DIREITO DE TODOS, DEVER DO ESTADO
Jayme Asfora
A palavra cidadania é originária do latim civitas, que quer dizer cidade. Foi usada na Roma antiga para indicar a situação política de uma pessoa e os direitos que a mesma tinha ou podia exercer. O artigo 6º da Constituição dispõe sobre os direitos sociais de todo cidadão como os direitos "à educação, à saúde, ao trabalho, à moradia, ao lazer, à segurança", entre outros. Já o artigo 196 da Constituição, determina que "A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantindo mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal igualitário às ações e serviços para a sua promoção, proteção e recuperação."
Diante deste preâmbulo, podemos afirmar, sem qualquer sombra de dúvida, que o direito à saúde é um dos direitos fundamentais conferidos à cidadania previstos firmemente em nossa Constituição de 1988 e, como corolário, o Estado tem a obrigação de prover o sistema de saúde pública de recursos e infra-estrutura necessários para atender a todas estas normas. É de conhecimento geral que a saúde pública no Brasil tem sido, numa escalada perversa, relegada a plano secundário e não vem recebendo os investimentos necessários para garantir assistência a população. Em Pernambuco, a situação vem piorando a cada dia e a expectativa de que houvesse uma melhora na infra-estrutura e uma remuneração mais condizente para os médicos – como foi garantido, um ano atrás, diante do movimento que levou ao pedido de demissão de dezenas de profissionais – acabou frustrada.
Este descaso com a dignidade humana fere os olhos de quem chega, por exemplo, no Hospital da Restauração onde, em 2 de junho último, havia 20 pessoas aguardando tratamento intensivo. Durante uma visita, neste dia, em que a OAB-PE acompanhou o Cremepe e o Simepe, foram encontrados 200 leitos improvisados na emergência, em macas, cadeiras e lençóis no chão. O problema se repete nas emergências dos outros hospitais do Estado. Pacientes idosos, com problemas de fratura passam semanas aguardando uma cirurgia e, com isso, correndo risco de morte. E o pior é que, muitas vezes, pasmem, essas deficiências provocam não só o óbito do paciente como ainda levam médicos e enfermeiros a serem processados por negligência.
Os médicos que pediram demissão do serviço público estadual (em 2007) estão buscando não apenas pressionar o Estado a atender suas muito legítimas reivindicações. Mas, principalmente, alertar a sociedade para o descumprimento pelo Poder Público dos deveres que lhe são impostos por comandos e princípios constitucionais, como o Princípio da Dignidade Humana.
A intolerável omissão estatal em face de suas obrigações morais e éticas não pode ser negada com tergiversações e sofismas – como atribuir esta situação de calamidade pública ao fim da CPMF. Vale lembrar que segundo o §1º do art. 198, também da Constituição, o Sistema Único de Saúde (SUS) será financiado com o orçamento da seguridade social, da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos municípios e de outras fontes. Ou seja, não se pode remeter ao fim da CPMF. As fontes de financiamento previstas, inicialmente, já eram outras. E nos 10 anos em que vigorou, a CPMF pouco fez para impedir que a crise no setor se tornasse crônica e o quadro irreversível. Foi eficaz, sim, para finalidades outras como engordar o já robusto caixa do superávit primário, tão acalentado pelo governo Federal. Ou seja, a CPMF não evitou que o Estado fosse leniente com a saúde pública.
No Brasil, segundo o sindicato dos hospitais de Pernambuco (Sindhospe), "para um gasto total de U$ 600 per capita/ano (em saúde), apenas US$ 300 vêm do setor público. Destes, apenas U$ 150 são investimento federal, ou seja, U$ 0,40 por cidadão brasileiro". É, vergonhosamente, um dos países latino-americanos onde menos o Poder Público se preocupa em proteger a vida dos seus cidadãos.
Por fim, a luta que deveria ser abraçada pelos homens públicos é a da regulamentação da emenda constitucional 29 (mediante a qual 15% do orçamento dos municípios, 12% do dos Estados e 10 % do orçamento da União deveriam ir para o financiamento público do sistema de saúde). De maneira civilizada, ouvindo-se as entidades médicas e os setores da sociedade historicamente comprometidos com o Estado Democrático de Direito.
