Valor Econômico
O governo de São Paulo lançou um programa
social cujo nome de batismo pretende, de uma só tacada, resumi-lo e
apresentá-lo como uma alternativa modernizante do Bolsa Família. Ao discursar
na cerimônia de lançamento do “Superação”, o governador Tarcísio de Freitas
valeu-se da máxima comumente usada pelos críticos do programa petista: “Não
vamos dar o peixe, vamos ensinar a pescar”.
O caráter emancipatório seria garantido pelo que seus formuladores chamam de “inclusão produtiva”. Tudo veio embalado na pegada do esforço individual, mantra dos púlpitos evangélicos. “Vamos construir o melhor programa social do Brasil. A gente está falando de legado, de galardão perante a Deus. E a melhor maneira de servir ao senhor é proporcionar a emancipação e a vitória sobre a pobreza”, concluiu o governador.
É nos números do programa que suas cores
ganham um contorno mais objetivo. A proposta inicial é incluir 35 mil pessoas
com uma meta de chegar a 105 mil, quando seriam totalizados R$ 500 milhões em
investimento. A comparação com o Bolsa Família aqui também é inevitável. O
programa federal tem 20,5 milhões de famílias contempladas por uma rubrica que,
este ano, é de R$ 158 bilhões, o que equivale a 2,6% do Orçamento da União. No
Superação, o percentual a ser comprometido, ao final de sua meta, é de 0,13% do
Orçamento paulista.
A comparação agrada críticos da gastança do
governo Luiz Inácio Lula da Silva que sonham em ver Tarcísio no Palácio do
Planalto. Numa regra de três grosseira, a transposição da equação paulista para
o plano federal equivale a um corte de metade dos recursos. Parece inviável que
qualquer presidente se eleja prometendo cortar o Bolsa Família no meio ou mesmo
governe nessa direção. O ex-presidente Jair Bolsonaro, na tentativa de se
reeleger, levou o programa de R$ 233 em 2019 para R$ 600 em 2022.
O encantamento, que ainda precisa se mostrar
capaz de resistir ao palanque, não é só do mercado financeiro. No lançamento do
Superação, Tarcisio de Freitas foi aplaudido por quase um terço dos 645
prefeitos do Estado no Palácio dos Bandeirantes. No mesmo dia, em encontro com
prefeitos em Brasília, Lula teve que se equilibrar entre as palmas e as vaias
de 12 mil gestores municipais, entre titulares, vices e secretários.
Entre outros motivos, queixavam-se do
torniquete apertado imposto pelo STF nas emendas parlamentares, outra despesa
crescente que ultrapassou os R$ 50 bilhões no Orçamento deste ano. Se, nos
programas sociais, Tarcísio reduz a escala, na moeda de troca com o
legislativo, põe o pé no acelerador. Propôs que os deputados estaduais não
esperem mais a aprovação do orçamento para apresentar suas emendas e o façam já
na votação da LDO. Como não tem um ministro como Flávio Dino no encalço da
Assembleia Legislativa, é aclamado pelas bases municipais.
O constrangimento imposto pelo novo recuo do
ministro da Fazenda na sua tentativa de equilibrar despesas crescentes da União
inflacionando receitas deu mais dramaticidade ao embate que se aproxima. A
expectativa, entre investidores, é que o salário mínimo volte a ser corrigido
só pela inflação, como nos governos Temer e Bolsonaro, sob o governo de
quaisquer dos candidatos que hoje se arvoram pela direita, aliviando as contas
fiscais, mas este é outro compromisso difícil de sustentar no palanque.
O que fica claro é que o constrangimento não
deveria estar circunscrito às vidraças do Palácio do Planalto. Há uma equação
em curso que custará a ser desmontada. Ainda assim, o acabrunhamento se estende
até onde a vista alcança. O governo Tarcísio caminha para ter um centro da
cidade livre da cracolândia, no cumprimento daquilo que foi traçado pelo
Ministério Público de São Paulo, ainda que não tenha sido capaz de acolher seus
deserdados. Os homicídios estão no mais baixo patamar da história, mas o governo
não tem conseguido enfrentar o aumento de latrocínios (roubo seguido de morte)
e estupros.
Tudo isso tem contribuído para aumentar a
sensação de insegurança no Estado, mas é sobre o governo federal que recai a
cobrança. Todas as pesquisas mostram o quesito segurança pública mais
claudicante para Lula do que para os governadores. A PEC da Segurança empoçou
assim que chegou ao Congresso sem resgate à vista.
Até no embate das primeiras-damas, a
dificuldade é inexplicável. A última investida de Janja da Silva na China foi
seguida pelo vazamento, pela Polícia Federal, de um diálogo daquele que
usufruiu da maior intimidade com o ex-presidente, seu ex-ajudante de ordens,
Mauro Cid, com o lugar-tenente da comunicação bolsonarista, Fabio Wajngarten.
Sobrou para a ex-primeira-dama, Michelle Bolsonaro, na linha " teu passado
te condena”. O vazamento não neutralizou o noticiário sobre Janja, entre outros
motivos, porque a primeira-dama dobrou a aposta.
A oposição também não se cansa de oferecer
espetáculos diuturnos de embates entre o ex-presidente e apoiadores que não
querem o sobrenome Bolsonaro na chapa presidencial. Nada disso, tampouco,
oferece qualquer vantagem para a ação política do governo. A dificuldade vem,
em grande parte, do fato de que é difícil unir um governo fissurado por tantas
lutas internas. A recondução de Lula é uma liga, mas não se traduz em unidade
de propósitos ou em promessa de futuro.
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