- O Estado de S.Paulo
Acólitos aplaudem patrimonialismo, nepotismo e ataques à ciência e à liberdade de imprensa
Minha avó paterna era uma carioca do samba. Adorava entoar marchinhas, com seu vozeirão rouco, a cada vez que um fato lhe chamava a atenção. Nas últimas semanas, me vem à mente dona Alduína cantando uma das suas favoritas, braços erguidos como se estivesse no bloco: “Lá vem/ O cordão dos puxa-saco/ Dando viva aos seus maiorais/ Quem está na frente é passado para trás/ E o cordão dos puxa-saco / Cada vez aumenta mais”.
O puxa-saquismo do Brasil de 2019, que ela não viveu para ver, aceita condescender com patrimonialismo e nepotismo explícitos, ataques à ciência, manifestações de preconceitos variados, desrespeito diário à liberdade de imprensa e tentativas de suprimir atribuições de órgãos, agências e até outros Poderes. Em resumo: exercícios de um crescente autoritarismo para ver se cola. E com muita gente tem colado. Na base da passação de pano, se aperta uma casa no cinto do que passa a ser considerado “o novo normal”.
Jair Bolsonaro só pode avançar de nariz empinado e com a arrogância dos que acham que não devem satisfações a ninguém porque se cercou de acólitos que só lhe dizem amém. Os seis primeiros meses de governo tiveram como uma de suas marcas o banimento de todo aquele que ousou questionar atos, comportamentos e decisões do presidente.
Foram para a Sibéria bolsonarista nomes como Gustavo Bebianno e Carlos Alberto Santos Cruz, no primeiro escalão, e outros menos conhecidos em estamentos inferiores do governo, sempre despachados com direito a esculhambação e destruição de reputações.
A maioria de quem sobrou entendeu que, ou se enquadra, ou dança. A exceção em termos de licença para divergir e tocar seu barco com liberdade, até aqui, tem sido Paulo Guedes, o “PG” na forma carinhosa pela qual é tratado por Bolsonaro. Mesmo quando interveio na seara do titular da Economia, como no caso em que tentou a todo custo arrancar vantagens para os policiais na reforma da Previdência, o presidente o fez com cerimônia e cuidado para não desautorizá-lo.
Por quê? Porque o futuro político do bolsonarismo depende de a economia dar certo. E porque Guedes não precisa do cargo de ministro para ter um futuro. E isso lhe dá liberdade para dizer “não” a Bolsonaro quando acha que deve, hoje em dia um privilégio quase exclusivo no primeiro escalão.
Pegue-se o exemplo de nomes como o general Augusto Heleno e mesmo o ministro Sérgio Moro. O primeiro assumiu com a fama de que seria o conselheiro de Bolsonaro. Exerceu essa missão com desvelo no início, ao dissuadir o presidente de ideias como a transferência da embaixada do Brasil em Israel para Jerusalém e de flertar com a ideia de uma aventura militar na Venezuela. Mas se acanhou diante dos ataques das milícias bolsonaristas aos militares, que ceifou seu amigo Santos Cruz e direcionou suas bazucas contra ele próprio e o porta-voz Rêgo Barros.
Já Moro, tragado para a crise da Vaza Jato, penhorou na loja bolsonarista boa parte do capital político e social que construiu como juiz. Se quando aceitou o ministério havia uma análise de que era indemissível e Bolsonaro dependia mais dele que o contrário, hoje a cada dia o ministro depende mais do presidente e ata seu futuro ao do chefe.
Se formos descer a nomes menos brilhantes, as manifestações de puxa-saquismo são bem mais explícitas e constrangedoras. Aqueles que emprestam suas biografias a justificar até as decisões mais estapafúrdias do chefe deveriam prestar atenção à segunda parte da marchinha da minha avó: “Vossa Excelência / Vossa Eminência/ Quanta referência nos cordões eleitorais / Mas se o ‘doutor’ cai do galho e vai pro chão/ A turma logo evolui de opinião/ E o cordão dos puxa-saco cada vez aumenta mais”.
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