quarta-feira, 31 de dezembro de 2014

Opinião do dia - Jürgen Habermas (O papel reitor dos meios de comunicação impressos)

(...) Pelo menos no âmbito da comunicação política, isto é, no que se refere aos leitores em tanto cidadãos, a imprensa de qualidade desempenha o papel reitor entre os meios de comunicação. Em suas informações e comentários, o rádio e a televisão como o resto da imprensa dependem em grande medida dos temas e contribuições que lhes antecipam esse tipo de publicações ‘racionalizadoras.

(...) Pois a comunicação pública perde sua vitalidade discursiva quando falta o afluxo das informações que se obtêm mediante custosas pesquisas e quando falta o estímulo dos argumentos que se apoiam num trabalho de expertos que não surge precisamente em vão. A esfera pública política já não oporia resistência alguma às tendências populistas nem poderia cumprir com a função que deveria desempenhar nos marcos de um Estado democrático de direito.

Vivemos em sociedades pluralistas. O processo democrático de tomada de decisões só pode superar as profundas oposições entre as concepções de mundo e mostrar uma força de vínculo legitimadora e que resulte convincente para todos os cidadãos na medida em que logre combinar duas exigências: tem que entrelaçar a inclusão, isto é, a participação em igualdade de direitos de todos os cidadãos, com a condição de que os conflitos de opinião sejam dirimidos de uma maneira mais ou menos discursiva. Pois são sobretudo as discussões deliberativas as que justificam a presunção de que ao final se chegará a resultados mais ou menos racionalizáveis. A formação democrática da opinião e da vontade tem uma dimensão epistêmica, porque nela também está em jogo a crítica das afirmações e avaliações falsas. E nesta tarefa está implicada toda esfera pública que mostre vitalidade desde o ponto de vista discursivo.

[Cf. La prensa seria como espina dorsal de la esfera pública política, in Ay, Europa, editora Trotta, Madrid, 2009].

Salário mínimo e tabela do IR têm alta menor

• Em cenário de aperto, governo arredonda valor do benefício para R$ 788. Economia é de R$ 600 milhões

Cristiane Jungblut e Geralda Doca - O Globo

-Brasília- A presidente Dilma Rousseff fixou em R$ 788 o valor do salário mínimo, a partir de 1° de janeiro de 2015, em decreto publicado no Diário Oficial de ontem. O valor atual do mínimo, de R$ 724, foi reajustado em 8,84%. Num momento de aperto nas contas públicas, Dilma arredondou para baixo o valor final do salário mínimo. A previsão da equipe econômica encaminhada ao Congresso era de R$ 788,06 e, na semana passada, a Comissão Mista de Orçamento (CMO) aprovou parecer do relator do Orçamento da União de 2015, senador Romero Jucá (PMDB-RR), que elevava o mínimo para R$ 790.

A decisão de Dilma representa uma economia para o governo de pelo menos R$ 600 milhões, em relação ao aprovado na comissão. Isso porque, segundo o Ministério da Fazenda, cada real a mais no valor do mínimo representa cerca de R$ 300 milhões de gasto adicional.

O valor oficial do salário mínimo é calculado com base no percentual de crescimento do PIB de dois anos anteriores — neste caso, de 2013 — mais a variação da inflação do ano anterior (2014). O índice de inflação utilizado é o INPC (Índice Nacional de Preços) e não o IPCA, que é considerada a inflação oficial no país. O decreto estabelece ainda que o valor diário do salário mínimo corresponderá a R$ 26,27 e o valor da hora será de R$ 3,58.

Segundo o Ministério da Previdência, são 21 milhões de beneficiários que recebem o piso previdenciário, no mesmo valor do salário mínimo. Os segurados da Previdência terão seus benefícios reajustados na folha de janeiro, paga entre 26 de janeiro e 6 de fevereiro. Essa não foi a primeira vez que Dilma arredondou para baixo o valor do mínimo. Em 2011, ao fixar o valor para 2012, a presidente reajustou para R$ 622, quando o Congresso havia aprovado uma projeção de R$ 622,73.

Segundo o Ministério do Planejamento, para se chegar ao valor de R$ 788 em 2015, o governo aplicou uma taxa de crescimento de 2,49% em 2013 e utilizou um INPC estimado para 2014 de 6,28%. Esses índices são aplicados de forma cumulativa em cima do valor de R$ 723,38 e não de R$ 724. A explicação é que o valor dado em dezembro de 2013 para valer em 2014 foi fechado com base num INPC um pouco maior do que o finalizado para 2013. É que o INPC usado em dezembro é uma estimativa, já que o índice fechado do ano só é conhecido em janeiro do ano seguinte.

Governo prepara nova MP
Já a correção da tabela do Imposto de Renda (IR) deverá ser anunciada em meados de janeiro de 2015. Segundo fontes da equipe econômica, nova medida provisória, com reajuste de 4,5%, será publicada assim que a presidente Dilma Rousseff sancionar a MP 656 e vetar a correção proposta pelo Congresso, de 6,5%. A MP 656 foi aprovada no fim de dezembro e o prazo para a sanção é de 15 dias.

— Estamos trabalhando com a mesma correção de 4,5% proposta anteriormente — disse um integrante do governo.

Segundo essa fonte, o ideal seria baixar logo a MP com a correção para que os novos índices, que incidem sobre os salários, pudessem vigorar a partir de 1° de janeiro de 2015. Mas é preciso resolver primeiro a questão do reajuste aprovado pelo Congresso, diante da necessidade de ajuste nas contas públicas. A MP que propunha originalmente a correção de 4,5% perdeu validade sem ser votada pelo Congresso.

Polêmica oficial

• Ministérios do Trabalho e Fazenda divergem sobre constitucionalidade de mudança no PIS

Geralda Doca, Cristiane Bonfanti e Martha Beck – O Globo

-BRASÍLIA- Um dia após o anúncio das restrições ao acesso de benefícios como o seguro-desemprego e abono salarial, o Ministério do Trabalho enviou uma nota ao Palácio do Planalto, na qual alerta que a mudança no valor do abono (PIS), que passará a ser proporcional aos meses trabalhados, é inconstitucional. Pela Constituição Federal, os empregados que fazem jus ao benefício têm direito a receber um salário mínimo. Essa avaliação já tinha sido apresentada pelos técnicos da pasta nas discussões sobre o tema, mas foram ignoradas. Prevaleceu a posição da equipe econômica. Indagado sobre a questão, o diretor de programas da Secretaria-Executiva do Ministério da Fazenda, Manoel Pires, que ontem detalhou as medidas, respondeu que o entendimento do departamento jurídico da pasta é que não há inconstitucionalidade. A alteração no PIS entrará em vigor em agosto de 2015, enquanto outras medidas, como a mudança nas regras de concessão do seguro-desemprego, passam a valer em 60 dias.

— Segundo a nossa área jurídica, não (é inconstitucional) - disse o diretor.

Ao lado de representantes dos ministérios do Planejamento, Trabalho e Previdência, Pires detalhou as duas medidas provisórias publicadas em edição extra do Diário Oficial da União — uma na área trabalhista e outra na previdenciária. Ele reiterou que o pacote vai gerar uma economia de R$ 18 bilhões em 2015, mas não soube informar o impacto isolado de cada medida. No caso do seguro-desemprego, o governo elevou de seis para 18 meses o período exigido de carteira assinada e ajustou o número de parcelas, que varia de três a cinco. Na avaliação da Fazenda, a curto prazo, essa é a medida de maior impacto na redução de despesas.

No que diz respeito às pensões, a proposta do governo prevê o fim do benefício vitalício para cônjuges jovens. Foi estipulada uma tabela que assegura o benefício pela vida inteira para quem fica viúvo com 44 anos ou mais e que tenha expectativa de sobrevida de até 35 anos. Abaixo dessa idade, o beneficio será temporário, conforme a expectativa de vida. Entre 39 e 43 anos, por exemplo, o prazo é de 15 anos; entre 22 e 32 anos, de seis; e, abaixo de 21 anos, de três. O cálculo do benefício também muda. Por exemplo, uma viúva sem filhos passará a receber 60% do valor do beneficio, não mais 100%. Cada filho terá direito a uma cota de 10%, que termina aos 21 anos de idade.

Miguel Torres, presidente da Força Sindical, disse que a entidade estuda entrar com uma ação direta de inconstitucionalidade (Adin) no Supremo Tribunal Federal (STF):

— A Força Sindical é contra as medidas anunciadas. Vamos mobilizar o movimento sindical, até porque todo mundo foi pego de surpresa. Estamos estudando a possibilidade de entrar com a Adin e também vamos trabalhar dentro do Congresso.

Jogo de empurra para fazer o anúncio
O anúncio das primeiras medidas de controle de gastos para garantir o ajuste fiscal, a partir de 2015, virou um verdadeiro jogo de empurra entre a atual e a futura equipe econômica. Extremamente insatisfeitos com a forma como vêm sendo tratados pelo Palácio do Planalto, os técnicos da Fazenda não quiseram participar da divulgação das medidas. Embora tenha trabalhado na elaboração das mudanças, a equipe do ministro Guido Mantega considera que foi "atropelada" pela futura equipe, que vem sendo tratada como "salvadora da pátria".

Já a futura equipe, capitaneada pelos futuros ministros da Fazenda, Joaquim Levy, e do Planejamento, Nelson Barbosa, também não queria anunciar as medidas, por dois motivos: são fruto do trabalho da equipe anterior e são impopulares. Eles avaliaram que não deveriam ficam na conta de quem está chegando ao governo.

