segunda-feira, 28 de janeiro de 2019

Rever tributo sobre lucro é necessário, mas tem riscos: Editorial | Valor Econômico

O anúncio, feito pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, de que o governo pretende trabalhar para reduzir de 34% para cerca de 15% a tributação sobre o lucro das empresas brasileiras foi um dos destaques da passagem das autoridades nacionais pelo Fórum Econômico Mundial, realizado em Davos, na Suíça. A medida já vinha sendo estudada no governo Michel Temer, foi defendida abertamente pelo antecessor de Guedes, o ex-ministro Eduardo Guardia, que, contudo, não enviou ao Congresso uma proposta efetiva.

O atual chefe da equipe econômica explicou que pretende compensar essa desoneração por meio da cobrança de imposto de renda sobre a distribuição de dividendos aos acionistas das empresas. E também com a eliminação ou redução do benefício dos juros sobre capital próprio.

A diminuição da tributação sobre o lucro acompanha uma inequívoca tendência internacional, reforçada com a atuação do atual presidente dos Estados Unidos, Donald Trump.

O Brasil tem uma das maiores cargas tributárias incidindo sobre o lucro gerado pelas empresas em comparação com economias mais relevantes do mundo, como os membros da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), grupo do qual o país pretende fazer parte.

A medida beneficiará basicamente as empresas de grande porte, que recolhem seus impostos pelo sistema de lucro real e deverão ter redução de carga. Ao seguir a tendência internacional, o Brasil tenta mitigar o risco de as companhias aqui instaladas fecharem suas portas e partirem para operar em outros países. E, ao falar que a alíquota sobre o resultado das empresas pode ficar em 15%, Guedes ainda sinaliza que quer ser mais agressivo no esforço para atrair novas empresas para o país. Afinal, esse patamar seria bem inferior à média de 23,8% praticada nos países da OCDE e abaixo dos 21% estabelecidos por Trump.

Outro efeito esperado dessa medida é que, com a cobrança de imposto sobre dividendos, essas companhias deverão ter mais estímulos para reter seus lucros, o que pode fomentar um aumento dos investimentos das empresas. Se isso se confirmar, também será positivo para a economia brasileira, cuja taxa de investimento tem sido muito baixa.

Por outro lado, a iniciativa enseja riscos para as empresas de pequeno e médio portes, que não devem ser desprezados. Essas companhias estão no sistema de lucro presumido ou no Simples, fora, portanto, dos 34% cobrados do resultado das grandes empresas. Com a instituição de um tributo sobre dividendos, a depender da alíquota que for definida, há chance de aumento da carga tributária para esses segmentos.

Nesse caso, há ao menos dois problemas potenciais. Um é o eventual aumento de custos tributários a ser repassado para preços de bens e serviços produzidos. Outro é o fechamento de parte dessas empresas, especialmente as pequenas, por supostamente não conseguirem arcar com o aumento da tributação.

Em entrevista ao Valor, o ex-secretário da Receita Federal, Everardo Maciel, alertou ainda para o risco de distribuição disfarçada de lucros, um mecanismo usado antigamente para evasão fiscal. Um dos exemplos citados seria a aquisição de bens em nome das empresas para uso dos sócios.

Dessa forma, ainda que meritória, a iniciativa de rever a tributação dos lucros das empresas deve ser feita cercada de cuidados para não gerar novas disfuncionalidades na economia. Além disso, dados os riscos para os pequenos negócios e o potencial de elevado ruído político especialmente com as categorias de profissionais liberais, o momento para envio da medida também deve ser calibrado para não atrapalhar a discussão da reforma da Previdência, cuja formatação está em fase final e é absolutamente prioritária na agenda do governo junto ao Congresso.

Guedes parece ter consciência disso ao apontar, em Davos, que é preciso escolher as batalhas a serem enfrentadas. E a Previdência, sem dúvida, é o desafio do qual todas as demais medidas e reformas, inclusive a tributária, dependem para serem bem sucedidas. Se o governo conseguir fazer o Congresso avançar em um desenho mais sustentável para o sistema previdenciário, a economia vai ganhar mais dinamismo por conta da confiança. Isso permitirá, inclusive, maior flexibilidade para que se construa um novo regime de tributação das empresas com menos impactos sobre os pequenos e médios negócios.

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