• Escultor e pintor pernambucano criou Movimento de Cultura Popular
Angela Lacerda - O Estado de S. Paulo /Caderno 2 , 24/9/214
RECIFE - Idealizador do Movimento de Cultura Popular (MCP) e do Ateliê Coletivo, o escultor, ceramista, desenhista, pintor e militante político de esquerda Abelardo da Hora morreu na manhã desta terça-feira, aos 90 anos, no Hospital Memorial São José, no Recife, onde estava internado há mais de um mês, em decorrência de problemas respiratórios. Seu corpo, velado na Assembleia Legislativa, será enterrado hoje, às 11 horas, no cemitério de Santo Amaro, no Recife.
O governador João Lyra Neto (PSB) decretou luto oficial de três dias. “Um artista politicamente combativo e fortemente defensor do povo”, afirmou Lyra, em nota.
Abelardo da Hora deixou sua criatividade espalhada por ruas, avenidas, prédios públicos e residenciais, a exemplo de O Sertanejo, Memorial do Frevo e Família de Retirantes, instaladas em praças do Recife. Sempre bem-humorado, o artista se manteve ativo até o internamento. Seu último feito, inaugurado na comemoração dos seus 90 anos, em 31 de julho, foi a escultura O Artilheiro, no estádio Arena Pernambuco – construído para a Copa do Mundo – no município metropolitano de São Lourenço da Mata, onde nasceu em 1924.
Moldada em barro e ampliada e fundida em bronze, a escultura, exposta na área externa, tem 7,5 m de altura e é uma das suas poucas peças que versam sobre o esporte. As mulheres, a lida do povo, as expressões artísticas da cultura popular eram seus temas mais recorrentes.
O multiartista ingressou nas artes em 1940 e desde cedo abraçou a causa política em defesa dos oprimidos. Foi com essa visão que despontou como um dos idealizadores do MCP na gestão do então prefeito Miguel Arraes (1916-2005), depois governador do Estado.
Nesta época, fez o álbum Meninos do Recife, com 22 desenhos, denunciando a fome e a miséria da cidade. Na ditadura, os 500 exemplares deste álbum foram queimados e esculturas destruídas – uma delas um monumento erguido na Fazenda Galileia, no município de Vitória de Santo Antão, em homenagem ao movimento das Ligas Camponesas. Por sua atuação política, Abelardo foi preso mais de 70 vezes e se mudou para São Paulo depois da deposição de Miguel Arraes (PSB). Em 1967, em São Paulo, ele lançou a coleção de desenhos Danças Brasileiras de Carnaval, na galeria Mirante das Artes.
Integrado por artistas, intelectuais e estudantes, o MCP teve como foco inicial promover alfabetização e educação de base com ênfase na cultura popular. Antes ainda do surgimento do movimento, Abelardo da Hora já havia idealizado o Ateliê Coletivo da Sociedade de Arte Moderna do Recife, que teve como integrantes famosos os artistas Wellington Virgolino, Gilvan Samico e Wilton de Souza.
Para impedir que sua arte se tornasse elitista, os artistas do Ateliê costumavam se inspirar frequentando locais com a mais genuína expressão da cultura popular, a exemplo de candomblé, festas de rua e autos populares. Em 1950 recebeu seu primeiro prêmio, a medalha de bronze em escultura, no Salão Nacional de Belas Artes.
Abelardo da Hora ficou viúvo em 2010 e deixou sete filhos. Sobre sua extensa obra, ele afirmava ser uma resposta “a uma necessidade vital”, cuja tônica é o amor: “O amor pela vida, que se manifesta também pela repulsa violenta contra a fome e a miséria, contra todos os tipos de brutalidade, a opressão e a exploração”.
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