Por Murillo Camarotto - Valor Econômico
BRASÍLIA - "Quem está no poder há 12 anos não aceita contestações." É este o diagnóstico do ministro Augusto Nardes para o clima beligerante criado em torno do julgamento das contas da presidente Dilma Rousseff pelo Tribunal de Contas da União (TCU). Relator do processo - que deve ir ao plenário em até 30 dias -, Nardes prevê um aprofundamento da crise política e econômica, diz que um eventual impeachment é problema do Congresso e garante: "O TCU fará história".
Após atender a três pedidos de extensão de prazo para a defesa do governo no tribunal, Nardes está em vias de agendar a data do julgamento. A Secretaria de Macroavaliação Governamental (Semag), área técnica do TCU responsável pela análise dos argumentos do governo, já entregou seu parecer ao gabinete do ministro. O relator e sua equipe devem começar a elaborar nesta semana o voto que será levado para deliberação do plenário. A expectativa é de que o julgamento ocorra em 14 ou 21 de outubro.
Nardes completou no domingo dez anos de TCU. Ele garante que 2015 é, de longe, seu ano mais duro no tribunal e um dos mais difíceis de sua vida. A possibilidade de que uma rejeição inédita nas contas do governo desencadeie um processo de impeachment da presidente da República colocou o TCU no centro do debate político, expondo os ministros à toda sorte de pressões. Pressões que recentemente se transformaram em ameaças, levando Nardes a pedir reforço em sua segurança pessoal.
As cobranças estão, de fato, por todos os lados. Já há algumas semanas, cartazes instalados em frente à rampa de acesso ao prédio principal do TCU exigem "um julgamento técnico" das contas de Dilma. Vários ministros relatam apelos vindos nas ruas, especialmente de gente que quer ver o tribunal reprovar as contas do governo federal.
Nardes esclarece, contudo, que a maioria das ameaças contra ele partiu de simpatizantes do Palácio do Planalto. Vários telefonemas "mal-educados" foram interceptados por sua secretária, Constança, a quem o ministro terceiriza a contabilidade dos ataques. Ele garante não ter nada contra o governo e "absolutamente nada" contra a presidente Dilma. "Apenas estou constatando os números. É um trabalho técnico", reitera ao Valor.
"Em 80 anos, é a primeira vez que se faz o contraditório. Isso muda a história. O tribunal sai muito maior do que antes", analisa o ministro, antes de dizer que a sociedade foi "a maior prejudicada" pelos 12 anos em que o Congresso Nacional deixou de julgar as contas do governo. Apesar de o TCU ser o responsável legal pela avaliação das demonstrações contábeis do presidente da República, cabe aos deputados e senadores aprovar ou rejeitar os números apresentados.
"O TCU já havia alertado sobre a Petrobras, sobre o BNDES, entre outras coisas. O tribunal cumpre sua parte ao dizer que era necessária uma mudança de postura. O país tem que aproveitar este momento pra dar uma virada. Não no sentido de tirar a presidente - impeachment não cabe a mim avaliar, mas ao Congresso. O que posso garantir é que vou fazer o voto mais equilibrado possível", diz o relator.
Ex-deputado federal pelo PP do Rio Grande do Sul, Nardes vê com preocupação a atual crise política e econômica. Na sua avaliação, ainda há espaço para deterioração no cenário, especialmente dos indicadores econômicos. "A situação do país é muito grave. Há dez Estados em pré-falência", ele exemplifica.
O nome de Augusto Nardes foi citado recentemente em uma investigação da Polícia Federal sobre o esquema de compra de sentenças no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), órgão vinculado ao Ministério da Fazenda. Além de negar qualquer envolvimento com o caso, o ministro não descarta a possibilidade de que o episódio tenha servido como espécie de intimidação para o julgamento das contas do governo pelo TCU. Ele diz ter conhecimento de que blogueiros alinhados com o governo fizeram recentemente um levantamento da ficha do secretário titular da Semag, Leonardo Albernaz, possivelmente com o intuito de influenciar o processo.
Em meio a rumores de que o governo já teria dado como perdida a batalha no TCU, Nardes se reuniu anteontem com o ministro da Advocacia-Geral da União (AGU), Luís Inácio Adams. Antes deste encontro, Adams apresentou ao presidente do tribunal, Aroldo Cedraz, um conjunto de propostas de institucionalização do fluxo de desembolsos do Tesouro Nacional. A ideia é evitar que as "pedaladas fiscais" - principais vilãs das contas de Dilma - voltem a ser questionadas pelo TCU. Entre as sugestões está a criação de travas para o pagamento de benefícios por parte dos bancos públicos.
A avaliação geral dos ministros é de que o julgamento das contas gerou exposição e politização exageradas e indesejadas no TCU. Por esse motivo, estão sendo preparadas algumas propostas de mudanças no processo de avaliação das contas para os próximos anos. Uma das sugestões de Nardes estabelece um acompanhamento das contas do governo durante todo o ano, e não mais em um período específico. Por sorteio, ficou definido que o próximo relator das contas do governo federal será o ministro José Múcio Monteiro.
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