camada de cultura político-administrativa ainda não penetrada pelo espírito da Constituição de 1988 e seus desdobramentos. Pretendem ter franquia para promover apropriação privada da coisa pública. Talvez tenham concepções de vida pública excessivamente influenciadas pelas práticas que veem desfilar diariamente por salas e corredores do Senado.
Mauro Malin é jornalista.
Fonte: Observatório da Imprensa, 682 & Gramsci e o Brasil.
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