O real se desvaloriza rapidamente, ultrapassou a barreira dos R$ 4 e ensaia novas altas, movido quase que por completo por expectativas negativas. Este é um preço que o país ainda paga pelo rebaixamento de sua nota de crédito pela Standard & Poor's, que levou os mercados financeiros a apostarem agora que haverá em breve novo rebaixamento por uma de duas outras empresas de rating, a Fitch ou a Moody's. A moeda brasileira entrou no terreno do 'overshooting' em meio a duas crises que interagem. A fraqueza política do governo o impede de convencer o Congresso a aprovar um plano de ajuste econômico e, sem ele, não apenas a economia não encontra um ponto de apoio como o Executivo se debilita ainda mais. Ontem, o Banco Central interveio várias vezes no mercado para conter um novo salto do dólar.
A disparada do dólar é sui generis, pelo passado recente. Não há fuga de capitais - o saldo cambial até agosto é positivo em US$ 11,27 bilhões e em setembro continua positivo. O déficit em transações correntes está caindo e não subindo (3,71% do PIB), e será inteiramente financiado por investimentos externos.
As reservas internacionais do país são dez vezes maiores do que as existentes em 1999 e 2002, quando existia uma real vulnerabilidade externa. Hoje, estão em US$ 374 bilhões, ante US$ 36,3 bilhões quando o governo Fernando Henrique foi obrigado a acabar com o câmbio fixo, e aos US$ 37,8 bilhões da véspera de posse de Luiz Inácio Lula da Silva na Presidência. Além disso, o Brasil se mantém credor líquido em US$ 43 bilhões (agosto).
Com o aumento do endividamento por parte das empresas, os fluxos de pagamento poderiam indicar rápida deterioração. Não é o caso. A dívida de curto prazo do setor privado (bancário e não bancário) é de US$ 33 bilhões, com US$ 21 bilhões vencendo até dezembro. Há pagamento dos débitos de longo prazo, mas os empréstimos diretos estão com taxa de rolagem de 112% (agosto) e as demais dívidas que vencem em prazo superior a um ano têm renovação de 53%.
Há a diferença do câmbio flutuante, uma linha de defesa que está atuando para estancar a saída de recursos, ao cobrar um preço cada vez mais alto de quem quer se desvencilhar rapidamente de aplicações no país. Ainda assim, o real se desvalorizou 12,5% no mês, 35,8% no ano até ontem e 41,9% em doze meses.
Um mínimo de ordem na política econômica seria suficiente para interromper o surto cambial. A desarrumação fiscal, porém, mina a eficácia das demais políticas, além de colocar o Banco Central em uma enrascada. O BC manteve de mais de US$ 100 bilhões em swaps cambiais e agora não pode mais se desvencilhar deles. Com os investidores com a atenção voltada para o mau estado das contas públicas, esses swaps do BC e ampliaram o déficit e aumentaram as despesas com juros em 1% do PIB.
A forte desvalorização do real já incorrida e sua manutenção ao longo do tempo, por outro lado, impedirão que a inflação caia para perto de 4,5% em 2016. O BC dificilmente apostará de novo na alta dos juros porque eles já estão muito altos e porque a economia está em recessão. Poderá manter a taxa de 14,25% por mais tempo do que o previsto, com o inconveniente de alongar também o calendário da recuperação econômica.
Ironicamente, a emissão de dívida em reais, que em tese deveria reduzir riscos externos e a volatilidade da moeda, perdeu esse poder. Os credores consideram que o risco de calote cresceu para os compromissos externos porque basicamente a dívida em reais parece descontrolada - como se o real fosse uma moeda conversível ou a parcela dos débitos domésticos em mãos de investidores fosse elevada (não é, beira 20%).
A solução é tão fácil de esboçar quanto difícil de executar - aprovar um ajuste sério. O governo foi leniente e atuou de má vontade para combater o déficit fiscal. O Congresso fez sua parte e agora deixou o exame da bomba do reajuste do Judiciário para depois. Não há uma ação decisiva capaz de gradualmente romper o círculo vicioso da crise econômica. Mesmo a vitória do Planalto nas votações dos vetos no Congresso tiveram pouco peso. O dólar tende a continuar avançando porque os investidores já estão apostando que não haverá solução para as duas crises e que ambas se deteriorarão. Haverá alguma trégua técnica mais à frente, não se sabe quando, porque as apostas contra o real ficarão arriscadas demais se a moeda continuar se desvalorizando.
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