Assim, sobrou para o ministro da Casa Civil, Aloizio Mercadante, lançar as medidas no Planalto, com outros ministros como coadjuvantes. Foram convocados o secretário-executivo da Fazenda, Paulo Caffarelli, encarregado de fazer a transição entre as novas equipes, e Nelson Barbosa, que pouco falou.

— Havia uma urgência em anunciar as medidas por causa da anualidade. O problema é que Mantega já está fora. Ele já não está nem em Brasília. Só assina as medidas. O pessoal da Fazenda também está aborrecido e não quis falar das medidas. A futura equipe acha que esse trabalho cabe à atual, que afinal foi quem elaborou as ações. Virou uma confusão de hora de anunciar — disse um interlocutor do Planalto.

Oposição diz que MP prejudica trabalhador e promete mudar texto

• Para Aécio Neves, Dilma "trai compromissos assumidos com eleitores"

Cristiane Jungblut, Isabel Braga, Júnia Gama e Simone Iglesias – O Globo

-BRASÍLIA- Líderes da oposição no Congresso criticaram a edição de medida provisória (MP) com regras que dificultam o acesso ao seguro-desemprego e outros benefícios. Eles acusaram Dilma Rousseff de romper compromissos de campanha e prejudicar os trabalhadores. O presidente do PSDB, senador Aécio Neves (MG), informou em sua página no Facebook que vai tentar alterar o texto da MP no Congresso.

"No apagar das luzes do seu primeiro mandato, (... ) a presidente Dilma Rousseff trai novamente os compromissos assumidos com seus eleitores e anuncia novas e duras medidas que, na campanha eleitoral, garantiu que não iria tomar: reduz direitos dos trabalhadores (...)", escreveu o senador. Aécio ainda ironizou a frase dita por Dilma durante a campanha, de que não mexeria nos direitos dos trabalhadores "nem que a vaca tussa". "A cada nova medida anunciada vai ficando ainda mais claro que foi a mentira quem venceu as últimas eleições", afirmou.

O líder do PSDB no Senado, Aloysio Nunes Ferreira (SP), também lembrou a frase de Dilma:

— Ela disse que não mexeria em direitos dos trabalhadores nem que a vaca tossisse. E a vaca tossiu. Esse pode ser um caminho para a ruína, a menos que haja a retomada efetiva da economia. Porque, se isso não ocorrer, ela ficará sem realizações e sem legitimidade.

Para o presidente nacional do DEM e líder do partido no Senado, José Agripino Maia (RN), Dilma alterou as regras da concessão do seguro-desemprego sabendo que haverá aumento do desemprego no país. E o líder do PPS, deputado Rubens Bueno (PR), disse que, por tratar-se de reforma em direitos trabalhistas, o governo deveria ter enviado um projeto de lei para ser discutido no Congresso, em vez de recorrer a uma MP.

Representante do PDT rompe
Em campanha para a Presidência da Câmara, o líder do PMDB, Eduardo Cunha (RJ), evitou criticar a MP:

— Não conheço o texto completo ainda, mas, a princípio, qualquer medida que sirva para conter abusos e distorções é bem-vinda. Os gastos estão elevados e a receita cresce quase nada, então o governo precisou fazer essa economia.

Já o ex-ministro do Trabalho Brizola Neto, do PDT, decidiu romper com o governo:

— Não podemos participar de um governo no qual a primeira medida anunciada é tirar direitos dos trabalhadores.

Opinião/O Globo: Sensatez
NO MESMO dia em que foram divulgados os números aterrorizantes das contas públicas de novembro, o governo anunciou medidas de correção no pagamento de benefícios e pensões. Uma coisa tem a ver com a outra.

AFINAL, O crescente desequilíbrio em gastos ditos "sociais" como benefícios previdenciários, seguros e auxílios, é uma das molas propulsoras do crescente e preocupante déficit público — astronômicos 6,06% do PIB, de janeiro a novembro.

NOVAS NORMAS para o pagamento de pensões por morte, seguro-desemprego, auxílio-doença e auxílio-defeso (para pescadores) apenas condicionam esses gastos à realidade fiscal do país. E tão-somente reproduzem o que muitos países já fazem.

O dia em que a vaca tossiu

• Não mexer em direitos trabalhistas foi promessa de campanha de Dilma

Slmone Iglesias – O Globo

BRASÍLIA - Numa reunião com empresários, em Campinas, durante a campanha eleitoral, a então candidata à reeleição Dilma Rousseff se saiu com a frase "nem que a vaca tussa" para deixar claro que não mexeria nos direitos trabalhistas. Daquele dia 17 de setembro, já na reta final da disputa, o PT transformou o bordão em viral na internet, com uma campanha nas redes sociais em que aparecia uma vaquinha com os dizeres: "Mexer nos meus direitos? Nem que a vaca tussa. #EmDireitoMeuNiguemMexe."

No evento, Dilma lembrou o legado trabalhista de Getúlio Vargas, citando décimo terceiro salário, férias e FGTS. Dias depois, na sua conta no Twitter, a presidente publicou: "Tem coisas que eu não concordo, como mexer nos direitos do trabalhador e não abro mão nem que a vaca tussa"!

Passadas as eleições, o primeiro anúncio feito pelo governo para cortar gastos atingiu justamente o trabalhador. Foram seis medidas com projeção de R$ 18 bilhões de economia por ano, a partir de 2015, três delas com impacto direto nos direitos dos trabalhadores.

Fundo cambial lidera aplicações sob Dilma

• Com alta do dólar e preocupações sobre o Brasil, investimento acumula valorização de 59,1% no 1º mandato

• Fundos de ações, que foram aplicação de melhor retorno sob Lula 2, ficaram abaixo da inflação em Dilma 1

Toni Sciarretta, Anderson Figo – Folha de S. Paulo

SÃO PAULO - Os fundos cambiais, que seguem o dólar, foram as aplicações de maior rentabilidade nos quatro anos do primeiro mandato da presidente Dilma Rousseff, período marcado no Brasil pelo baixo crescimento da economia e internacionalmente pela desvalorização de commodities e de moedas de países emergentes, como o real brasileiro.

Sob Dilma, o dólar à vista (referência do mercado financeiro) subiu em todos os quatro anos --para R$ 2,648, alta de 59,5%--, resultado da valorização mundial da moeda com a recuperação da economia dos EUA e a perspectiva de alta dos juros americanos, além do descontentamento dos investidores com o Brasil.

No segundo governo Lula, o dólar caiu em três dos quatro anos, acumulando uma desvalorização de 22,28%.

"Com Dilma, aumentou a aversão ao Brasil devido ao maior intervencionismo na economia, ao baixo crescimento e ao risco de mudança nas regras do jogo", disse Rafael Paschoarelli, professor de finanças da USP.

"Lula surfou com a alta das commodities e não precisou cuidar das contas do governo. A conta chegou para Dilma, que não teve um período tão favorável", disse Fabio Colombo, administrador de investimentos.

Indicados para se proteger da alta do dólar, os fundos cambiais tiveram ganho líquido de 59,1% entre 2011 e 2014, depois de descontado o Imposto de Renda de 15% (alíquota para saque após 720 dias), segundo a Anbima (associação das entidades de mercado), com dados até 24 de dezembro (mais recentes).

Só em 2014, esses fundos acumularam alta de 11,99% líquidos de IR (alíquota de 17,5%, para saque após 360 dias). No ano, o dólar à vista (referência no mercado financeiro) subiu 12,17% --de R$ 2,361 até R$ 2,648 nesta terça (30). O dólar comercial, usado no comércio exterior, subiu 14,89% neste ano.

Populares no passado, esses fundos aplicam basicamente em contratos de dólar na Bolsa e em dívida corrigida pela moeda dos EUA. A maioria tem custo elevado e não costuma ser oferecida ao pequeno investidor, só a clientes de média para alta renda.

Sob Lula 2, queda
No segundo mandato de Lula (2007 a 2010), quando o dólar recuava devido à forte entrada de recursos estrangeiros, os fundos cambiais foram de longe a pior aplicação: caíram 11,27%.

O mundo então "descobrira" o alto retorno de ações e de moedas emergentes, e a aplicação de melhor retorno naquele período foram os fundos de ações livres (opção para o pequeno investidor que quer aplicar em Bolsa), que subiram 61,15% líquidos.

Essa aposta não deu certo nos anos Dilma, quando os fundos de ações subiram 10,7% líquidos --abaixo da inflação prevista de 27,1% no IPCA. Neste ano, esses fundos caíram 0,83% até o dia 24.

O denominador comum dos governos Lula 2.0 e Dilma 1.0 foram as taxas elevadas de juros, que puxaram os retornos das aplicações que investem em dívida pública e privada.

Os fundos de renda fixa, que aplicam em taxas prefixadas, subiram 47,9% com Lula e 43% com Dilma. Já os fundos DI (seguem a taxa Selic, o juro básico) subiram 44,1% com Lula e 38,9% com Dilma.

