• Raul Jungmann afirma, em entrevista ao 'Estado', que a única saída do governo Temer para tirar País da crise é não inibir a Operação Lava Jato
Luiz Maklouf Carvalho - O Estado de S. Paulo
BRASÍLIA - O ministro da Defesa, Raul Jungmann, disse, em entrevista aoEstado, que um dos maiores problemas do governo do presidente em exercício Michel Temer para tirar o Brasil da crise “é que parte do Congresso é de réus”. Também deputado federal licenciado (PPS-PE), o ministro complementou: “Se há inteligência no Congresso, e eu acho que há, todos sabem que chegou ao fundo do poço”. Apontou, como solução, que a Operação Lava Jato vá às últimas consequências, sem interferências.
“A Lava Jato não se incluirá em nenhum pacto político – e nem pode, e nem deve”, afirmou. Jungmann não quis comentar, no mérito, sobre as gravações recentemente publicadas em que o senador e presidente do PMDB Romero Jucá – agora ex-ministro do Planejamento – defendia a criação de um pacto para “estancar a sangria” da Lava Jato. “Não quero prejulgá-lo”, comentou. “A regra que o presidente Temer estabeleceu, na primeira reunião com o Ministério, é de que todo aquele que colocar em risco a imagem, a atuação, a linha política do governo, independente ou não de julgamento, não tem por que continuar”. Olhando para os dois gravadores que registraram a entrevista, o ministro da Defesa anunciou, a tantas, uma “frase definitiva”. E a disse: “Político que enriquece na política só tem um jeito: roubou. Eu estou dizendo isso aqui, gravado”.
Jungmann recebeu a reportagem, na manhã de quinta-feira, 26, feriado de Corpus Christi, no enorme e espartano apartamento funcional que ainda ocupa, em uma quadra da Asa Norte, em Brasília. O imóvel é da Câmara, tem quatro quartos e foi recentemente reformado. Mora lá desde que voltou para a Câmara dos Deputados, em 2014, depois de dois anos como vereador, em Recife, sua cidade natal. Esta semana, deve se mudar para a residência oficial do ministro da Defesa. “Já me acostumei aqui, não gosto de mudança, mas não vai ter jeito”, disse.
Jungmann administra, no Ministério da Defesa, este ano, um orçamento de R$ 82 bilhões – 77% comprometidos com o pagamento de 340 mil funcionários da Aeronáutica, da Marinha e do Exército. Na terça-feira, 24, Temer convidou o ministro e os três comandantes militares para um jantar informal no Palácio Jaburu. A conversa, diz, foi boa, e, segundo Jungmann, “apontou horizontes”.
Antipetista desde que botou o pé no Congresso – em 2003, depois de dois ministérios no governo Fernando Henrique Cardoso –, Jungmann foi proponente e protagonista da chamada CPI do mensalão, o começo do inferno petista, e, depois, da CPI dos sanguessugas. Esteve na linha de frente da articulação que levou ao pedido de impeachment e ao afastamento temporário da presidente Dilma Rousseff. “O Senado é soberano, claro, mas não acredito que ela (Dilma) volte”, afirmou. Ele acusou a presidente afastada de “irresponsável” e/ou de “estar prevaricando”, por denunciar o processo de impeachment como um golpe sem tomar providências institucionais a respeito, como denunciar os golpistas, com nome aos bois, ao Ministério Público. “Não tem coragem de fazer isso porque sabe que será uma desmoralização”, disse.
• O governo Michel Temer está completando 15 dias. Que avaliação o sr. faz?
A minha geração tem experiência de duas transições fruto do impeachment. Uma foi a do Itamar (Franco, presidente da República em 1993 e 1994), da qual participei. Essa é a segunda. O Itamar assumiu com estabilidade política e sem questionamentos do impeachment do Collor (Fernando, ex-presidente, de 1990 a 1992). Hoje, com a transição em andamento, o presidente Temer tem que conquistar a estabilidade política, que não está dada. E o impeachment da presidente Dilma vai ser um processo de resistência e alongado.
• E como entra a Operação Lava Jato nessa equação?
