domingo, 4 de outubro de 2009

Lula e PT - antes e depois

Suely Caldas
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO


Quando Lula foi eleito em 2002, muitos dos que nele não votaram passaram a considerar positiva sua vitória. Argumentavam ser útil para a evolução da democracia o PT e seu maior líder passarem pela prova de fogo de governar o País. Na época o PT tinha 18 anos de vida e 18 anos de oposição a todos os governos no plano federal. Uma oposição implacável, destruidora e por vezes irresponsável, que na gestão FHC impediu a aprovação de reformas fundamentais para o progresso do País e que fez falta quando eles assumiram o poder, em 2003.

Até então o PT se apresentava (e assim era visto pela população) como o único partido honrado, ético, honesto, virtuoso e bem-intencionado, o único capaz de distribuir a renda do País e melhorar a vida dos pobres. Todos os outros partidos eram desonestos, aproveitadores e não confiáveis.

O contraste entre esse pretenso virtuosismo e a realidade que o governo do PT apresentou em seis anos e nove meses de gestão decepcionou os brasileiros, principalmente os que nele acreditavam. Do caso Waldomiro Diniz, passando pelo mensalão, até a recente recomendação do Tribunal de Contas da União (TCU) de suspender 41 obras do governo federal - 13 delas do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), gerenciado pela ministra Dilma Rousseff - por suspeita de fraudes e corrupção, o legado que Lula e os partidos que a ele se aliaram deixarão é devastador para a construção da democracia e um péssimo exemplo para os jovens estreantes e também os veteranos na carreira pública.

Nos últimos dias Lula e os ministros Dilma Rousseff e Paulo Bernardo (Planejamento) espinafraram e responsabilizaram o TCU por atraso em obras públicas e até por um absurdo e hipotético adiamento da Copa do Mundo no Brasil para 2020, avocado com ironia pelo ministro Paulo Bernardo.

O TCU apenas cumpre sua função de fiscalizar a aplicação do dinheiro público e propor ao Congresso a suspensão de obras que reiteradamente foram objeto de advertências, sem resultados. Para isso foi criado e é sua única razão de existir. Ruim seria se deixasse correr frouxo obras que devoram o dinheiro público se sabe lá para o bolso de quem.

E o governo, o que fez? Pelo visto, nada. Preocupados em mirar suas armas contra o TCU, os ministros não apresentaram ao País nenhuma explicação sobre eventuais investigações ou punição de fraudes, superfaturamento e desvios de dinheiro nas 41 obras, que somam R$ 35,4 bilhões de investimentos. Afinal, ninguém melhor do que o governo para fazê-lo, já que conhece os gerentes públicos e as empresas contratadas para executar as obras. A Refinaria Abreu Lima, no Recife, por exemplo, teve seu orçamento inicial de R$ 4,2 bilhões triplicado, e as explicações da Petrobrás não convenceram os conselheiros do TCU. De fato, é razoável acrescentar ao orçamento alguns gastos não previstos e de uso comprovado, mas triplicar o valor da obra é grave, é preciso explicar as razões publicamente. A população tem o direito de ser informada e fazer seu julgamento.

Quando se trata de corrupção, o governo Lula costuma inverter os papéis. A culpa é de quem investiga, nunca do suspeito. Com exceção do mensalão, que recebeu um relatório competente do ministro do Supremo Tribunal Federal Joaquim Barbosa, todos os demais casos de corrupção do governo Lula não tiveram uma única punição, ninguém foi condenado ou preso. Waldomiro Diniz, o mais veterano deles, descoberto há seis anos, continua impune - como os aloprados, os vampiros, os dólares na cueca e tantos outros. Alguns mensaleiros, como os petistas José Genoino e João Paulo Cunha, até voltaram à Câmara dos Deputados.

Carinho, tolerância, camaradagem e compreensão é o que eles recebem do presidente Lula, que só não os perdoa porque neles não vê nenhuma prática criminosa com o dinheiro público. Mas fica brabo com quem pede apuração e punição aos corruptos.

Esse é o legado político mais nocivo da era Lula. Ao banalizar a prática da corrupção, justificar o loteamento político do Estado como necessário à governabilidade, ampliar funções públicas para distribuí-las entre os partidos aliados, considerar natural esses partidos avançarem sobre o dinheiro público, desculpar e acobertar corruptos, o governo Lula alimenta (em vez de trabalhar para suprimir) a ideia comum no serviço público: "Ora, se eu não fizer, outros farão, portanto vou me dar é bem, pois ninguém é punido mesmo."

Essa espécie de sentença às avessas algumas vezes atormenta, em outras gera dúvidas em funcionários de carreira conscientes do ofício de bem servir à população e é extremamente perigosa para os jovens em formação que ingressam no serviço público em meio a um cenário de permissividade e tolerância, em que o presidente e seus ministros criticam quem cumpre a função de fiscalizar, detectar fraudes e suspender obras superfaturadas e deixam correr frouxo o comportamento suspeito de servidores.

Já no primeiro dia do primeiro mandato Lula sinalizou o que queria fazer do Estado: ampliou de 26 para 36 o número de ministérios. Quase sete anos depois, de tão inexpressivos e inúteis, alguns deles nada têm a contar à população que deveriam servir, mas transformaram-se em estruturas burocráticas caras e povoadas de apadrinhados. Casos dos Ministérios da Pesca, da Igualdade Racial e da Política para as Mulheres. O leitor tem ideia do que fazem? São necessários? É claro que não. São atividades perfeitamente cabíveis em outros ministérios, dispensando acréscimo inútil de despesas pagas pelos contribuintes de impostos.

Afinal, é para acomodar apadrinhados do PT e dos partidos aliados que o governo Lula quer ampliar o Estado? Essa combinação só consegue criar um Estado caro para os brasileiros e fraco na prestação de serviços à sociedade. O que o País precisa é de um Estado menos perdulário e forte, focado na prestação de serviços de educação, saúde, habitação, transporte e de ministérios operacionais voltados para o desenvolvimento.

Acertaram os não eleitores de Lula ao argumentar que a democracia brasileira precisava que ele e o PT passassem pela prova de fogo de governar o País?

Certamente não. Lula não calou a imprensa, como fez seu amigo Hugo Chávez, mas a democracia e suas instituições sairão enfraquecidas deste governo.

*Suely Caldas, jornalista, é professora de Comunicação da PUC-Rio

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