Dilma escala Juca Ferreira para a Cultura

• Um impasse na escolha do próximo titular das Relações Exteriores adiou a conclusão da nova formação do governo

• Marta Suplicy disse que a população "não faz ideia dos desmandos" promovidos pelo futuro titular de ministério

Andréia Sadi, Mariana Haubert, Valdo Cruz e Gustavo Uribe – Folha de S. Paulo

BRASÍLIA, SÃO PAULO - A presidente Dilma Rousseff confirmou nesta terça-feira (30) a indicação do sociólogo Juca Ferreira, 65, para o Ministério da Cultura e adiou para o último dia do ano a conclusão de sua reforma ministerial devido a um impasse no comando do Ministério das Relações Exteriores.

Para a vaga, estão cotados Celso Amorim, que deixará o Ministério da Defesa, e Mauro Vieira, embaixador do Brasil em Washington. A presidente deve definir a troca após conversas marcadas para esta quarta-feira (31).

Além de Juca Ferreira, estava previsto o anúncio de permanência ou troca de outros 14 ministros do governo, também adiado.

Dilma ainda não encontrou substitutos para Thomas Traumann, na Secretaria de Comunicação Social, e Marcelo Neri, na Secretaria de Assuntos Estratégicos. Eles devem permanecer no cargo até um segundo momento.

Os demais ministros devem ser mantidos em seus cargos: Aloizio Mercadante (Casa Civil); Artur Chioro (Saúde); Izabela Teixeira (Meio Ambiente); Tereza Campello (Desenvolvimento Social); Ideli Salvatti (Direitos Humanos); Guilherme Afif Domingos (Micro e Pequena Empresa) e Eleonora Menicucci (Secretaria de Políticas para Mulheres).

Na segunda (29), a presidente anunciou sete novos nomes, redefinindo o espaço do PT na Esplanada com a indicação de petistas mais próximos a ela e mais distantes do ex-presidente Lula.

A indicação de Juca, no entanto, agrada a setores do PT. Assessores de Dilma afirmam que a escolha dele é também um "gesto" ao grupo de Lula, que foi isolado do núcleo duro do Palácio do Planalto no segundo mandato. Este grupo também defende a nomeação de Amorim.

Críticas
Marta Suplicy (PT-SP) criticou a indicação de Juca tão logo o nome foi divulgado pelo Planalto. A petista, que comandou a pasta de setembro de 2012 a novembro de 2014, afirmou nas redes sociais que a população brasileira "não faz ideia dos desmandos" promovidos pelo novo ministro para a área da cultura.

"A população brasileira não faz ideia dos desmandos que este senhor promoveu à frente da cultura brasileira. O povo da cultura, que tão bem o conhece, saberá dizer o que isto representa", escreveu Marta, sem explicar que problemas seriam esses.

Juca ocupou a mesma pasta de 2008 a 2010, durante o governo Lula. Antes, havia sido secretário-executivo durante a gestão de Gilberto Gil, de 2003 a 2008.

Assim que assumiu o posto pela primeira vez, ele foi criticado publicamente pela também ex-ministra da Cultura Ana de Holanda, que o definiu como "político de personalidade polêmica, extremamente belicista".

Em sua gestão no ministério, Juca fez duras críticas ao atual modelo da Lei Rouanet, mecanismo de incentivo à cultura via renúncia fiscal.

Ele reiterava que a concentração de recursos da Lei Rouanet no Sudeste prejudicava o resto do país. Juca também criticava o montante a ser devolvido aos patrocinadores dos projetos culturais. Em 2009, abriu consulta pública para discussão de novo projeto da Lei Rouanet.

Sociólogo, Juca licenciou-se em setembro da secretaria municipal de São Paulo para coordenar a área de cultura da campanha de Dilma.

Marta Suplicy critica escolha de Juca Ferreira para Cultura

• Senadora disse que a população 'não faz ideia dos desmandos que este senhor promoveu à frente da Cultura'

Vera Rosa - O Estado de S. Paulo

BRASÍLIA - A ex-ministra da Cultura Marta Suplicy criticou nesta terça-feira, 30, a indicação de Juca Ferreira para ocupar o seu antigo posto. Em mensagem postada no Facebook, Marta disse que a população “não faz ideia dos desmandos que este senhor promoveu à frente da Cultura” e também atacou o candidato derrotado ao governo de São Paulo pelo PT, Alexandre Padilha.

“Nada mais sintomático do que Alexandre Padilha, aquele que foi rejeitado pelo povo paulista, nas últimas eleições, para anunciar Juca Ferreira no Ministério da Cultura”, escreveu Marta, que voltou ao Senado em novembro, após se demitir do ministério, com fortes críticas ao governo Dilma. “A população brasileira não faz ideia dos desmandos que este senhor promoveu à frente da Cultura brasileira. O povo da Cultura, que tão bem o conhece, saberá dizer o que isto representa”.

Marta saiu do Ministério da Cultura batendo a porta. Na carta de demissão, disse esperar que Dilma fosse “iluminada” para escolher uma equipe econômica “independente, experiente e comprovada”, a fim de resgatar a “confiança e credibilidade” ao governo. Em conversas reservadas, amigos de Marta afirmam que a senadora se movimenta para ser candidata à Prefeitura de São Paulo, em 2016, e pode deixar o PT, caso o partido queira apostar na reeleição de Fernando Haddad.

O que mais irritou Marta foi o fato de Juca Ferreira ter feito campanha ostensiva para voltar ao Ministério que comandou no governo Lula, enquanto ela ainda estava lá. De acordo com um dirigente do PT, a senadora ficou furiosa porque em setembro Ferreira organizou, no Rio de Janeiro, um ato de apoio à reeleição de Dilma, com artistas e intelectuais, sem ao menos consultá-la.

Além disso, no dia do ato, Marta teve de passar pelo constrangimento de assistir a uma claque pedindo o retorno de Ferreira, então secretário municipal de Cultura, ao Ministério.

Para completar, Padilha postou uma mensagem em sua conta no Twitter, no fim da tarde desta terça-feira, elogiando a escolha de Ferreira. “A PR Dilma marcou um golaço retumbante, sonoro e espetacular ao anunciar Juca Ferreira como novo ministro da Cultura. Parabéns, Juca!”, escreveu Padilha, provocando a ira de Marta. O Estado procurou Ferreira para comentar as críticas, mas ele não foi localizado.

Novo mandato em meio a turbulências

• Dilma Rousseff assume sua segunda gestão, na tarde desta quinta-feira, com o desafio de superar momento marcado por investigações sobre corrupção na Petrobras, disputa por espaço do próprio partido no governo e críticas ao futuro ministério

Juliana Bublitz – Zero Hora (RS)

Depois de protagonizar a mais acirrada disputa presidencial desde a redemocratização, Dilma Rousseff assumirá o segundo mandato, na tarde desta quinta-feira, em Brasília, sob pressão. Denúncias de corrupção, fogo amigo dentro do próprio partido, manifestações de setores conservadores e críticas ao novo ministério serão alguns dos ingredientes da cerimônia de posse.

– Este é um governo que, em vez de começar em festa, vai começar em crise – diz o cientista político José Álvaro Moisés, da Universidade de São Paulo.

Se em 1º de janeiro de 2011 a petista era saudada como a primeira mulher eleita presidente do Brasil, agora o contexto é outro. As cicatrizes deixadas pela eleição, que terminou com o país cindido e uma vitória apertada, seguem abertas. Para completar, revelações da Operação Lava-Jato sobre o desvio de recursos da Petrobras assombram Brasília.

– Em certo sentido, Dilma deu uma ducha de água fria na militância. As primeiras medidas vão na contramão do que ela defendia – diz o cientista político Felipe Borba, da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (Unirio).

PT convida para festa democrática
Na tentativa de deslegitimar a posse, protestos devem ocorrer pelo país. Para fazer frente, o PT convocou movimentos sindicais e sociais ligados ao partido para uma mobilização em favor da presidente, chamada de Marcha da Esperança. A intenção é fazer uma festa com a cantora Alcione, em Brasília. Mais de 600 ônibus são esperados.

Nas últimas semanas, os petistas trabalham para fazer da posse uma "festa da democracia brasileira".

– Nós, os petistas, e também todos aqueles que defendem um Brasil mais inclusivo, mais justo, vamos promover uma grande festa no próximo dia 1º, na posse da presidenta Dilma – disse recentemente o presidente do PT, Rui Falcão.

O dirigente completou:

– Tivemos uma vitória significativa, que teve a participação do PT, mas também de vários movimentos sociais, da juventude mulheres, negros partidos de esquerda que, embora não apoiando todas as nossas medidas, perceberam o que estava em jogo: avançar ou retroceder na linha da volta do neoliberalismo.

Já o ministro da Secretaria-Geral, Gilberto Carvalho, tem dito que a posse terá um "caráter marcadamente político no sentido de uma disputa e de uma festa".

O encolhimento do PT no governo

Cleidi Pereira – Zero Hora (RS)

Desde que chegou ao Palácio do Planalto, o PT vem diminuindo sua presença no primeiro escalão do governo federal. Em 2003, no primeiro mandato de Luiz Inácio Lula da Silva, a sigla ocupava 60% dos 35 ministérios da época, percentual que caiu para 45% em 2011, quando Dilma Rousseff assumiu a Presidência da República.

E a tendência é que a participação da legenda no segundo governo da petista encolha mais um pouco, o que tem provocado tensão interna e gerado reclamações por parte de grupos ligados ao ex- presidente Lula. A insatisfação de parte do PT seria um dos motivos do adiamento da conclusão da reforma ministerial. Até agora, Dilma anunciou os nomes de 25 dos 39 auxiliares, sendo sete deles do PT e outros seis filiados ao PMDB. Na terça-feira, confirmou Juca Ferreira, ligado ao PT, na Cultura.

