domingo, 2 de outubro de 2016

Negar a política dá voto – Bernardo Mello Franco

- Folha de S. Paulo

A suspeita de que a crise de 2016 daria na negação da política começa a se revelar acertada. Nas duas maiores cidades brasileiras, candidatos que fogem do perfil tradicional chegam às urnas com ampla vantagem nas pesquisas.

Em São Paulo, um dublê de milionário e apresentador de TV disparou na liderança com 44% das intenções de voto. João Doria, do PSDB, explora dois sentimentos em alta na cidade: a antipolítica e o antipetismo.

"Não sou um político, sou um empresário", ele repete, desde o início da campanha. O tucano também capitalizou o cerco da Lava Jato ao PT. "Lula é um sem-vergonha, um cara de pau", ataca, como se estivesse num trio elétrico na avenida Paulista.

No Rio, um bispo da Igreja Universal que ganhou fama como cantor gospellidera a corrida à prefeitura. Marcelo Crivella, do PRB, tem 32%. Após uma longa temporada de transformações urbanas para a Olimpíada, ele baseia sua campanha num lema curioso: "Chega de obras, chegou a hora de cuidar das pessoas".

O fenômeno do eixo Rio-SP se repete em Belo Horizonte, onde dois personagens do futebol dominam a disputa. O ex-goleiro João Leite, do PSDB, e o cartola Alexandre Kalil, do PHS, devem ir ao segundo turno. O slogan do ex-presidente do Atlético Mineiro é direto: "Chega de político".

Há uma longa distância entre a conversa dos candidatos e a realidade. Doria já exerceu cargos nos governos Covas e Sarney. Deve sua escolha a outro cacique, o governador Alckmin. Crivella é senador há 14 anos, e Leite está no sexto mandato de deputado. O discurso de negação da política é furado, mas parece dar voto.

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No primeiro teste pós-impeachment, o PT teme sofrer o maior revés em eleições municipais desde 1985. A única capital em que o partido lidera isolado é Rio Branco, no Acre. Por isso, levar Fernando Haddad ao segundo turno em São Paulo se tornou vital para o futuro da sigla.

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