terça-feira, 30 de setembro de 2014

Sergio Fausto: Falhas na representação parlamentar


  • Para a maioria, a escolha do deputado equivale à emissão de um cheque em branco em nome de um favorecido sobre o qual se sabe muito pouco

- Folha de S. Paulo

As eleições para a Presidência, para os governos estaduais e para o Senado atraem muito mais o interesse geral do que as eleições proporcionais (para a Câmara Federal e as assembleias estaduais).

Passa despercebido como as eleições para deputado estadual e federal afetam as percepções do eleitor sobre os partidos, o sistema político e a política em geral. Tampouco se dá a devida atenção à relevância dessas eleições para a seleção das lideranças políticas.

Nelas estão engajados nada menos que 21 mil candidatos em todo o país, mobilizando mais de R$ 2 bilhões, aproximadamente 40% do total de gastos eleitorais nesta campanha. A julgar pelo passado, futuros governadores de Estado e mesmo presidentes da República estão em meio a esse grande contingente de candidatos (dos governadores eleitos em 2010, 80% passaram pela Câmara Federal e/ou pela assembleia legislativa de seu Estado).

Em boa medida, o desprestígio crescente da política no Brasil pode ser explicado pelas relações que se estabelecem (ou não se estabelecem) entre representados e representantes durante e a partir das eleições a deputado. Qualquer relação de representação requer, como ponto de partida, que o eleitor tenha condições minimamente razoáveis para informar-se sobre os candidatos. Sem isso, como escolher o representante e depois avaliá-lo no desempenho do seu mandato?

Falhas na engrenagem da representação se verificam em todos os sistemas eleitorais, mas, no Brasil, elas são particularmente graves, em especial nas eleições proporcionais.

Tome-se o exemplo de São Paulo, onde 1.318 candidatos concorrem à Câmara Federal e 1.879 à Assembleia Legislativa. Somados, temos quase 3.200 indivíduos correndo atrás do voto dos eleitores por todo o Estado, numa disputa de todos contra todos. Chegamos a esse ponto pela proliferação de partidos, hoje em número de 32, no quadro de um sistema eleitoral que favorece campanhas individuais.

Daí resulta a virtual impossibilidade de se estabelecer uma comunicação significativa entre eleitores e candidatos. Basta assistir ao horário eleitoral: um desfile patético de nomes e números esvaziados de qualquer conteúdo político.

É claro que a política e a sociedade encontram outras formas de se conectar (por meio de corporações profissionais, igrejas, sindicatos, lideranças locais, pela internet etc.). Mas para a grande maioria do eleitorado o processo de escolha equivale à emissão de um cheque em branco para um favorecido sobre o qual se sabe muito pouco. Mesmo o nome do escolhido some da memória poucos meses após a eleição.

Além de ruim, o sistema é caro. Sem ganho para o público, o gasto privado com campanhas eleitorais disparou nos últimos anos (aumento de quase 500% nas eleições para deputados federais de 2002 a 2010).

O estudo "Gastos em Campanhas Eleitorais no Brasil", elaborado por Ana Luiza Backes e Luiz Cláudio Pires dos Santos, da consultoria legislativa da Câmara, mostra que há uma alta correlação entre volume de gastos e sucesso eleitoral (mais de 70% dos deputados federais eleitos de 2010 estavam entre os de campanha mais cara em seus estados).

Assim, é óbvio que seus vínculos preferenciais de representação tendam a ser com doadores de recursos financeiros (empresas) e fornecedores de votos no atacado (igrejas, sindicatos, prefeituras etc.). Não é à toa que o eleitor se sente à margem desse processo.

Ao enfrentar a reforma política, o Congresso precisa encarar essas graves falhas, sob pena de hipotecar o futuro da instituição parlamentar, indispensável à democracia.

Sergio Fausto, cientista político, é superintendente-executivo da Fundação iFHC

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