Na esteira da perda de espaço do PT, seu principal aliado, o PMDB, ganha força. Em 2007, quando foi selada a aliança com os petistas, os peemedebistas comandavam cinco pastas. Quatro anos depois o número passou para seis. Nos últimos anos, também cresceram o número de ministérios na Esplanada (de 35 em 2003 para 39 em 2014) e a quantidade de partidos com representantes na equipe.

Além disso, ao longo dos anos, o PT cedeu pastas importantes para aliados, como os ministérios das Cidades (comandado pelo PP desde 2007) e de Minas e Energia, que foi para o PMDB em 2010.

Restam 14 cargos ainda em aberto
– A composição do ministério obedece a uma lógica de formar maioria no Congresso, por isso o PMDB ganha importância. O partido tem a maioria no Senado e é fundamental para a formação de maioria na Câmara dos Deputados. Então, o PMDB é o eixo da estabilidade institucional do governo – avalia o sociólogo e cientista político Paulo Baía, da Universidade Federal do Rio.

De acordo com o professor, o PT perde representatividade no primeiro escalão porque a amplitude da aliança que elegeu Dilma está sendo representada nas escolhas da petista. Com o anúncio da última segunda-feira, oito partidos já foram contemplados com ministérios, e ainda restam 14 nomes a serem anunciados.

Para David Fleischer, do Instituto de Ciência Política da Universidade de Brasília, além de assegurar governabilidade, Dilma está tentando imprimir sua marca na composição da equipe ministerial que toma posse no dia 1° de janeiro. Por isso, pessoas de confiança da presidente estão substituindo aliados de Lula, seu principal padrinho político. Fleischer também avalia que o PT terá espaço ainda mais reduzido no novo ministério:

– A presidente vai ter que agradar muito ao PMDB, porque, se Eduardo Cunha for eleito presidente da Câmara, sai de baixo, ela vai precisar do PMDB mais do que nunca. Caso contrário, não vai conseguir aprovar nada.

Petrobrás fecha o ano com perda de 37% no valor das ações

• Neste ano, a companhia perdeu R$ 87,182 bi em valor de mercado; o balanço contábil do 3º trimestre só será divulgado em janeiro

Antonio Pita - O Estado de S. Paulo

RIO - Em meio a uma grave crise institucional, após a deflagração de investigações sobre corrupção na diretoria executiva e mudanças no cenário global de petróleo, a Petrobrás encerrou 2014 com uma perda acima de R$ 87 bilhões em valor de mercado em relação ao último ano - a maior perda em valor absoluto entre as empresas nacionais negociadas no mercado de ações. Após mais um dia de desvalorização na bolsa de valores, as ações da estatal amargaram uma queda de 37% no valor ao longo do ano em que a companhia se viu envolvida numa rede de escândalos e precisou adiar o balanço financeiro para detalhar o impacto econômico da corrupção em seus ativos.

Na comparação entre o dia 30 de dezembro de 2013 e os resultados fechados nesta terça-feira, a companhia perdeu R$ 87,182 bilhões em valor de mercado, saindo de R$ 214,6 bilhões para cerca de R$ 127,5 bilhões, segundo levantamento da Economatica, queda de 40,6%. De acordo com a consultoria, a estatal deixou de ser a segunda empresa nacional com maior valor de mercado, atrás da Ambev, e encerrará o ano na quarta colocação, tendo sido ultrapassada também pelo Itaú Unibanco (R$ 183 bilhões) e Bradesco (R$ 145,5 bilhões).

Somente nos últimos quatro meses, as ações da estatal acumulam perdas de cerca de 62%. No início de setembro, o ex-diretor Paulo Roberto Costa iniciou a delação premiada e o conteúdo dos depoimentos, vazados à imprensa, iniciaram a derrocada dos papéis preferenciais da empresa, que saiu de cerca de R$ 24 para menos de R$ 10 em dezembro, após novo adiamento da divulgação do balanço financeiro do terceiro trimestre.

Nesta terça-feira - sob impacto do anúncio de novas medidas de controle da corrupção na estatal, como o bloqueio temporário da participação de 23 empresas em licitações e a ampliação das investigações independentes no fundo Petros - as ações ordinárias da companhia fecharam em queda de 2,48%, cotadas a R$ 9,59. Já as ações preferenciais caíram 2,53%, cotadas a R$ 10,02.

Os resultados negativos reforçam a percepção do mercado de que as medidas anunciadas pela Petrobrás ainda não são suficientes para recobrar a confiança do mercado. A estatal reforçou que só irá divulgar o balanço contábil não auditado do terceiro trimestre em janeiro, apesar da movimentação de fundos estrangeiros para cobrar dívidas referentes à emissão de US$ 54 bilhões em bônus da estatal por descumprimento de compromissos de divulgação das informações.

Além disso, a companhia anunciou que trabalha na revisão de seu plano de negócios para 2015, considerando uma "redução do ritmo de investimentos" e projetando uma taxa média de câmbio de R$ 2,60 e preço médio do Brent de US$ 70. Hoje, entretanto, o Brent para fevereiro chegou a ser negociado a US$ 57. Na última semana, a agência de classificação Moody's colocou a avaliação de risco da estatal em "revisão", dando margem a um possível rebaixamento "em breve". Na avaliação do consultor Pedro Galdi, as perspectivas são "pessimistas" para a estatal.

"Ela deve ser rebaixada, certamente. Não descarto que as ações caiam mais, até perto de R$ 6. É difícil quantificar o abalo, mas é uma situação triste para uma das mais importantes empresas do País", comentou o consultor.

Galdi também destacou o impacto para as ações da companhia das fortes quedas na cotação internacional do petróleo, a partir de setembro. Desde então, a cotação do óleo Brent, negociado em Londres, saiu do patamar de US$ 105 para cerca de US$ 57, levando diversas companhias a rever projeções de investimento no próximo ano. A Petrobrás já admitiu que irá rever o plano de negócios e gestão com uma "ligeira" redução nos investimentos, mas, até apresentar o balanço contábil, não detalhará quais projetos podem ser redimensionados.

Além dos fatores econômicos, que incluem ainda o alto endividamento da companhia e a pressão cambial, as flutuações nos papéis e no valor de mercado da companhia acompanharam o calendário das investigações e desdobramentos da operação Lava Jato, que revelou o pagamento de propina a diretores da estatal por empreiteiras responsáveis pelas principais obras da Petrobrás. Em setembro, quando vazaram trechos de depoimentos de delação premiada do ex-diretor Paulo Roberto Costa, as ações eram cotadas acima de R$ 20.

No último dia 12, entretanto, as ações caíram a menos de R$ 10 pela primeira vez desde 2004. A forte queda foi marcada pela expectativa com a divulgação do balanço financeiro da companhia, adiado novamente após o fechamento daquele pregão. Desde novembro a companhia posterga a divulgação dos resultados trimestrais, após a auditoria externa se recusar a revisar as informações sem um aprofundamento das investigações internas sobre a corrupção e sem a baixa contábil referente ao impacto dos desvios no caixa da empresa. Até o momento, a empresa não anunciou quando divulgará os resultados. Fontes afirmaram aoBroadcast que o balanço não auditado deve ser liberado em 12 de janeiro.

Merval Pereira - Dilma sob ataques

- O Globo

A presidente Dilma terá grandes problemas pela frente porque a esquerda do PT e os sindicalistas já começam a se movimentar tanto contra Joaquim Levy quanto contra as medidas de contenção de custos dos benefícios sociais. Ao mesmo tempo, também o PSDB saiu ao ataque contra as novas medidas de contenção, acusando o governo de estar traindo seus eleitores e classificando de "neoliberalismo petista" as medidas anunciadas.

A questão central é que mexer em valores importantes para trabalhadores e sindicalistas dá a sensação de que o governo está traindo seus eleitores, ao mesmo tempo que dá margem a que o PSDB assuma um modo petista de fazer oposição.

Mas na verdade o governo está fazendo o que tinha de fazer mesmo, há distorções no seguro-desemprego, no sistema de pensões, e em diversos outros mecanismos de benefícios sociais; é necessário, mas desgastante, dar uma controlada nisso. A ideia é economizar cerca de R$ 18 bilhões/ano, o que não é pouca coisa para um país que está precisando desesperadamente cortar custos.

Mas mexe com interesses de sindicalistas, que já estão muito agitados, e com políticos também. Até setores do PMDB estão questionando as medidas, chamando a atenção para o fato de que o governo começa a cortar custos pelos trabalhadores, e não pelos gastos excessivos da máquina governamental.

A esquerda do PT está se sentindo afastada da composição desse 2° Ministério, e acha que a direita tomou conta do governo. Há setores da esquerda, dentro e fora do PT, que não apoiam Dilma por tomar medidas que criticava nos seus adversários na campanha, e este é um fato que denota a incongruência de um governo que tem de abandonar crenças ideológicas na economia para reverter situação desastrosa que ele mesmo criou.

Dilma está tomando medidas que mudam a direção que apontou nos discursos na campanha eleitoral, mas não são medidas "de direita"," como equivocadamente apontam seus críticos internos, mas medidas necessárias para recuperar o equilíbrio das contas públicas.

Ao que tudo indica, teremos pela primeira vez um déficit fiscal ao final deste 2014, pois, para chegarmos a um superávit de R$ 10 bilhões anunciado pelo (ainda) ministro Guido Mantega, teríamos que ter um superávit de quase R$ 30 bilhões em dezembro, o que é inviável a esta altura, pelo menos sem malabarismos fiscais.

