Luiz Carlos Bresser-Pereira
DEU NA FOLHA DE S. PAULO
Aos imigrantes não resta alternativa senão lutar para que o país respeite seu direito ao multiculturalismo
A EMIGRAÇÃO dos povos pobres para os países ricos é hoje fenômeno social global que mostra o caráter inescapável do nacionalismo. O mundo seria mais belo se fosse uma grande comunidade e não existissem nações, mas isso só acontecerá quando as desigualdades diminuírem a ponto de se estabelecer um Estado mundial.
Enquanto isso não ocorrer, o nacionalismo estará entre nós e tanto poderá significar a legitimação do poder dos povos mais poderosos sobre os demais (imperialismo) quanto a ideologia necessária para que os povos mais fracos se defendam. Tanto poderá ser um nacionalismo étnico e agressivo quanto um patriotismo defensivo.
O nacionalismo é a ideologia de formação do Estado-Nação. Alguém é nacionalista se preenche duas condições: primeiro, se entende que é obrigação do governo de seu país defender os interesses dos seus habitantes e, segundo, se considera que, ao tomar decisões, esse governo deve pensar por conta própria em vez de se submeter aos conselhos e pressões dos países mais ricos. Assim definido, o nacionalismo é econômico e pode ser apenas defensivo. Já o nacionalismo econômico agressivo caracteriza os países ricos que exploram os mais fracos, mas seus cidadãos acreditam que os estão ajudando ou bem orientando.
Quanto ao nacionalismo étnico, é o nacionalismo perverso das pessoas e povos que discriminam de acordo com o critério da raça, da religião ou da origem nacional. É o nacionalismo que afirma que cada conjunto étnico homogêneo deve ter seu próprio Estado-Nação; é o nacionalismo que, ao rejeitar a imigração, se confunde com o nacionalismo econômico.
O nacionalismo econômico é inevitável porque o mundo e cada indivíduo estão organizados em famílias, organizações e países que competem e colaboram entre si. Dificilmente será reeleito um governo de um país rico se não tomar decisões de acordo com os interesses nacionais.
Nesses países, o nacionalismo hoje é econômico e étnico. Poucos são os cidadãos que têm dúvida de qual seja o papel de seu governo, poucos são os que reconhecem a exploração dos países mais fracos, e muitos são aqueles que discriminam e rejeitam os imigrantes.
Todos defendem seus salários que sofrem concorrência do trabalho barato dos imigrantes, e felizmente um número muito menor defende sua "pureza étnica". Na Europa e no Japão, existe um verdadeiro cerco contra os imigrantes. Nos EUA, o quadro é apenas um pouco melhor. Na Itália, uma nova lei acaba de classificar a situação de imigrante clandestino como crime.
Os imigrantes ficam sujeitos não apenas a serem extraditados mas, adicionalmente, a cumprir pena por terem imigrado.
Existem naturalmente aqueles que não estão de acordo com essa discriminação, como mostra um belo filme francês em exibição em São Paulo, "Bem-Vindo". Na Europa, os partidos de esquerda resistem a essa discriminação, mas essa é talvez a principal razão por que têm tido maus resultados eleitorais.
Em certos casos, a única defesa contra o nacionalismo dos outros é o nosso nacionalismo, é nos organizarmos como Estado-Nação. Mas essa alternativa não existe para os imigrantes. Não lhes resta alternativa senão, de um lado, se integrarem nas sociedades para onde emigram e, de outro, lutar para que o país respeite seu direito ao multiculturalismo. Ambos são processos sociais e políticos difíceis, plenos de contradições. Enquanto não se completarem, haverá muito sofrimento dos imigrantes e muita tensão social nos países ricos.
Luiz Carlos Bresser-Pereira, 75, professor emérito da Fundação Getulio Vargas, ex-ministro da Fazenda (governo Sarney), da Administração e Reforma do Estado (primeiro governo FHC) e da Ciência e Tecnologia (segundo governo FHC), é autor de "Macroeconomia da Estagnação: Crítica da Ortodoxia Convencional no Brasil pós-1994".
