Por Antonio Perez - Valor Econômico
SÃO PAULO - A manutenção parcial dos vetos da presidente Dilma Rousseff a medidas de aumento de gastos está longe de sugerir que o governo pode retomar o controle do Congresso, aprovar o novo pacote fiscal e afastar de vez o risco do impeachment, dizem analistas ouvidos pelo Valor. E, sem um sinal mais forte de que há uma base mínima de apoio parlamentar para sustentar a presidente e pôr as contas públicas em ordem, não há como conter a alta do dólar e dos prêmios de risco. A crise política deve continuar a dar as cartas na formação dos preços dos ativos.
Para o cientista político Rafael Cortez, responsável por análises da conjuntura política na Tendências Consultoria, a manutenção dos vetos foi "menos uma vitória do governo e mais um sinal da percepção da elite política de que não dava mais para esticar a corda" no campo fiscal. Daí para a construção de um arranjo político que desanuvie o ambiente econômico há uma grande distância.
"A base parlamentar para a implementação do ajuste ainda não foi construída. E nem será enquanto não for definida a questão do impeachment", afirma Cortez, ressaltando ser "pouco provável" que, sob o risco de perda de mandato, Dilma consiga obter um "apoio substantivo no Congresso".
Segundo o analista da Tendências, no curto prazo, a presidente pode usar a reforma ministerial para "reforçar o caráter de coalizão de sua administração", diminuindo o espaço do PT no Planalto para granjear apoio no Congresso e construir uma barreira contra o impeachment. Afastada a hipótese de interrupção do mandato presidencial, o governo arregaçaria as mangas para construir, enfim, uma base aliada que permitisse tocar um programa de reformas.
Por ora, diz Cortez, o arranjo político atual está muito aquém do necessário para os desafios impostos pela mudança no cenário econômico. "O Brasil precisa fazer a transição de um modelo de crescimento ancorado no consumo para um modelo baseado no investimento. E isso depende do nível de confiança dos agentes, que é hoje muito baixo", afirma o analista da Tendências.
Para o economista-chefe da consultoria MB Associados, Sérgio Vale, a crise política é hoje a principal variável na formação das expectativas econômicas. A manutenção dos vetos da 'pauta-bomba' foi positiva, avalia o economia, ao mostrar que o Congresso Nacional se deu conta do risco de medidas de aumento de gastos para o país. Ele vê até como provável que o governo consiga manter o veto ao reajuste do Judiciário, desarmando mais uma 'bomba-fiscal'. Evitar o pior, contudo, é muito pouco diante das "reformas profundas" que seriam necessárias para corrigir o desequilíbrio das contas públicas.
"O governo não percebeu que são necessárias medidas mais fortes. Esse é o sinal que o mercado gostaria de ver", diz Vale, ressaltando que a presidente "não governa mais" e o Congresso não tem "uma pauta que consiga andar nas duas Casas".
Em tal ambiente, a tendência é que o real continue a cair em relação ao dólar, aumentando as chances de piora do quadro recessivo neste ano e no próximo. Pior: se nada mudar, há o risco de que a recessão se prolongue para além de 2016, alerta o economista-chefe da MB. "Enquanto a solução política não aparecer, é esse cenário de piora da economia estará presente", afirma.
Na visão da chefe de estratégia para a América Latina do banco de investimento Jefferies, Siobhan Morden, o Brasil vive uma mistura de crise política com baixo crescimento econômico. Em relatório enviado ontem a clientes, Siobhan afirma que a "intensa pressão do mercado" levou o Congresso a manter os vetos da presidente Dilma Roussef e evitar uma deterioração ainda maior da crise de confiança que abala o país.
Embora esse "incipiente apoio parlamentar" à austeridade seja "encorajador", a analista destaca que permanece no mercado o "ceticismo" em torno da possibilidade de o Congresso apoiar o ajuste fiscal, sobretudo em meio à recessão econômica e aos escândalos políticos na esteira dos casos de corrupção na Petrobras. "O mercado local está em queda livre. A única solução depende do comprometimento político com o ajuste fiscal", afirma Siobhan, em relatório sob o título "Brasil, crise de confiança".
Para a analista, um aprofundamento da 'estagflação' pode aumentar as chances do impeachment da presidente Dilma. Por ora, ela vê certa relutância dos partidos de oposição de avançar com a agenda do impeachment dado o receio de herdar os problemas econômicos e criar uma crise constitucional. "Enquanto isso, os ativos brasileiros devem seguir sob pressão da crise de confiança e há o risco de que o estresse do lado financeiro aprofunde a estagflação", afirma.
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