Dilma já anunciou que vai abrir o capital da Caixa para investimentos privados e precisa fazer isso mesmo, pois o governo não tem dinheiro. O problema é que ela não terá o apoio nem do PT, já liberado por Lula para críticas, nem dos movimentos sociais, que, ao contrário, estarão mobilizados em ação conjunta de Lula com líderes sindicais para ir às ruas defender os interesses da esquerda.

Isso quer dizer que, a pretexto de defender o governo do ataque da "direita"," esses movimentos sociais estarão indo contra setores encastelados no Ministério de Dilma, como Gilberto Kassab (PSD), que nas Cidades terá que dialogar Guilherme Boulos, do Movimento dos Sem Teto, o novo enfant terrible da esquerda brasileira.

A futura ministra da Agricultura, Kátia Abreu, também terá que se confrontar com João Pedro Stédile e o MST, que prometeu guerra nas ruas caso Aécio Neves vencesse a eleição, e vê a presidente da Confederação Nacional da Agricultura como uma inimiga tão grande quanto o candidato tucano, com o agravante de estar dentro do governo.

Ao lado disso, o governo não contará com o apoio da oposição, ao contrário do que aconteceu no início do primeiro governo Lula. A Força Sindical, que apoiou Aécio na eleição, vai se juntar aos demais sindicatos ligados ao PT para combater as mudanças nas regras de concessão de benefícios trabalhistas e previdenciários, que considera nocivas aos trabalhadores.

A Força Sindical toca num ponto nevrálgico: o país vive expectativa de aumento de desemprego, de inflação e dos juros, e as novas medidas serão adotadas nesse novo ambiente econômico de crise.

O PSDB está disposto a ser oposição até mesmo a Joaquim Levy, que veio de suas hostes. O deputado Antonio Imbassahy já deu a direção ao dizer que as medidas representam o "neoliberalismo petista, que provocará desemprego e prejudicará os trabalhadores".

O próprio presidente do PSDB, senador Aécio Neves, soltou uma nota afirmando que a presidente "faz agora o impensável: coloca em prática as suas medidas impopulares, prejudicando aqueles que deveriam ser alvo da defesa intransigente do seu governo: os trabalhadores e os estudantes".

O embate será duro e incessante, e a presidente Dilma não parece estar equipada politicamente para enfrentá-lo.

José Nêumanne - Compromisso com a mediocridade

- O Estado de S. Paulo

Quando a presidente reeleita Dilma Rousseff anunciou o executivo da área financeira Joaquim Levy para o Ministério da Fazenda, a direita reagiu com espanto e a esquerda, com raiva. No entanto, ela apenas seguiu o figurino de seu primeiro governo, inspirado em seu antecessor, Luiz Inácio Lula da Silva. No caso específico, ela foi buscar o profissional para decepar os nós da economia a serem enfrentados no segundo governo em dois lugares confiáveis: o segundo escalão da assessoria do adversário tucano, Aécio Neves, e a indicação do banqueiro amigo Lázaro de Mello Brandão, chefe do segundo maior banco privado do País e velho aliado.

O chamado mercado ficou perplexo porque não contava com a astúcia de nossa figura "chapolinesca". Por falta de desconfiômetro e de sagacidade, os magnatas do negócio financeiro contavam com mais uma figurinha acadêmica carimbada do PT, nos moldes de Guido Mantega, o descartado, ou Aloizio Mercadante Oliva, a bola da vez na sinuca de madame. Ledo e "ivo" engano, dir-se-ia antigamente. Este escriba, precavido, não se surpreendeu por dois motivos: primeiramente, por ter aprendido a entender os atos da alta cúpula petralha no poder, sempre opostos à retórica da propaganda com a qual engana o eleitorado; e, em segundo lugar, por se lembrar de, em palestra no Conselho de Economia da Fiesp, o respeitado macroeconomista Octavio de Barros, vice-presidente do Bradesco, ter feito em priscas eras apaixonadíssimo discurso de louvação à gestão econômica do nosso padim Ciço do Agreste.

Surpreenderam-se os desatentos que não prestaram atenção nesses aparentes detalhes, que, na verdade, são essenciais. O filmete dos banqueiros tomando a comida do trabalhador para associar Neca Setubal, do Itaú, com a adversária Marina Silva era apenas uma patranha de marqueteiro. Como Napoleão espalhou a sábia lição de que "do traidor só se aproveita a traição", aviso dado antes de mandar fuzilar o alcaguete que lhe delatou as posições das tropas inimigas, Dilma sabe que se ganha o voto com a mentira do marketing político, mas se governa com quem conhece o caminho real das pedras. Pois então: avisou que ia convidar o presidente do banco amigo, Luiz Trabuco, e recebeu-o na companhia de seu Brandão, que vetou a solução, mas apresentou uma saída razoável na pessoa de Levy, ex-luminar da gestão lulista. O discurso do banqueiro rapace serve para levar os votos dos tolos. A boa gestão recomenda o uso da frieza dos dedos de tesoura disponíveis - a velha fábula de ganhar com a esquerda e guiar com a direita. Até porque, se não der certo, é só trocar. Não faltarão nomes no colete de seu Brandão.

Os futuros ministros do segundo governo que vêm sendo indicados também não foram inspirados nos discursos do palanque eletrônico, mas nas lições do mestre Maquiavel de Caetés. Que importa se a presidente da Confederação Nacional da Agricultura, Kátia Abreu, assumiu a defesa sub-reptícia de uma "ordem medieval do trabalho" (apud Miriam Leitão) ao recorrer ao Supremo Tribunal Federal contra a implementação de normas explícitas a serem obedecidas pelos proprietários rurais, acusando-as de "preconceito ideológico contra o capitalismo"? A futura ministra é uma direitista do peito, amarrada à chefe por laços de afeto e admiração mútuos, assim como a Graciosa da Petrobrás.

Antes de nomear os novos ministros, a presidente tentou transferir parte de sua responsabilidade para o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, pedindo acesso à delação premiada de Paulinho do Lula e de Beto Youssef para evitar nomear receptadores de propinas da roubalheira da Petrobrás. O ex-relator do mensalão, Joaquim Barbosa, chamou a iniciativa de "degradação institucional". O loquaz ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, confessou o absurdo, em vez de dar uma de João sem braço. Ficou claro que na nomeação de seu primeiro escalão a chefe do governo leva em conta apenas as notícias do dia, em vez de compulsar os prontuários de seus futuros auxiliares. O líder da minúscula bancada governista do PRB na Câmara, George Hilton, vai tomar conta do Ministério do Esporte durante a Olimpíada no Rio, mesmo já tendo sido flagrado pela polícia carregando R$ 600 mil em pacotes de dinheiro vivo num avião privado. Kátia Abreu, Eduardo Braga e Hélder Barbalho são réus na Justiça. Aldo Rebelo tem ficha limpa, mas isso não basta para, com as palavras de ordem pré-históricas do PCdoB, comandar a pasta de Ciência e Tecnologia. Deus nos acuda.

Cid Gomes foi escolhido para o Ministério da Educação, apesar de ter sido acusado de pagar com dinheiro público o aluguel de um avião particular para viajar com a família (a sogra inclusive) para a Europa. E de ter conquistado com mérito a fama de Mecenas do semiárido por pagar cachês altíssimos a cantores como Ivete Sangalo e Plácido Domingo. Não o recomenda ao cargo a acusação de ter reagido a uma manifestação de professores afirmando: "Quem quer dar aula faz isso por gosto, não por salário. Se quer ganhar dinheiro, deixa o ensino público e vai pro privado". Sua saída do Partido Socialista Brasileiro (PSB), traindo Eduardo Campos para ficar com a presidente, que obteve votação espetacular no Ceará, o recomendou para o cargo muito mais do que o trabalho pioneiro de seu secretário adjunto de Educação, Maurício Holanda Maia, mais adequado para o cargo.

A reunião de bons burgueses com antigos delinquentes e derrotados nas urnas e o "museu de novidades" (apud Josias de Souza) não bastarão, contudo, para definir com justiça a Esplanada dos Ministérios sob Dilma 2. Sua principal característica genérica é a mediocridade ampla, geral e irrestrita. A mediocridade tirânica, que não se basta, que tudo faz para se impor e governar, é a marca do governo que nos espera e do destino que nos fará engolir.

*José Nêumanne é jornalista, poeta e escritor

Luiz Carlos Azedo - Lembram da lojinha?

• Levy concorda com a tese de que a elevação do salário real muito acima do PIB, ou seja, maior do que o aumento de produtividade da economia, acaba por ser um dos fatores de inflação

- Correio Braziliense

A presidente Dilma Rousseff, quando nem sonhava em morar no Palácio da Alvorada, abriu uma lojinha de utilidades domésticas vendidas a R$ 1,99, mas o negócio não deu certo. Pois bem, parece que a vingança veio agora, no ajuste fiscal, que começou a ser anunciado na segunda-feira com a revisão das pensões e do seguro desemprego. Contra todas as expectativas, na antevéspera do ano-novo, Dilma resolveu tungar o salário mínimo, que deveria ser de R$ 790 e foi reduzido para R$ 788, em decreto publicado ontem.