DEU NA FOLHA DE S. PAULO
Aos imigrantes não resta alternativa senão lutar para que o país respeite seu direito ao multiculturalismo
A EMIGRAÇÃO dos povos pobres para os países ricos é hoje fenômeno social global que mostra o caráter inescapável do nacionalismo. O mundo seria mais belo se fosse uma grande comunidade e não existissem nações, mas isso só acontecerá quando as desigualdades diminuírem a ponto de se estabelecer um Estado mundial.
Enquanto isso não ocorrer, o nacionalismo estará entre nós e tanto poderá significar a legitimação do poder dos povos mais poderosos sobre os demais (imperialismo) quanto a ideologia necessária para que os povos mais fracos se defendam. Tanto poderá ser um nacionalismo étnico e agressivo quanto um patriotismo defensivo.
O nacionalismo é a ideologia de formação do Estado-Nação. Alguém é nacionalista se preenche duas condições: primeiro, se entende que é obrigação do governo de seu país defender os interesses dos seus habitantes e, segundo, se considera que, ao tomar decisões, esse governo deve pensar por conta própria em vez de se submeter aos conselhos e pressões dos países mais ricos. Assim definido, o nacionalismo é econômico e pode ser apenas defensivo. Já o nacionalismo econômico agressivo caracteriza os países ricos que exploram os mais fracos, mas seus cidadãos acreditam que os estão ajudando ou bem orientando.
Quanto ao nacionalismo étnico, é o nacionalismo perverso das pessoas e povos que discriminam de acordo com o critério da raça, da religião ou da origem nacional. É o nacionalismo que afirma que cada conjunto étnico homogêneo deve ter seu próprio Estado-Nação; é o nacionalismo que, ao rejeitar a imigração, se confunde com o nacionalismo econômico.
O nacionalismo econômico é inevitável porque o mundo e cada indivíduo estão organizados em famílias, organizações e países que competem e colaboram entre si. Dificilmente será reeleito um governo de um país rico se não tomar decisões de acordo com os interesses nacionais.
Nesses países, o nacionalismo hoje é econômico e étnico. Poucos são os cidadãos que têm dúvida de qual seja o papel de seu governo, poucos são os que reconhecem a exploração dos países mais fracos, e muitos são aqueles que discriminam e rejeitam os imigrantes.
Todos defendem seus salários que sofrem concorrência do trabalho barato dos imigrantes, e felizmente um número muito menor defende sua "pureza étnica". Na Europa e no Japão, existe um verdadeiro cerco contra os imigrantes. Nos EUA, o quadro é apenas um pouco melhor. Na Itália, uma nova lei acaba de classificar a situação de imigrante clandestino como crime.
Os imigrantes ficam sujeitos não apenas a serem extraditados mas, adicionalmente, a cumprir pena por terem imigrado.
Existem naturalmente aqueles que não estão de acordo com essa discriminação, como mostra um belo filme francês em exibição em São Paulo, "Bem-Vindo". Na Europa, os partidos de esquerda resistem a essa discriminação, mas essa é talvez a principal razão por que têm tido maus resultados eleitorais.
Em certos casos, a única defesa contra o nacionalismo dos outros é o nosso nacionalismo, é nos organizarmos como Estado-Nação. Mas essa alternativa não existe para os imigrantes. Não lhes resta alternativa senão, de um lado, se integrarem nas sociedades para onde emigram e, de outro, lutar para que o país respeite seu direito ao multiculturalismo. Ambos são processos sociais e políticos difíceis, plenos de contradições. Enquanto não se completarem, haverá muito sofrimento dos imigrantes e muita tensão social nos países ricos.
Luiz Carlos Bresser-Pereira, 75, professor emérito da Fundação Getulio Vargas, ex-ministro da Fazenda (governo Sarney), da Administração e Reforma do Estado (primeiro governo FHC) e da Ciência e Tecnologia (segundo governo FHC), é autor de "Macroeconomia da Estagnação: Crítica da Ortodoxia Convencional no Brasil pós-1994".
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