terça-feira, 4 de novembro de 2008

Governo avança na reforma política


Raymundo Costa
DEU NO VALOR ECONÔMICO

Está praticamente finalizado o projeto de reforma política em consulta pública no Ministério da Justiça. A proposta contém novas cláusulas para a disputa presidencial de 2010. Entre as novidades, uma que altera o critério para a distribuição do tempo de rádio e televisão das coligações partidárias. Mudança polêmica, pois interfere nos cálculos atuais dos eventuais candidatos à sucessão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Se o projeto em curso for aprovado, o tempo dos candidatos, nas eleições majoritárias, deixará de ser calculado pela soma do tempo dos partidos integrantes da coligação partidária. A duração dos programas eleitorais passaria a ser estabelecida, então, em função do tempo do maior partido da aliança. "É um Ovo de Colombo", acredita o secretário de Assuntos Legislativos do MJ, Pedro Abramovay.

O projeto tem o mérito, sem dúvida, de praticamente acabar com a venda do tempo de rádio e TV, prática comum entre algumas das chamadas legendas de aluguel. Para o secretário Abramovay, tem sobretudo a virtude de levar a que as alianças eleitorais sejam efetivamente feitas em termos programáticos, republicanos, e não mais em função tão somente do tempo de televisão, como ocorre atualmente.

Na prática, isso significa que se o governador José Serra for o candidato do PSDB a presidente em coligação com o Democratas e o PMDB, numa reedição da aliança que reelegeu Gilberto Kassab prefeito de São Paulo, o tucano disporia apenas do tempo do PMDB, que das três siglas foi a que elegeu mais deputados federais (o critério que determina o tempo de cada partido). Na hipótese de uma aliança PT-PMDB-PSB-PCdoB, o tempo seria também o do PMDB, partido que elegeu 89 deputados, em 2006, contra 83 do PT.

A importância do tempo de rádio e TV ficou muito clara nas eleições municipais: Kassab partiu de um dígito nas pesquisas, tornou-se conhecido e pôde casar a boa avaliação de sua administração com o candidato. O horário eleitoral gratuito apresentou João da Costa, em Recife, e Márcio Lacerda, em Belo Horizonte, aos eleitores.

Aprovada a mudança, o PMDB, partido que já saiu fortalecido das eleições municipais ganhará mais poder de barganha. Se fizer coligação com o PT, como deseja o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, será um problema para a oposição: PSDB e DEM saíram, respectivamente, com a terceira e a quarta bancadas da eleição de 2006. Ou seja, com o terceiro e o quarto tempo de rádio e TV, se vingar a nova regra.

Apesar de constar como prioridade nos dois programas de governo de Lula, a reforma política só agora entrou de fato na agenda do governo. O projeto ficará em consulta pública até o próximo dia 15. Não chega a ser um sucesso de público, mas tem recebido contribuições de organizações como a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). A intenção do governo é enviar o projeto ao Congresso antes do final deste ano.

Apesar do ceticismo em relação à reforma, o secretário Abramovay está otimista. Ele destaca que, desta vez, o governo entrará na discussão com uma proposta concreta, ao contrário do que ocorreu quando o presidente da Câmara, Arlindo Chinaglia, tentou mas a votação empacou na questão da lista aberta ou fechada de votação. "É um legado que o presidente Lula quer deixar: o peso de não ter enfrentado essa questão seria grande", afirma.

Na realidade, Lula está aborrecido com o fato de governar com uma coalizão de 14 partidos e a cada votação ter de negociar individualmente com os parlamentares ou com facções partidárias, ideológicas ou regionais. O presidente, segundo assessores mais próximos, estaria convencido de que a saída para o impasse é a reforma política.

Difícil será o entendimento entre os partidos. As pequenas siglas, por exemplo, perdem com a mudança do critério de partilha do tempo de TV, mas também com a reedição da cláusula de barreira, já livre dos vícios que levaram o Judiciário a retirá-la da cena política, e com a proibição de coligações nas eleições proporcionais.

Esta é uma antiga aspiração dos partidos maiores, que perdem espaços para aqueles menores que costuma abrigar nas alianças eleitorais. Em São Paulo, por exemplo, o PT teve uma votação para eleger 14 vereadores, mas ficou com apenas 11 cadeiras - as outras três ficaram com os partidos da coligação.

Fácil deve ser a flexibilização da fidelidade partidária, uma proposta com trânsito no governo e na oposição e entre os presidenciáveis de 2010. Permitiria, por exemplo, ao governador Aécio Neves trocar sem problemas o PSDB pelo PSB, partido ao qual está aliado em Minas Gerais, para disputar a Presidência.

O projeto abre uma "janela" para que os atuais detentores de mandato possam trocar a camisa já para as próximas eleições. "A idéia de que o sujeito possa se candidatar por outra legenda que não aquela pela qual foi eleito é própria da democracia", argumenta Abramovay.

A proposta prevê que a troca se dê no final do mandato, seis meses antes da eleição. Historicamente, afirma Abramovay, o troca-troca partidário ocorre entre a eleição e a posse de um novo governo. Esse, sim, seria um movimento aético, na visão do secretário de Assuntos Legislativos do Ministério da Justiça.

A "janela" também foi defendida no Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social (CDES) pelo cientista político Murilo Aragão, da consultora Arko Advice. Para o conselheiro, "a fidelidade partidária é muito boa, mas no momento a decisão do TSE somente congela um sistema que está estragado".

Se tudo ocorrer de acordo com os cálculos do governo, a reforma poderá ser discutida e aprovada em 2009. A tempo de alguns itens valerem para 2010, pois é certo que outros, como a lista fechada de votação, somente serão aprovados com longo prazo de implantação.

Raymundo Costa é repórter especial de Política, em Brasília. Escreve às terças-feiras

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