Como diria o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, só quem vive do mínimo sabe o que uma dona de casa pode fazer com R$ 2 num fim de feira ou na lojinha de utilidades domésticas. Parece pouco, mas essa diferença vai impactar a economia em R$ 752,8 milhões em 2015. O Congresso Nacional estimava o valor do salário mínimo em R$ 790 para fixação do Orçamento de 2015, ainda não aprovado.

O piso é reajustado conforme o crescimento da economia de dois anos atrás, mais a variação da inflação deste ano, medida pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC), que ainda não está apurado. O governo usou uma estimativa. Ironicamente, a decisão simboliza a mudança de rumos na economia, com a entrada em cena do novo ministro da Fazenda, Joaquim Levy.

A política anterior era focada na expansão dos gastos públicos e na transferência de renda para as camadas mais pobres da população, via elevação do valor real do salário mínimo e programas sociais, como o Bolsa Família. Levy concorda com a tese de que a elevação do salário real muito acima do PIB, ou seja, maior do que o aumento de produtividade da economia, acaba por ser um dos fatores de inflação. Essa é a nova linha da política econômica.

Os jabutis
Mas vamos esquecer a lojinha de R$ 1,99 e tratar de outro assunto do momento: a montagem da equipe de governo. A nova fornada de ministros reforça a tese de que a presidente da República está mais preocupada com a blindagem do governo no Congresso do que com a implementação de políticas públicas. Segundo a velha tese de Vitorino Freire, um pernambucano que fez política no Maranhão, “jabuti não sobe em árvore”. Ele dizia que, ao se avistar um quelônio num galho, é melhor não mexer, porque pode ter sido mão de gente. O que não falta são jabutis no novo ministério.

Estão muito bem representados na Esplanada, por seus apadrinhados, o vice-presidente da República, Michel Temer (PMDB); o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL); o senador Jader Barbalho (PMDB-PA), uma espécie de vice-rei do Norte; o presidente do PP, senador Ciro Nogueira (PI); o ex-prefeito de São Paulo Paulo Maluf (PP), milagrosamente salvo de cassação numa controvertida decisão do Tribunal Superior Eleitoral; o líder da Igreja Universal do Reino de Deus, Bispo Edir Macedo; e o ex-deputado Valdemar Costa Neto, que, mesmo preso, continua dando as cartas no PR. Só o deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ) não foi contemplado na reforma, mesmo assim — sem que Dilma saiba —, deve ter aliados bem instalados em alguns ministérios.

Dilma fez, ainda, uma manobra de flanco para atazanar a oposição, fortalecendo aliados que foram derrotados nos estados com uma posição robusta na equipe de governo. Também está criando um polo de poder no PT, o que é uma espécie de ajuste de contas com a turma do “Volta, Lula”. Os petistas gaúchos nunca mandaram tanto no Palácio do Planalto. Entretanto, a 24 horas da posse, claudica para fechar a composição do ministério. Ontem, anunciou a volta de Juca Ferreira para a pasta da Cultura, frustrando os paulistas, que defendiam o nome do escritor Fernando Morais contra a volta do agitador cultural baiano. Pode ter sido um gesto de prudência, pois ele desestabilizou Ana de Hollanda e trabalhou contra a senadora Marta Suplicy (PT-SP), que ocuparam a pasta no governo Dilma. Faltam ainda 14 ministros.

Ano velho
Os presos da Operação Lava-Jato receberam ontem a última visita do ano de familiares na Superintendência da Polícia Federal em Curitiba. Seria hoje, mas foi antecipada. Os diretores de algumas das maiores empreiteiras do país, como a OAS, a Camargo Corrêa e a Mendes Júnior, foram impedidos de receber comidas especiais ou bebidas alcoólicas. O presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), ministro Francisco Falcão, negou ontem pedido de liberdade do lobista Fernando Antonio Falcão Soares, conhecido como Fernando Baiano, suposto operador do PMDB no esquema de corrupção na Petrobras.

Bernardo Mello Franco - A vaca tossiu

- Folha de S. Paulo

A promessa foi feita em alto e bom som pela candidata Dilma Rousseff: se reeleita, não permitiria a redução de direitos trabalhistas. "Nem que a vaca tussa", enfatizou, lançando um bordão que seria martelado na propaganda petista.

Corria o mês de setembro, e a presidente repetia que uma vitória de Marina Silva ou Aécio Neves custaria caro ao trabalhador. Sua reeleição, ao contrário, seria a garantia de que os benefícios previstos em lei não seriam tocados. "Tem coisas que eu não concordo, como mexer nos direitos do trabalhador, e não abro mão nem que a vaca tussa", afirmou.

O discurso foi endossado pelo presidente do PT, Rui Falcão. Ele recorreu à metáfora bovina para convocar militantes a ocupar portas de fábrica. "Flexibilizar significa retirar direito dos trabalhadores", disse. "Nem que a vaca tussa nós vamos mexer nos direitos trabalhistas."

A vaca tossiu antes de Dilma estrear o segundo mandato. A três dias da posse, ela escalou uma junta de ministros para anunciar os cortes que vêm por aí. O resumo é que a promessa de preservar direitos, assim como a de não aumentar a taxa de juros, só valeu para ganhar a eleição.

O pacote de malvadezas é duro com os trabalhadores mais pobres. Reduz o abono salarial, dado a empregados que ganham até dois salários mínimos, e limita os pagamentos de pensão por morte, seguro-desemprego e auxílio-doença. A tesoura atinge até os pescadores artesanais, que terão menos chances de receber o seguro-defeso nos períodos em que a pesca é proibida.

A explicação para as medidas é o rombo nas contas do governo. Dilma terminará o primeiro mandato com uma série de recordes negativos. O deficit de R$ 6,7 bilhões em novembro foi o pior da série iniciada em 1997. Não há dúvidas de que novos cortes podem ser necessários para estancar essa sangria. A questão é saber se a presidente tem direito de pedir aos eleitores que esqueçam tão rápido o que prometeu.

Elio Gaspari - As duas almas de Dilma e Lula

• A doutora não existe sem Nosso Guia, quando eles parecem afastados, há mais estratagema do que desencontro

- O Globo

Dilma Rousseff compôs dois ministérios. Um novo, na área econômica, cujo principal expoente foi recrutado na banca. Outro, velho, nas demais pastas. Novidade, só a emergência das principais facções petistas como se fossem partidos políticos. À primeira vista, a corrente majoritária que se denomina Construindo um Novo Brasil, CNB, perdeu espaço para a Democracia Socialista. Olhando-se de perto, isso quer dizer pouca coisa. Nem um grupo quer construir um novo Brasil, nem o outro sabe qual tipo de socialismo busca. Tanto é assim que o ex-deputado André Vargas, que se desligou do partido e teve o mandato cassado, ainda está listado na coordenação nacional da CNB. Esse seria o grupo de Lula. Já se chamou Articulação, rebatizou-se como Campo Majoritário e celebrizou-se por hospedar a maior parte da bancada dos condenados pelo mensalão. Doze anos de poder mostraram que essas facções operam no varejo. Às vezes, no balcão dos cargos. Em outro casos, no perigoso varejo das empresas amigas.

A partir de amanhã vai-se saber se a doutora efetivamente renunciou ao cargo de ministra da Fazenda. Se isso acontecer, a maior influência sobre o novo governo terá vindo de Lula. Foi ele quem primeiro soprou a ideia de se defenestrar Guido Mantega e novamente foi ele quem sugeriu a busca de um novo ministro na banca. De certa maneira, foi isso que aconteceu em 2003, quando o ministro Antonio Palocci buscou no mercado e no rigor fiscal os comandantes da economia petista.

O que vem por aí será um ano de apertos ou, como diria o prefeito Fernando Haddad, de “deslizamento” das promessas de campanha. Lula flertou com a ideia de substituir Dilma na disputa pela Presidência, mas nunca chegou a explicitar esse desejo. Limitou-se a estimular a onda. Quando estava no Planalto, fortalecia o ministro Palocci, mas dava voo livre ao vice-presidente José Alencar para criticar a política econômica de seu governo. Agora esse papel cairá no seu colo, ocupando um espaço onde a oposição tucana estará condenada ao silêncio, visto que a doutora capturou-lhe a agenda. Essa guinada funcionará enquanto Dilma Rousseff tiver sangue-frio para segurar maus indicadores econômicos e um inevitável desgaste das estatísticas do emprego. Durante seu primeiro mandato, Lula conseguiu essa proeza e viu-se favorecido por uma economia mundial benfazeja.

Dilma e Lula têm almas intercambiáveis. Ambos podem ser eles mesmos, mas também podem ser o outro. Nessa mistura não há indefinição, mas estratagema. Lula defende como pode a desgraça da Petrobras, Dilma promete faxina. Dilma cortará despesas, Lula culpará a elite de olhos azuis pelo que seria uma crise internacional. Não há Dilma sem Lula e até 2018 não haverá Lula sem Dilma. Eles não podem se aproximar a ponto de parecer que ela não governa, nem se distanciar a ponto de a doutora dispensar o carisma de Nosso Guia. No limite, criador e criatura só se separam em circunstâncias especiais. Itamar Franco e Fernando Henrique Cardoso afastaram-se, mas faltava ao primeiro uma base partidária que Lula tem. Ainda assim, FH jamais chegou ao ponto do rompimento, premiando seu antecessor com duas embaixadas.

As almas intercambiáveis permitem a Lula e Dilma serem ao mesmo tempo governo e oposição.