É a outra diferença em relação ao Itamar. Lá não tinha a Lava Jato, e então o pacto político podia incluir todas as variáveis. Agora, não. Tem uma variável independente, chamada Lava Jato, que não se inclui em nenhum pacto político, e nem deve, e nem pode. Só que ela tem o efeito de provocar, na política, turbulências e ondas de choque que tem que ser administradas. É por isso que a tarefa do presidente Michel Temer é muito maior do que foi a do Itamar, no sentido de desdobramento, de esforço e de necessidade de aglutinação.
• O que significa governar com esse espectro onipresente da Lava Jato?
É lidar com a imprevisibilidade. A Lava Jato é fruto da Constituição de 1988, que é a Constituição do Ministério Público, das prerrogativas do Poder Judiciário e de uma autonomia inédita da Polícia Federal – autonomia em relação à política. Esses órgãos se atualizaram e se fortaleceram. A política não. A política permanece idêntica a si mesma, é refém dela própria. No Brasil, a saída das crises é pela mão da política, via Congresso, ou então tem retrocesso. Desde a saída de D. Pedro (imperador do Brasil), que foi costurada por dentro do Congresso da época, chegando à saída do ciclo militar e à saída do Collor, todas foram produzidas essencialmente dentro do Congresso. O problema é que o Congresso hoje é um Congresso, em parte, de réus.
• E como é que se governa com um Congresso em que uma parte é de réus?
Não inibindo a Lava Jato, essencialmente. Se há inteligência no Congresso, e eu acho que há, todos sabem que chegou ao fundo do poço. Todos sabem. E essa baixa representatividade, esses descolamento que existe, ele é um convite a salvadores da pátria, a profetas, a descaminhos. É só olhar a história dos países vizinhos, e mesma a nossa história. As lições estão todas lá.
• O sr. tem informações sobre o que ainda pode vir à tona?
Não tenho como saber. O que eu acho é que virá, e por isso ela precisa ser garantida, inclusive contra a política, para prosseguir e passar a política a limpo. Não irá adiante se a parcela regeneradora do Congresso não apoiar.
• O sr. diz isso num momento em que as gravações feitas pela ex-presidente da Transpetro Sérgio Machado mostram um expoente do governo Temer, como o agora ex-ministro do Planejamento Romero Jucá, tratando justamente de organizar um pacto político para, nas palavras dele, “estancar a sangria” da Lava Jato. Não é contraditório?
Não acho. Na primeira reunião fechada com o Ministério o presidente Temer definiu a linha do governo em relação a isso, quando disse que não seria um presidente centralizador. “Os senhores têm responsabilidades, porém, qualquer desvio que venha a acontecer, eu pedirei o cargo de volta”, disse ele, que pautou exatamente o limite.
• Qual é a sua opinião sobre as gravações em que o senador Romero Jucá propõe uma articulação para “estancar a sangria” da Lava Jato?
Vou dar uma resposta genérica, não dirigida ao ministro Jucá, porque eu não quero prejulgá-lo. É muito simples: não cabe sufocar, inibir, atrapalhar, desviar, paralisar, evitar o andamento da Lava Jato.
• Se fosse com o sr. aqueles diálogos com o Sérgio Machado não teriam o mesmo teor?
Totalmente fora de cogitação. Não. Jamais. Eu considero que a Lava Jato é um ativo democrático que tem que ser preservado a todo custo.
• O presidente Temer optou por colocar no Ministério políticos investigados pela Lava Jato – mesmo sendo muito provável que isso traria problemas e desgastes. O sr. usaria esse critério se estivesse no lugar dele?
Eu não sou o presidente e não vou raciocinar com hipóteses. O presidente lida com realidades: a necessidade da estabilidade, a urgência de aprovar medidas dentro do Congresso que aí está. Não é outro Congresso. É este. Ele tem que lidar com esse fio da navalha. E ainda há o fato de conviver com o processo de julgamento da presidente afastada, em andamento no Senado, que é um polo para desestabilizar o governo e reverter a situação.
• Desestabilizar?
Claro, o objetivo é exatamente este. Eu me indignei muito quando a presidente iniciou esse discurso de que o processo de impeachment é golpe.
• Por quê?
Ora, se a presidente diz que tem um golpe em curso, ela tem por dever, por ter jurado isso na posse, tomar as providências. Não pode ficar falando isso retoricamente. Se há um golpe, se estão ameaçadas as instituições democráticas, que ela jurou defender, e a Constituição, como é que ela pode falar em golpe e não agir? Ela nunca age, nunca agiu.
