Se a luta contra a corrupção no Brasil dependesse de denúncias como a apresentada na quinta-feira pelo procurador-geral da República, Rodrigo Janot, contra o presidente Michel Temer e outros políticos, o esforço para pôr os corruptos na cadeia seria desmoralizado. A exemplo do que aconteceu na primeira denúncia de Janot contra Temer, feita em junho passado, a nova peça elaborada pelo procurador-geral para acusar o presidente de corrupção não se sustenta em nada além de declarações de delatores – tratadas, textualmente, como “provas”.
Além disso, mas não menos importante, a maior parte do que vai exposto nas 245 páginas da denúncia diz respeito a fatos ocorridos antes que Michel Temer se tornasse presidente da República. Ou seja, não poderiam estar ali, pois Temer só pode ser processado por crimes supostamente cometidos no exercício de seu mandato, conforme se lê no parágrafo 4.º do artigo 86 da Constituição.
A esse propósito, basta relembrar que, graças a uma controvertida interpretação dada a esse artigo pelo Supremo Tribunal Federal, a então presidente Dilma Rousseff, quando sofreu o processo de impeachment, só pôde ser acusada por atos relativos a seu segundo mandato, descartando-se os diversos e gravíssimos crimes de responsabilidade cometidos no primeiro mandato.
Na nova denúncia, Janot não parece preocupado em diferenciar os supostos crimes cometidos antes de Temer chegar à Presidência e os delitos atribuídos ao presidente no exercício do mandato. Tudo é uma coisa só, dentro de um descomunal “aparato criminoso”, para o qual, segundo o procurador-geral, “Temer dava a necessária estabilidade e segurança, (...) figurando ao mesmo tempo como cúpula e alicerce da organização”.
E que provas Janot apresenta para sustentar tão forte acusação? Uma série de delações premiadas – que deveriam servir como ponto de partida para investigações, mas que, no entendimento do procurador-geral, bastam para comprovar a autoria do crime. Para fundamentar uma denúncia contra o presidente da República, com potencial para gerar imensa crise política e econômica, o procurador-geral tinha de ter sido bem mais cuidadoso. Mas prudência não é o forte de quem se julga com a missão de sanear a política.
É em razão dessa missão que Janot, em sua peça acusatória, transforma toda a negociação política em crime, por definição. Segundo sua lógica, cada indicação do grupo de Michel Temer no PMDB para cargos no governo de Dilma Rousseff tinha a intenção de colocar na administração bandidos dispostos a roubar para o partido. Janot qualifica de propina todas as doações eleitorais feitas ao PMDB por empresas contratadas por estatais dirigidas por indicados do grupo de Temer no partido. Janot diz que esse esquema rendeu exatos R$ 587.101.098,48 – e nem um centavo a menos.
É claro que não se pode ignorar que muitas nomeações para cargos no governo se prestaram a dar dinheiro e poder a políticos. Tampouco se pode esquecer que o petrolão fez-se também com a nomeação de representantes de PT, PMDB e PP para assaltar a Petrobrás. Mas Janot foi além. O procurador-geral partiu do princípio de que todas as nomeações efetuadas por Temer eram parte de um plano delinquente liderado pelo então vice e atual presidente da República. Ademais, segundo o raciocínio de Janot exposto na denúncia, se algum desses nomeados sob a influência de Temer foi flagrado em corrupção, o suposto criminoso só podia estar agindo a mando de seu padrinho, seja para abastecer o PMDB de dinheiro roubado, seja para beneficiar o próprio Temer.
Uma denúncia com essa qualidade não pode prosperar, a exemplo do que ocorreu com a primeira investida de Janot contra Temer, tão ordinária quanto esta. Se o Supremo Tribunal Federal decidir encaminhá-la à Câmara, espera-se que os deputados a rejeitem, não apenas porque uma denúncia contra o presidente da República não é algo trivial, que se possa fazer sem um mínimo de embasamento, mas principalmente porque o País ainda tem leis – e a denúncia ora apresentada, baseada em suposições e ilações, não as leva em conta.
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