César Felício
DEU NO VALOR ECONÔMICO
A se julgar pelo comportamento dos agentes políticos nas últimas semanas, pode-se arriscar a dizer que o Brasil vive uma situação paradoxal em relação à descrita por Karl Marx na famosa abertura do "Manifesto Comunista". Há um espectro que pode rondar a Europa, ou todo o restante do mundo, mas que não ronda o Brasil: o da crise financeira global. Ou ao menos não ronda as arenas onde se travam os primeiros movimentos em relação à eleição presidencial.
Retrações na produção industrial, demissões já contadas de mil em mil e empresários pressionando pela perda de eficácia das leis trabalhistas passam ao largo da disputa pelo controle do poder Legislativo e do significado oculto de bioplásticas de rejuvenescimento.
Como comenta o sociólogo mineiro Rudá Ricci, observador atento das intersecções entre as esferas política e econômica, no âmbito do poder público, apenas o poder municipal já reagiu às nuvens de chumbo. Quase R$ 5 bilhões em transferências já foram cortadas para as novas prefeituras, retirando toda a margem de manobra sobretudo dos menores municípios. Será mais uma ocasião para aprofundar a dependência do poder municipal em relação ao governo estadual ou federal de plantão, a fazer com que mesmo os oposicionistas mais aguerridas no comando de máquinas municipais falem muito macio em 2010.
Uma boa ocasião para se medir a perda de autonomia política dos municípios poderá ser vista no próximo mês, no grande encontro que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva irá promover em Brasília, reunindo toda a equipe ministerial com os novos prefeitos, em uma oferta de mão dupla: os novos administradores recebem o fluido vital em suas veias, desde que ajustem seus programas ao planejamento de ações federais.
Com mais de um instrumento para administrar ou retardar a crise, Lula será apresentado nos próximos meses pela propaganda oficial como o gerente de um governo que não deixa o Brasil parar, que investe e garante o funcionamento do motor da economia. Será um contrapeso importante à previsível explosão do desemprego que virá pela frente, quando os prejuízos consolidados das empresas começarem a aparecer.
Para o PT e a esquerda em si, o desafio de tentar elaborar alguma idéia sobre o que se passa no mundo ocorrerá já neste fim de mês, no fórum social de Belém. Há um painel de debates, patrocinado pela Fundação Perseu Abramo - um órgão do PT mas não necessariamente alinhado com a ortodoxia do Palácio do Planalto- que terá a crise econômica como seu tema primeiro. Presidente da Fundação Perseu Abramo, o ex-deputado Nilmário Miranda aposta que do encontro sairá um roteiro, sensivelmente diferente do prevalecente em certos meios da esplanada: diminuição do superávit primário, para a manutenção dos gastos de custeio, entendidos como a chave para a política social.
Para as oposições, o momento chave será março, com a megaconcentração organizada pelo PSDB, DEM e PPS em Brasília, para colocar os presidenciáveis José Serra (governador de São Paulo) e Aécio Neves (governador de Minas Gerais), falando sobre a crise internacional para os prefeitos, vereadores e dirigentes municipais dos três partidos.
"Lula está armando uma armadilha fiscal, uma bomba relógio que mais tarde eclodirá em uma crise de solvência generalizada. A oposição precisa se preparar para mostrar na campanha em 2010 a existência desta verdade", disse um dos organizadores do evento, o presidente do Instituto Teotônio Vilela, a fundação de estudos tucana, deputado Luiz Paulo Vellozo Lucas (ES). Perguntado se eleitoralmente não é contraproducente acenar com a ameaça do caos no horizonte, o parlamentar insistiu. "Gabeira no Rio adotou a tática de basear sua campanha municipal na verdade e quase venceu. E Obama também fez isso nos Estados Unidos e venceu", disse.
No momento, a oposição permanece longe tanto de traçar diagnósticos de crise quanto de soluções. Serra e Aécio mimetizam Lula e agem como motores da economia. O primeiro anunciou que irá antecipar a entrega das obras do trecho sul do Rodoanel e ontem mesmo divulgou um pacote para recuperar 7.395 quilômetros em estradas municipais. Distância suficiente para ir de São Paulo a Buenos Aires três vezes. Aécio anunciou no começo do ano o contingenciamento zero de seu Orçamento. E o cumprimento de uma meta anual de R$ 10 bilhões de investimento, na íntegra.