Elio Gaspari é jornalista

Roberto Freire e Maurício Huertas - Os zumbis de Safatle e o Juízo Final

- Folha de S. Paulo, Publicado na web em 30/12/2014

Ao debitar na conta de Dilma Rousseff a prova de que o PT é "atualmente desnecessário, já que foi simplesmente alijado da política econômica, assim como das políticas industrial e agrícola, limitando-se a ser um gestor das relações políticas do Estado e do sistema estatal de cooptação da sociedade civil", o filósofo Vladimir Safatle, em seu artigo "Esquerda zumbi (Ilustrada, 2/12), inicia um corajoso e preciso diagnóstico.

De fato, parece salutar rediscutir as instituições democráticas e os princípios republicanos à luz da história, sobretudo num momento em que há o enxovalhamento da esquerda como reação à tomada de assalto ao poder pelo petismo, com seus métodos deploráveis de aparelhamento do estado e até de práticas criminosas na gestão pública.

Ao caracterizar o governo federal e o PT como mortos-vivos apegados ao poder que vagam como zumbis, Safatle só se esqueceu de dizer, mesmo que de forma ligeira, que foi um quase cúmplice desse estelionato petista, por ter ajudado a reeleger Dilma e recentemente ter colaborado com a eleição do prefeito Fernando Haddad, antes de sinalizar este pretendido farol da esquerda.

Mas sejamos respeitosos: nunca é tarde para fazer autocrítica e reconhecer os erros. Por isso, saudamos a chegada de Safatle ao ponto do qual partimos em 2004.

Há dez anos, já apontávamos as contradições do governo petista, entre as quais a adoção exacerbada de políticas compensatórias de clara funcionalidade conservadora e a continuidade da política macroeconômica do governo FHC (1995-2002) sem fazer os avanços que prometera. Quando o governo Lula estava no auge da popularidade, sem que ninguém o contestasse, já pregávamos a correção de rumos.

Por mais que o artigo de Safatle seja válido pela crítica formulada, discordamos da afirmação que "a política a ser implementada (por Dilma) é dificilmente distinguível do que seria um governo tucano ou marinista". Errado. Tanto Marina quanto Aécio dariam à Presidência da República a credibilidade que falta a Dilma e ao PT.

A presidente não é ruim por se declarar de esquerda ou de direita, mas por ser má gestora e agir na contramão do que pregou durante a campanha. O PT não tem palavra, não tem programa, não tem projeto, salvo continuar no poder. E, para tanto, coloca em prática aquilo que o motivou à reeleição: "Vale fazer o diabo". Não é à toa que padeça no "Juízo Final" (não o bíblico, mas o que a Polícia Federal denominou como consequência de sua Operação Lava Jato).

Portanto, quando se trata da crise que em tese atinge partidos de origem socialista no mundo inteiro, parece impróprio compará-los à esquerda brasileira –e, mais grave, rotular o PT como o legítimo representante dessa esquerda, como faz Safatle, quando esse partido já abandonou há tempos os princípios originais que apresentava enquanto atuava na oposição.

Há, por outro lado, modelos de uma esquerda renovada que estariam surgindo na Espanha e na Grécia. São esses que vão nos guiar? Não creio. Se nos inspirarmos na Itália, tanto no aggiornamento da esquerda democrática quanto na Operação Mãos Limpas, talvez já seja um bom começo.

Precisamos superar a forma tradicional de fazer política e buscar a incorporação das novas forças sociais, hoje dispersas, em um amplo movimento reformista, impondo ao Estado uma pauta centrada no desenvolvimento econômico e ambientalmente sustentável, equânime na distribuição da riqueza, e aos partidos o papel de interlocutores destes movimentos e seus tradutores na linguagem das leis e das políticas públicas.

Roberto Freire é deputado federal por São Paulo e presidente nacional do PPS

Maurício Huertas é secretário de Comunicação do PPS-SP

Daniel Aarão Reis - ‘Claro que sí, podemos!’

• O programa apresentado pelos candidatos do Podemos tentou captar e canalizar demandas fortes na sociedade espanhola

- O Globo, publicado em 30/12/2014

Desde começos do ano apareceu na cena política espanhola uma alternativa, um novo ator coletivo, o partido Podemos.

Lançado em 16 de janeiro, num teatro de Madri, formado por educadores, professores e artistas, alguns com presença na mídia nacional, quase todos entre 30 e 40 anos, instituiu-se numa assembleia aberta, convocada pela internet, com o objetivo de disputar as eleições europeias, previstas para maio.

Os resultados surpreenderam os mais otimistas: numa campanha barata, com grande participação de militantes anônimos, sem contar com doações de empresas e sem prestar “consultorias” rentáveis, o Podemos registrou quase 8% dos votos, elegendo cinco deputados para o Parlamento Europeu, virando a quarta força política do país. Em algumas cidades e regiões, ultrapassou o patamar de 10% dos votos, tomando o terceiro lugar.

O programa político apresentado pelos candidatos do Podemos tentou captar e canalizar demandas fortes na sociedade espanhola, desde que explodiu a crise econômica de 2008: revigoramento dos sistemas públicos de saúde e de educação; políticas de reindustrialização; incentivos à construção civil para as pessoas de baixa renda; reajustes salariais, revertendo a curva declinante das remunerações dos trabalhadores.

A preocupação em defender a sociedade exprimiu-se na fórmula: “Toda a riqueza do país, nas suas diferentes formas, e seja qual for a sua titularidade, está subordinada ao interesse geral.” Trata-se, a rigor, de um princípio inserido na Constituição espanhola e foi curioso observar como um princípio constitucional podia transformar-se numa proposta com ares de subversiva. Ou subversivos estariam sendo os governantes, mais preocupados em cuidar dos bancos e das grandes empresas do que do bem-estar e da felicidade das pessoas?

Havia, em outros aspectos, ousadas ideias: impedir restrições à lei sobre a interrupção voluntária da gravidez; retirar a Espanha da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan); revogar a Lei sobre os Estrangeiros; respeitar a liberdade da Catalunha — ou outras regiões do país — de decidir o próprio destino.

O sucesso tornou populares os líderes e as propostas do Podemos. Entre maio e julho, o partido multiplicou por seis seus apoios nas redes sociais, de cem mil para 600 mil. Neste último mês, pesquisas do Centro de Pesquisas Sociológicas (CIS) apontavam o Podemos como segunda força política, superando o tradicional representante da social democracia, o Partido Socialista Espanhol (PSOE), e a apenas um ponto do Partido Popular (PP), de direita, que preside o atual governo.

As inscrições abertas pela internet explodiram, passando, em três meses, de julho a outubro, de 32 mil para mais de 200 mil filiados. Ao mesmo tempo, entrevistas de lideranças do Podemos em programas de televisão registravam recordes de audiência.

Outras pesquisas, publicadas no início de novembro, situaram o novo partido como principal força política eleitoral, à frente do PP e do PSOE. Entretanto, considerando-se as próximas eleições gerais, de novembro do próximo ano, observaram-se ainda oscilações, mas por diferenças mínimas, entre os principais partidos.

Em virtude da importância política adquirida, o Podemos transformou-se rapidamente em alvo de restrições, agravos e denúncias.

Os mais indulgentes chamam seus líderes de “ingênuos”, e suas propostas, de “irrealistas.” Num registro mais severo, são acusados de “irresponsáveis” e de “populistas”, destacando-se a “perigosa” aproximação com a experiência em curso na Venezuela e na Bolívia, e as “inaceitáveis” evocações de V. Lênin nas intervenções de Pablo Iglesias Turrión, um dos recém-eleitos eurodeputados e principal liderança política e midiática do partido.

O Podemos experimenta um momento de euforia, comum em experiências inovadoras, que surgem com alto índice de entusiasmo. Com uma organização democrática, embora sujeita a questionamentos, acionando as redes sociais e se beneficiando de seu potencial “horizontalizador”, terá pela frente desafios que já fizeram naufragar aventuras semelhantes: combinar demandas sociais com o jogo político-partidário institucional. As disputas eleitorais com a mudança social.

As repetidas manifestações de rua (os “indignados”), mesmo muito amplas, mas sem participação no jogo institucional, propondo o voto nulo ou a abstenção, contribuíram, involuntariamente, para ascenso da direita ao poder político. Já a concentração exclusiva nas disputas institucionais — o cretinismo parlamentar — levou ao abandono da perspectiva de mudança. Foi o caso do PSOE, que se tornou um mero gestor da crise sistêmica do capitalismo em detrimento dos interesses das maiorias.

Trata-se de “converter a indignação social em mudança política”. O Podemos terá êxito? “Claro que sí, podemos”, responde Iglesias. Coragem e esperança, um belo presente de Natal para os espanhóis.

Daniel Aarão Reis é professor de História Contemporânea da UFF

Míriam Leitão - O debate perdido

- O Globo

Este foi o ano do debate perdido. A economia piorou um pouco a cada dia, as previsões de crescimento murcharam, e as mais pessimistas projeções de déficit fiscal foram suplantadas pela realidade. Por ser época de eleições, 2014 poderia ter sido a oportunidade de discutir os rumos do país, olhar os erros e gargalos com sinceridade e se comprometer com as correções.

Foi impossível conversar a sério sobre os vários dilemas. Como reduzir gastos? Por que o país não cresce? O que está errado na política econômica? De que forma combater a inflação? Como aumentar a poupança e o investimento? Com que armas proteger o país da corrupção?

