DEU EM O GLOBO
Há muitas lições a tirar do apagão. A mais urgente é que energia é um tema que não pode ser entregue à partilha política. O sistema brasileiro foi montado para prevenir um evento como este, ou então, ser capaz de remediar em minutos. Eram 5h15m de ontem quando chegou à Itaipu a informação do ONS de que podia gerar 100% da energia. O problema durara sete horas e dois minutos
Vários técnicos e dirigentes de empresas com quem a equipe desta coluna conversou disseram a mesma coisa: o espantoso é demorar tanto para explicar o que houve. A falta de diagnóstico rápido revela pouca coordenação e descontrole. O que assusta. A explicação oficial — e insuficiente — só chegou às 7h da noite.
Nas crises, fica ainda mais patético ter um ministro tão desligado do tema.
Edison Lobão disse inicialmente que era pane em Itaipu.
Não era; foi na linha de transmissão. Disse que em 2001 o sistema não era interligado.
Já era, há décadas; depois de 2001 foi reforçado.
Disse que o apagão foi causado por problemas meteorológicos.
O próprio governo depois negou. No início da noite, Lobão voltou a culpar o mau tempo. Isso é que dá escolher um ministro pela sua interligação com o sistema Sarney.
Ficou claro que há uma lista de tarefas a fazer: o país precisa aperfeiçoar o sistema de isolar o problema para evitar o efeito dominó. O mecanismo existe e deveria ter funcionado, explica Mário Veiga, presidente da PSR. Não funcionou e espalhou o sinistro por 18 estados.
Seja qual for a explicação que perdure, o fato é que no futuro haverá mais eventos climáticos extremos. Secas como a de 2001 podem ocorrer com mais frequência, seguidas de grandes tempestades.
O país depende muito de água nos reservatórios, e tem um sistema interligado.
Portanto, está duplamente vulnerável. Precisa de um planejamento energético que leve em conta as mudanças climáticas e que aumente a segurança. As decisões dos últimos anos tornam o país mais frágil, explica Adriano Pires, porque optou-se por manter o modelo de grandes hidrelétricas, como as do Rio Madeira, que exigirão linhões de transmissão e estarão interligadas ao sistema. Mário Veiga lembrou que as hidrelétricas do Rio Madeira não terão reservatórios.
Interligar o sistema é um avanço, na opinião de Veiga.
O necessário é ter um sistema eficiente que crie o “ilhamento” de eventuais problemas, disse Luiz Pinguelli Rosa. Veiga acha que o evento mostrou duas fragilidades: — O sistema não conseguiu prevenir o problema e demorou muito a remediar.
Em 2001, houve racionamento.
Falta de energia. Agora, houve apagão. São eventos totalmente diferentes. Um foi crise de abastecimento; o outro, colapso de algumas horas no sistema operacional.
Atualmente, há sobra de energia por dois motivos: muita água nos reservatórios por causa das chuvas abundantes; e a crise econômica que reduziu a demanda.
— A demanda estava crescendo a 5% ao ano. Em 2009, ficará estável. A crise anulou um ano de crescimento da demanda — explicou Mário Veiga.
Adriano Pires acha que o país tem que começar a pensar em smart grid, rede inteligente.
Na campanha, Barack Obama falou muito disso.
Significa ter computadores, em vez dos equipamentos hoje existentes, para controlar todo o sistema: — Os equipamentos de hoje são meio burrinhos e por isso é preciso trabalhar com folga de energia. Na rede inteligente, os computadores controlarão tudo e estarão ligados entre eles para evitar um problema como o de ontem.
Aumenta a eficiência, mas também o sistema não trabalha com folga alguma, o que pode ser perigoso.
O especialista Cyro Vicente Boccuzzi, do Fórum Latino-Americano de Smart Grid e da consultoria ECOee, tem uma visão um pouco diferente: — O sistema atual não tem desligamento seletivo. A energia é cortada em grandes regiões. Isso pode ser mudado com o uso da tecnologia da informação. É uma mudança cara, mas que todos os países estão analisando.
No limite, um sistema como esse, no meio de uma demanda excessiva ou falta de oferta, pode desligar a energia dos consumidores menos importantes para garantir fornecimento aos que não podem de jeito nenhum ficar sem ela. Desligar o arrefrigerado das casas, por exemplo, para que haja mais energia nos hospitais. Parece ficção científica, mas nos Estados Unidos os investimentos já começaram. Boccuzzi acha que o governo Lula está focando na oferta de energia e se esquecendo de modernizar a distribuição.
— Vamos construir usinas hidrelétricas que estão a dois mil quilômetros dos grandes centros de consumo. Teremos que construir uma rede imensa de transmissão, para levar um volume enorme de energia. Esse modelo é antigo e está sendo repensado em todo o mundo. Precisamos mudar a lógica econômica, criando incentivos para a geração local de energia pelas empresas e pelas próprias pessoas — afirmou.
Para isso, alerta o professor da Coppe, Djalma Falcão, é preciso modernizar a legislação que hoje impede que consumidores interliguem à rede geradores particulares.
Enfim, está na hora de um bom debate sobre energia.
Ele tem que ser técnico e atualizado. Infelizmente, o debate no governo será politizado e desatualizado. O pior e mais duradouro tem sido o apagão mental.