• Agir em que sentido?
Ela pode ir ao Ministério Público e denunciar o golpe e dizer quem são os golpistas, identificar. Porque, a considerar isso, golpistas seriam o Ministério Público e o Supremo Tribunal Federal. Por que ela não faz essa denúncia? Porque desmoraliza o discurso.
• Ela não tem o direito de entender que foi um golpe?
Direito ela tem. Mas se diz que é um golpe, e não age, é apenas retórica, é irresponsável ou está prevaricando, porque é atribuição dela defender as instituições democráticas.
• Como viu a atuação do presidente na crise surgida com a revelação das gravações do Sérgio Machado?
Passou muito bem no primeiro teste de stress do governo dele, com louvor, porque em menos de 24 horas a crise estava equacionada e resolvida sobre o ponto de vista político e administrativo. Deu chance para que o ministro se explicasse. Aí também entra a compreensão do ministro Jucá, que resolveu se afastar para o bem do próprio governo. Além disso, criou-se uma linha de conduta daqui para a frente. Ou seja: não existe pré-julgamento, ok, mas todo aquele que colocar em risco a imagem, a atuação, a linha política do governo, independente ou não de julgamento, não tem por que continuar.
• A presidente Dilma volta ou não volta. Qual é a sua expectativa?
A minha expectativa é, sobretudo, que isso se decida rapidamente. Nem tão rápido que rápido que não permita todos os direitos e o contraditório da presidente, nem tão devagar que eternize as condicionalidades do governo. O fundamental é que se tome uma decisão, seja ela qual for. Politicamente, a minha impressão, primeiro, é de que é dificílimo que o retorno venha a acontecer e, segundo, que um eventual retorno não venha a ser bom para o País. Mas o Senado é soberano e caberá a ele decidir.
• Os militares, agora sob o seu comando, estão monitorando os movimentos sociais – como dito pelo senador Romero Jucá em uma das gravações grampeadas?
As Forças têm serviço de inteligência. Fazem esse monitoramento desde sempre – não só este governo, mas nos governos Dilma, Lula, Fernando Henrique, Itamar, Collor. Por definição, é exatamente monitorar a conjuntura, a situação nacional, para informar os chefes militares e o ministro da Defesa. Não há nenhuma diferença entre o que está sendo feito hoje e o que o governo Lula ou o governo Dilma faziam em relação ao MST. Não mudou nada. Monitorar não é bisbilhotar, interferir, grampear, nada disso.
• Defina monitorar.
Fazer um acompanhamento, através da imprensa, através de informações que você possa ter. Tem unidades espalhadas por todo o País. ‘Olha vamos ter uma manifestação aqui’, seja o que for, você acompanha.
• Digamos que é uma forma mais técnica de bisbilhotagem.
Não. Bisbilhotar jamais. É contra a Constituição. É interferir em direitos e garantias que não podem de forma nenhuma ser alcançados ou feridos. Hoje, nas Forças, não há a menor resistência em compreender e aceitar o papel dos movimentos sociais, de reivindicar, de protestar. Não tem nenhum problema em relação a isso.
• Como é que os militares acompanharam e estão acompanhando essa transição?
Os militares foram impecáveis, não cometeram qualquer deslize. A posição que eu sempre ouvi deles foi: ‘não apoiamos nenhuma aventura’.
• Estavam preparados para a possibilidade de aventuras?
Por definição eles estão sempre preparados. Desde que convocados por um dos três Poderes, como manda a Constituição. Como eu ouvi dos comandantes e continuo ouvindo: fora da Constituição nada, zero.
• Como é que o presidente o escolheu para o Ministério da Defesa?
Ao que eu sei, ele enviou um emissário aos comandantes militares, que sugeriram o meu nome. Em paralelo, o (Eliseu) Padilha (hoje ministro da Casa Civil) foi conversar com o (Nelson) Jobim, ex-ministro da Defesa. ‘Olha, tem um cara que já foi ministro, e é muito respeitado pelos militares, que é o Jungmann’. Depois o presidente ligou, pediu que eu fosse ao Jaburu e me convidou. Eu disse a ele: ‘Não cabe reivindicar nada, para não constrangê-lo e para que o sr. faça o melhor governo que possa fazer; agora, por responsabilidade, não cabe recusar, então eu aceito’.