O governo impediu que o debate ocorresse. Foi dele, a culpa. A oposição tentou de diversas formas. A campanha para a reeleição da presidente Dilma será lembrada como uma violenta estratégia de desqualificar adversários, ideias e programas. E de dissimular a verdade.

Todos os candidatos treinam com seus marqueteiros. É do jogo. Mas a campanha oficial levou as respostas pré-fabricadas a extremos. A presidente negou veementemente os fatos que estavam diante de todos. Algumas agências governamentais aceitaram adiar más notícias.

Perdemos o melhor ano para discutir novos avanços. A vitória do governo não foi ruim, mas sim a vitória construída em cima de mentiras. A inflação está alta demais; o crescimento não tem força; por mais que o BNDES empreste, o investimento não aumenta; o país está perdendo mercados para suas exportações; a maior empresa do país está mergulhada na mais assustadora crise da sua história.

Será demorado tirar a Petrobras da zona de turbulência e ela tem um efeito multiplicador na economia. A empresa está cercada de perigos: as nebulosas transações feitas por alguns dos seus diretores e gerentes, as dúvidas dos investidores, o risco do rebaixamento, o endividamento muito alto, a queda do preço do petróleo.

Na gestão da água, os governos erraram. Ano de seca grave no Nordeste e Sudeste. Erros foram cometidos pelo governo de São Paulo que, também por razões eleitorais, deixou de tomar as medidas sensatas que o momento exigia. Preferiu ir buscando água cada vez mais fundo, em vez de assumir o racionamento.

Os reservatórios das hidrelétricas baixaram durante todo o ano, e o governo preferiu também adiar as medidas necessárias de racionamento. Se adotado em tempo, menor risco haveria no futuro. Chega-se ao fim do ano com menos água em reservatórios do que no ano do apagão. Se houvesse indução à redução do consumo, haveria menos necessidade de uso das térmicas e, portanto, menor seria a conta a ser paga pelos consumidores em 2015.

O mundo está instável e com um crescimento desigual. Estados Unidos em recuperação forte, e a Europa, sofrendo os efeitos das punições que ela mesma aplicou ao governo da Rússia. Moscou, por sua vez, continuou na sua aventura bélica que lhe custou a desordem em que está neste momento, com recessão, inflação, desabastecimento e fuga de capitais. Nossos vizinhos maiores da América do Sul aprofundaram seus erros e receberam uma conta amarga. Rússia, Argentina e Venezuela provaram que, em economia, aqui se faz, aqui se paga. Não foi o pior ano da crise que começou em 2008 e não explica a nossa conjuntura. Perdeu-se a chance de discutir que tipo de relação queremos ter com o mundo.

Na democracia, o debate direto que permite correção dos erros e novos avanços deveria ser a regra em eleições. Não foi possível, desta vez, mas recomeçar sempre dá esperança. Por isso, Feliz Ano Novo para todos nós.

Vinicius Torres Freire - Petrobras e tumulto político em 2015

• Início de ano será ainda mais difícil se governo não contiver incêndio ora sem controle na empresa

- Folha de S. Paulo

A calamidade da Petrobras parece menor neste final de ano. Mas, mesmo nestes dias de trégua da vida dura, para alguns, a petroleira continua a sangrar. Janeiro tampouco será de férias para o crédito da empresa. A crise logo voltará a ferver, no mercado e talvez também em tribunais. Para fevereiro, está marcado ainda o início do tumulto político do Petrolão, com a provável acusação formal de parlamentares, ex-governadores e ex-ministros.

Não faltarão crises para Dilma Rousseff 2 administrar logo nos seus cem primeiros dias.

Pode haver mau humor popular com a batelada de aumentos de preços e impostos. Há desprezo entre amargo e cínico em relação ao ministério de Dilma 2, da esquerda à direita, mas trata-se por ora de um nojo de elite. O tempo pode ficar nublado mesmo devido à conjunção de medidas econômicas antipáticas com inflação a 7% e o sentimento de que a estagnação econômica chegou às ruas.

Há o risco de que se descubram rolos de ministros recém-nomeados, pois a presidente deu muita chance para esse azar, como diz o povo. Haverá um Congresso liderado por gente hostil, pressionado por movimentos sociais insatisfeitos com a nova política econômica. Há mesmo o risco, ainda remoto, de que voltem às ruas protestos contra o aumento de ônibus e trem.

Como se dizia, é possível administrar tais crises. Não vai ser fácil, até porque o governo terá de apagar incêndios que ele mesmo tocou. Conviria prestar especial atenção à Petrobras, pois esse fogo está fora de controle e se espraia em direção ao crédito do país e aos investimentos.

Nesta virada de ano, firmas de advocacia e investidores abutres lá de fora preparam-se para bicar o corpo doente da Petrobras. Farão o possível para atazanar, ameaçar e enfraquecer ainda mais a empresa, a fim de tirar vantagens. A petroleira está desmoralizada na finança mundial.

Gente que entende do riscado sabe do efeito dessas calamidades no crédito das demais empresas e nos investimentos em infraestrutura. Mesmo a Petrobras acaba de barrar negócios com 23 empresas, tidas provisoriamente como inidôneas. Por mais que a expressão "calote de Petrobras" seja por ora grito de piratas, o berro vai contribuir para a confusão: relutância em investir no Brasil, em emprestar para o país a preço bom, em tocar obras aqui dentro, dada a falta de perspectiva do que será desses investimentos.

Na noite de segunda-feira, dado o rumor de ataque de piratas e abutres, a Petrobras soltou uma nota em que prometia publicar um balanço até o fim de janeiro, cortar gastos a fundo, reduzir investimentos, cobrar dívidas, aumentar preços e fazer o diabo a fim de não precisar ir ao mercado pedir dinheiro emprestado (na mesma nota, fazia projeções otimistas para o preço do dólar e o do barril de petróleo, o que é preocupante).

É pouco e tarde demais. A Petrobras precisa de um plano assemelhado ao que vem sendo prometido pelos novos ministros para a política econômica. Trata-se não apenas de salvar o patrimônio público e de, talvez, evitar que o Tesouro Nacional tenha de cobrir rombos na empresa mas também de conter um tumulto que pode agravar os problemas políticos de 2015, que não serão poucos.

Celso Ming - O Brasil de Mantega

• Mantega parece não ter tomado conhecimento do rombo orçamentário deste ano nem da ameaça real de rebaixamento da qualidade da dívida do Tesouro pelas agências de avaliação de risco

- O Estado de S. Paulo

O ministro da Fazenda, Guido Mantega, divulgou nesta terça-feira uma espécie de testamento de 140 páginas, com textos e gráficos multicoloridos, em defesa da excelência da política econômica dos últimos oito anos, período em que permaneceu no comando do Ministério da Fazenda do Brasil.

O que está lá conta maravilhas. Logo de cara aparece uma espécie de roda mágica que aponta oito anos com tudo de bom, desde crescimento econômico e queda no desemprego até inflação sob controle, redução da dívida pública, administração perfeita das contas públicas e redução das desigualdades – como se não fosse necessária a atual virada da política econômica.

Quem leu a entrevista do futuro ministro da Fazenda, Joaquim Levy, publicada no jornal Valor Econômico da última segunda-feira, na qual também transparece um diagnóstico da economia, se impressiona com como esses dois mundos, o de Mantega e o de Levy, não guardam nenhuma relação entre si. Para Mantega, o País está no caminho inexorável do crescimento sustentado; para Levy, será necessário um sério ajuste para que não sobrevenha o descarrilhamento.

Mantega parece não ter tomado conhecimento do rombo orçamentário deste ano nem da ameaça real de rebaixamento da qualidade da dívida do Tesouro pelas agências de avaliação de risco. Assegura que os fundamentos da política fiscal exibem solidez; Levy diz o contrário, fala da franca deterioração das contas públicas que exigem “reorientação fiscal, que deixa de ser uma simples opção para ser necessidade”.

Mantega continua recitando seus mantras prediletos. No documento divulgado nesta terça-feira reafirma que os programas de expansão monetária das economias avançadas (na verdade, apenas dos Estados Unidos e do Japão – e não da área do euro nem da Grã-Bretanha) provocaram a guerra cambial que ameaçou afundar a indústria brasileira.

Também avisa que um dos principais fatores responsáveis pelo baixo crescimento econômico dos últimos quatro anos se deve à crise global.

E se queixa, como outras vezes se queixou, “das mais severas secas da história recente”. No entanto, e isso não é pinçado pela análise de Mantega, apesar da severidade da seca, o agronegócio, que em princípio deveria ter sido castigado pela estiagem, apresentou excelente desempenho. Cresceu 30% nos últimos quatro anos, consideradas aí as estatísticas de produção do IBGE.

Mantega tece louvações à política anticíclica adotada desde 2009, a que também denomina nova matriz macroeconômica. Para enaltecer seus resultados trabalha com as médias estatísticas de períodos que em geral começam em 2006 e, assim, abrangem também os tempos de bonança da economia global e dos picos históricos dos termos de troca.

No entanto, os resultados recentes dessa política anticíclica são decepcionantes quando se considera a evolução das contas públicas, do crescimento econômico, da inflação e das contas externas. Não fosse isso, a presidente Dilma não teria se dado ao trabalho de mudar a equipe e sua filosofia de trabalho. Se é para produzir arrumação e ajuste é porque as coisas estão desarrumadas e desajustadas. Mas vai que o ministro Mantega não concorda com isso.