Com Alvaro Gribel e Bruno Villas Bôas
Há muitas lições a tirar do apagão. A mais urgente é que energia é um tema que não pode ser entregue à partilha política. O sistema brasileiro foi montado para prevenir um evento como este, ou então, ser capaz de remediar em minutos. Eram 5h15m de ontem quando chegou à Itaipu a informação do ONS de que podia gerar 100% da energia. O problema durara sete horas e dois minutos
Vários técnicos e dirigentes de empresas com quem a equipe desta coluna conversou disseram a mesma coisa: o espantoso é demorar tanto para explicar o que houve. A falta de diagnóstico rápido revela pouca coordenação e descontrole. O que assusta. A explicação oficial — e insuficiente — só chegou às 7h da noite.
Nas crises, fica ainda mais patético ter um ministro tão desligado do tema.
Edison Lobão disse inicialmente que era pane em Itaipu.
Não era; foi na linha de transmissão. Disse que em 2001 o sistema não era interligado.
Já era, há décadas; depois de 2001 foi reforçado.
Disse que o apagão foi causado por problemas meteorológicos.
O próprio governo depois negou. No início da noite, Lobão voltou a culpar o mau tempo. Isso é que dá escolher um ministro pela sua interligação com o sistema Sarney.
Ficou claro que há uma lista de tarefas a fazer: o país precisa aperfeiçoar o sistema de isolar o problema para evitar o efeito dominó. O mecanismo existe e deveria ter funcionado, explica Mário Veiga, presidente da PSR. Não funcionou e espalhou o sinistro por 18 estados.
Seja qual for a explicação que perdure, o fato é que no futuro haverá mais eventos climáticos extremos. Secas como a de 2001 podem ocorrer com mais frequência, seguidas de grandes tempestades.
O país depende muito de água nos reservatórios, e tem um sistema interligado.
Portanto, está duplamente vulnerável. Precisa de um planejamento energético que leve em conta as mudanças climáticas e que aumente a segurança. As decisões dos últimos anos tornam o país mais frágil, explica Adriano Pires, porque optou-se por manter o modelo de grandes hidrelétricas, como as do Rio Madeira, que exigirão linhões de transmissão e estarão interligadas ao sistema. Mário Veiga lembrou que as hidrelétricas do Rio Madeira não terão reservatórios.
Interligar o sistema é um avanço, na opinião de Veiga.
O necessário é ter um sistema eficiente que crie o “ilhamento” de eventuais problemas, disse Luiz Pinguelli Rosa. Veiga acha que o evento mostrou duas fragilidades: — O sistema não conseguiu prevenir o problema e demorou muito a remediar.
Em 2001, houve racionamento.
Falta de energia. Agora, houve apagão. São eventos totalmente diferentes. Um foi crise de abastecimento; o outro, colapso de algumas horas no sistema operacional.
Atualmente, há sobra de energia por dois motivos: muita água nos reservatórios por causa das chuvas abundantes; e a crise econômica que reduziu a demanda.
— A demanda estava crescendo a 5% ao ano. Em 2009, ficará estável. A crise anulou um ano de crescimento da demanda — explicou Mário Veiga.
Adriano Pires acha que o país tem que começar a pensar em smart grid, rede inteligente.
Na campanha, Barack Obama falou muito disso.
Significa ter computadores, em vez dos equipamentos hoje existentes, para controlar todo o sistema: — Os equipamentos de hoje são meio burrinhos e por isso é preciso trabalhar com folga de energia. Na rede inteligente, os computadores controlarão tudo e estarão ligados entre eles para evitar um problema como o de ontem.
Aumenta a eficiência, mas também o sistema não trabalha com folga alguma, o que pode ser perigoso.
O especialista Cyro Vicente Boccuzzi, do Fórum Latino-Americano de Smart Grid e da consultoria ECOee, tem uma visão um pouco diferente: — O sistema atual não tem desligamento seletivo. A energia é cortada em grandes regiões. Isso pode ser mudado com o uso da tecnologia da informação. É uma mudança cara, mas que todos os países estão analisando.
No limite, um sistema como esse, no meio de uma demanda excessiva ou falta de oferta, pode desligar a energia dos consumidores menos importantes para garantir fornecimento aos que não podem de jeito nenhum ficar sem ela. Desligar o arrefrigerado das casas, por exemplo, para que haja mais energia nos hospitais. Parece ficção científica, mas nos Estados Unidos os investimentos já começaram. Boccuzzi acha que o governo Lula está focando na oferta de energia e se esquecendo de modernizar a distribuição.
— Vamos construir usinas hidrelétricas que estão a dois mil quilômetros dos grandes centros de consumo. Teremos que construir uma rede imensa de transmissão, para levar um volume enorme de energia. Esse modelo é antigo e está sendo repensado em todo o mundo. Precisamos mudar a lógica econômica, criando incentivos para a geração local de energia pelas empresas e pelas próprias pessoas — afirmou.
Para isso, alerta o professor da Coppe, Djalma Falcão, é preciso modernizar a legislação que hoje impede que consumidores interliguem à rede geradores particulares.
Enfim, está na hora de um bom debate sobre energia.
Ele tem que ser técnico e atualizado. Infelizmente, o debate no governo será politizado e desatualizado. O pior e mais duradouro tem sido o apagão mental.
Com Alvaro Gribel e Bruno Villas Bôas
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