Jayme Asfora
A palavra cidadania é originária do latim civitas, que quer dizer cidade. Foi usada na Roma antiga para indicar a situação política de uma pessoa e os direitos que a mesma tinha ou podia exercer. O artigo 6º da Constituição dispõe sobre os direitos sociais de todo cidadão como os direitos "à educação, à saúde, ao trabalho, à moradia, ao lazer, à segurança", entre outros. Já o artigo 196 da Constituição, determina que "A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantindo mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal igualitário às ações e serviços para a sua promoção, proteção e recuperação."
Diante deste preâmbulo, podemos afirmar, sem qualquer sombra de dúvida, que o direito à saúde é um dos direitos fundamentais conferidos à cidadania previstos firmemente em nossa Constituição de 1988 e, como corolário, o Estado tem a obrigação de prover o sistema de saúde pública de recursos e infra-estrutura necessários para atender a todas estas normas. É de conhecimento geral que a saúde pública no Brasil tem sido, numa escalada perversa, relegada a plano secundário e não vem recebendo os investimentos necessários para garantir assistência a população. Em Pernambuco, a situação vem piorando a cada dia e a expectativa de que houvesse uma melhora na infra-estrutura e uma remuneração mais condizente para os médicos – como foi garantido, um ano atrás, diante do movimento que levou ao pedido de demissão de dezenas de profissionais – acabou frustrada.
Este descaso com a dignidade humana fere os olhos de quem chega, por exemplo, no Hospital da Restauração onde, em 2 de junho último, havia 20 pessoas aguardando tratamento intensivo. Durante uma visita, neste dia, em que a OAB-PE acompanhou o Cremepe e o Simepe, foram encontrados 200 leitos improvisados na emergência, em macas, cadeiras e lençóis no chão. O problema se repete nas emergências dos outros hospitais do Estado. Pacientes idosos, com problemas de fratura passam semanas aguardando uma cirurgia e, com isso, correndo risco de morte. E o pior é que, muitas vezes, pasmem, essas deficiências provocam não só o óbito do paciente como ainda levam médicos e enfermeiros a serem processados por negligência.
Os médicos que pediram demissão do serviço público estadual (em 2007) estão buscando não apenas pressionar o Estado a atender suas muito legítimas reivindicações. Mas, principalmente, alertar a sociedade para o descumprimento pelo Poder Público dos deveres que lhe são impostos por comandos e princípios constitucionais, como o Princípio da Dignidade Humana.
A intolerável omissão estatal em face de suas obrigações morais e éticas não pode ser negada com tergiversações e sofismas – como atribuir esta situação de calamidade pública ao fim da CPMF. Vale lembrar que segundo o §1º do art. 198, também da Constituição, o Sistema Único de Saúde (SUS) será financiado com o orçamento da seguridade social, da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos municípios e de outras fontes. Ou seja, não se pode remeter ao fim da CPMF. As fontes de financiamento previstas, inicialmente, já eram outras. E nos 10 anos em que vigorou, a CPMF pouco fez para impedir que a crise no setor se tornasse crônica e o quadro irreversível. Foi eficaz, sim, para finalidades outras como engordar o já robusto caixa do superávit primário, tão acalentado pelo governo Federal. Ou seja, a CPMF não evitou que o Estado fosse leniente com a saúde pública.
No Brasil, segundo o sindicato dos hospitais de Pernambuco (Sindhospe), "para um gasto total de U$ 600 per capita/ano (em saúde), apenas US$ 300 vêm do setor público. Destes, apenas U$ 150 são investimento federal, ou seja, U$ 0,40 por cidadão brasileiro". É, vergonhosamente, um dos países latino-americanos onde menos o Poder Público se preocupa em proteger a vida dos seus cidadãos.
Por fim, a luta que deveria ser abraçada pelos homens públicos é a da regulamentação da emenda constitucional 29 (mediante a qual 15% do orçamento dos municípios, 12% do dos Estados e 10 % do orçamento da União deveriam ir para o financiamento público do sistema de saúde). De maneira civilizada, ouvindo-se as entidades médicas e os setores da sociedade historicamente comprometidos com o Estado Democrático de Direito.
» Jayme Asfora é presidente da OAB-PE.
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