Operadores apostam em um novo colapso dos preços dos emergentes. Alguém vai perder muito dinheiro
Depois da crise gravíssima que atingiu os Estados Unidos em 2008, o tecido econômico de um grande número de países passou a apresentar aguda sensibilidade a choques de natureza financeira. Qualquer ataque especulativo - de maior ou menor intensidade - contra moedas e outros ativos acaba criando um período de alta volatilidade e ansiedade. Isto aconteceu em 2012 na Europa e no Japão e, mais recentemente, no mundo emergente, do qual nosso país faz parte.
Na ansiedade atual, para tornar ainda mais dramática a crise que se procura construir, os principais envolvidos nesta tarefa criaram até um acrônimo para substituir o já consagrado termo Brics (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul). Agora quatro destes países, com o mesmo povo e instituições, foram incluídos pelo mercado no chamado "Os oito frágeis" (ao lado de Argentina, Chile, Indonésia e Turquia). Com isto procura-se criar um ambiente igual ao da crise real de 1997 na Ásia. A passagem dos Brics para a condição dos Oito frágeis, segundo a maioria dos analistas de mercado, foi motivada pela mudança de sinal da política monetária americana e a desaceleração da China.
Com o início da redução das compras pelo Fed de títulos de crédito em mercado, estaria contratada uma redução expressiva da liquidez que tornou bem mais fácil o caminho dos emergentes a partir de 2012. Agora, com a volta dos recursos de curto prazo, que tomaram o caminho dos Brics para os Estados Unidos, estaria contratada uma crise gravíssima no mundo emergente. O passo seguinte, na avaliação destes analistas, seria uma nova catástrofe financeira em escala mundial. Alguns mais precipitados chegam inclusive a prever que os problemas nos mercados emergentes seriam suficientemente graves para afetar a recuperação da maior economia do mundo. Esta visão, que já teve um número maior de defensores, chegou a provocar uma queda importante dos preços das ações em Wall Street no primeiro mês de 2014.
Tenho manifestado minha opinião de que não acredito no cenário de catástrofe que os mercados vêm precificando. Repito aqui a mesma confiança nos ajustes não traumáticos - induzidos pela ação dos governos - pelos quais passam de tempos em tempos as economias de mercado. Construí esta forma de encarar estes tremores a partir do pensamento e reflexões de Lord Keynes. E não me arrependi dela ao longo de toda a minha carreira no mercado financeiro, como personagem e analista.
Aprendi na prática, e na observação de erros cometidos por terceiros, a manter a calma nestes momentos e entendê-los mais como oportunidades de ganhos do que risco de perdas. E, claramente, não estou só nesta forma de pensar e agir. Em 2013 o hedge fund que mais ganhou dinheiro no mercado foi o Quantum Fund do já idoso, mas sempre inteligente, George Soros. Seu fundo simplesmente acreditou na recuperação da economia americana e apostou pesado na compra de ações em Wall Street.
O mesmo aconteceu com um hedge fund italiano, comandado também por um gestor já bastante sênior, mas que não caiu na esparrela do colapso da economia europeia e comprou - alavancado - títulos de 10 anos do Tesouro italiano, com juros na faixa dos dois dígitos. Nesta semana, estes papéis foram negociados a taxas as mais baixas desde 2006, algo próximo de 3,8% ao ano. Certamente o sábio gestor que vive no norte da Itália já deve ter vendido estes papéis - ficaram muito caros - e aplicado os recursos do fundo em papéis de 10 anos de algumas economias emergentes, como o nosso Brasil.
Tenho procurado tranquilizar as pessoas com quem converso mostrando que a mudança na direção da política do Fed e a busca de um reequilíbrio na economia chinesa terão algum efeito sobre as economias emergentes. Alguns deles já são visíveis, como mostram os quadros abaixo que trazem o crescimento do desemprego na Austrália a partir de 2010 e a moderação recente do consumo no Brasil.
No Brasil, depois de crescer acima de 8% ao ano no período áureo da economia chinesa - e do Fed irrigando os mercados do mundo todo com a emissão de dólares - os gastos das famílias iniciaram 2014 com taxa de crescimento de 4% ao ano. Os primeiros efeitos desta acomodação já aparecem nas estatísticas de inflação e, nos próximos meses, certamente aparecerão nas relacionadas com a conta corrente.
As apostas contra os emergentes estão concentradas nos grandes fundos ETFs, que representam hoje o principal mecanismo para os especuladores apostarem contra os ex Brics. Apenas dois deles - exatamente os maiores - representaram 80% dos saques de recursos nestes ativos nos últimos meses, em uma clara aposta a favor de uma crise mais grave, segundo matéria publicada na Bloomberg. Mas, ainda segundo este site, alguns ETFs menores aumentaram em US$ 6,5 bilhões suas carteiras, tomando o caminho oposto. Aqui no Brasil, o consenso dos operadores de curto prazo está do lado dos que apostam em um novo colapso dos preços dos ativos ligados aos emergentes.
Alguém vai perder muito dinheiro nos próximos meses, disto não tenham dúvida.
Luiz Carlos Mendonça de Barros, engenheiro e economista, é diretor-estrategista da Quest Investimentos. Foi presidente do BNDES e ministro das Comunicações.
Fonte: Valor Econômico
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