• Consegue ver alguma luz em relações às eleições presidenciais de 2018?
O deputado Thales Ramalho (morto em 2004) tinha uma frase que cai como uma luva para essa pergunta: ‘Quem disser que sabe é porque está desinformado’. Não existe radar ou antena que projete 2018 enquanto nós não sairmos disso aqui.
• O ex-presidente Lula pode ter alguma chance?
Depende de como ele sair da Lava Jato. Tudo depende disso, em grande medida.
• Pode aparecer alguma coisa que ligue o seu nome à Lava Jato?
De forma alguma. Durante 14 anos eu estive fora do governo, fui oposição e não tive um cargo, uma indicação, nenhuma interferência em um centavo ao nível municipal, estadual e federal. Então digo, com absoluta convicção: nada a ver com Lava Jato, rigorosamente nada.
• O sr. já foi denunciado, em 2006, pelo Ministério Público Federal, em duas ações por improbidade administrativa, uma cível e outra penal, supostamente cometida quando era ministro da Reforma Agrária do governo Fernando Henrique.
A penal já foi definitivamente arquivada, em 8 de novembro de 2011, a pedido do próprio Ministério Público, que não viu solidez na acusação.
• Mas a cível continua tramitando, seja na primeira instância, onde está suspensa, seja no Supremo Tribunal Federal, a quem o sr. recorreu pedindo prerrogativa de foro. O relator atual é o ministro Dias Tofolli.
Faz quase dez anos que está no Supremo, já passou por cinco relatores, sem uma decisão. A pior injustiça é não ter um julgamento da Justiça. Fiquei refém dessa morosidade. Aguardo a decisão – e espero que tenha o mesmo fim da ação penal: o arquivamento, por ausência de qualquer irregularidade ou prejuízo ao erário. Mas cabe à justiça decidir.
Jungmann divulga imposto de renda: patrimônio é de R$ 47.600
Em julho de 2010, durante seu segundo mandato de deputado federal pelo PSB de Pernambuco , o hoje ministro da Defesa, Raul Jungmann, publicou, na internet, o artigo “Sou político e não sou rico. Algum problema?”. Facilmente disponível nos sites de busca, mostra uma reação singular a denúncias que o atingiram na época: além do artigo, tornou público seu Imposto de Renda, igualmente na rede. Tinha, então, exatos R$ 17.897,89 e dois carros. Na quinta-feira, 26, – dando risada com a lembrança do episódio – não se importou de revelar sua última declaração do IR: R$ 47.600,00 e um carro (do qual ainda falta pagar R$ 16 mil). “É todo o meu patrimônio”, afirmou. ”E não adianta procurar laranjas, porque não vão achar”.
Raul Bellens Jungmann Pinto é recifense, tem 64 anos, um casal de filhos que ainda não lhe deu netos, e 109 quilos mal disfarçados em 1,87 de altura. Pretende ter dez quilos a menos – se conseguir sair do sedentarismo – mas já fica satisfeito se pelo menos não voltar aos 123 de tempos atrás. Filho de uma família de classe média – mãe professora, pai administrador de empresas – começou a trabalhar como office-boy, aos 14, e, depois, como ajudante eletrotécnico, fazendo rolamento de motores. Simpatizante e mais tarde militante do Partido Comunista Brasileiro, o chamado Partidão, participou do movimento estudantil contra a ditadura. Cursou Psicologia, que não concluiu.
Jungmann entrou na vida pública em 1990, como secretário de Planejamento do governo de Pernambuco (gestão Carlos Wilson). Em 1993, no governo Itamar Franco, foi secretário-executivo do Ministério do Planejamento. Vem daí seus primeiros contatos com o comando militar, depois aprofundados no governo Fernando Henrique, onde foi presidente do Ibama, ministro de Polìtica Fundiária, presidente do Incra e ministro da Reforma Agrária. Passou para o poder legislativo na eleição de 2002 – Lula presidente. Foi deputado federal por dois mandatos – presidindo comissões de interesse do ministério da Defesa –, candidatou-se sem sucesso à prefeitura de Recife, foi vereador por dois anos e voltou ao Congresso na última eleição. / L.M.C.
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