Em crises passadas, de gravidade não subestimável em relação à atual, o debate sobre o modelo econômico esteve no centro da discussão. Foi assim na reta final do regime militar, quando o PMDB levou a frente sobre a viabilidade ou não de um modelo que gerava superávits comerciais e arrocho salarial para o pagamento de uma dívida externa que crescia em razão exponencial. Foi novamente o caso na eleição de 1989, em uma eleição onde soluções mirabolantes para a inflação estiveram no centro da pauta. Não deixou de ser em 2002, quando Lula assumiu um compromisso com a estabilidade. Na tempestade do momento, ainda não há no meio político a discussão das melhores rotas de fuga.
César Felício é repórter de Política.
DEU NO VALOR ECONÔMICO
A se julgar pelo comportamento dos agentes políticos nas últimas semanas, pode-se arriscar a dizer que o Brasil vive uma situação paradoxal em relação à descrita por Karl Marx na famosa abertura do "Manifesto Comunista". Há um espectro que pode rondar a Europa, ou todo o restante do mundo, mas que não ronda o Brasil: o da crise financeira global. Ou ao menos não ronda as arenas onde se travam os primeiros movimentos em relação à eleição presidencial.
Retrações na produção industrial, demissões já contadas de mil em mil e empresários pressionando pela perda de eficácia das leis trabalhistas passam ao largo da disputa pelo controle do poder Legislativo e do significado oculto de bioplásticas de rejuvenescimento.
Como comenta o sociólogo mineiro Rudá Ricci, observador atento das intersecções entre as esferas política e econômica, no âmbito do poder público, apenas o poder municipal já reagiu às nuvens de chumbo. Quase R$ 5 bilhões em transferências já foram cortadas para as novas prefeituras, retirando toda a margem de manobra sobretudo dos menores municípios. Será mais uma ocasião para aprofundar a dependência do poder municipal em relação ao governo estadual ou federal de plantão, a fazer com que mesmo os oposicionistas mais aguerridas no comando de máquinas municipais falem muito macio em 2010.
Uma boa ocasião para se medir a perda de autonomia política dos municípios poderá ser vista no próximo mês, no grande encontro que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva irá promover em Brasília, reunindo toda a equipe ministerial com os novos prefeitos, em uma oferta de mão dupla: os novos administradores recebem o fluido vital em suas veias, desde que ajustem seus programas ao planejamento de ações federais.
Com mais de um instrumento para administrar ou retardar a crise, Lula será apresentado nos próximos meses pela propaganda oficial como o gerente de um governo que não deixa o Brasil parar, que investe e garante o funcionamento do motor da economia. Será um contrapeso importante à previsível explosão do desemprego que virá pela frente, quando os prejuízos consolidados das empresas começarem a aparecer.
Para o PT e a esquerda em si, o desafio de tentar elaborar alguma idéia sobre o que se passa no mundo ocorrerá já neste fim de mês, no fórum social de Belém. Há um painel de debates, patrocinado pela Fundação Perseu Abramo - um órgão do PT mas não necessariamente alinhado com a ortodoxia do Palácio do Planalto- que terá a crise econômica como seu tema primeiro. Presidente da Fundação Perseu Abramo, o ex-deputado Nilmário Miranda aposta que do encontro sairá um roteiro, sensivelmente diferente do prevalecente em certos meios da esplanada: diminuição do superávit primário, para a manutenção dos gastos de custeio, entendidos como a chave para a política social.
Para as oposições, o momento chave será março, com a megaconcentração organizada pelo PSDB, DEM e PPS em Brasília, para colocar os presidenciáveis José Serra (governador de São Paulo) e Aécio Neves (governador de Minas Gerais), falando sobre a crise internacional para os prefeitos, vereadores e dirigentes municipais dos três partidos.
"Lula está armando uma armadilha fiscal, uma bomba relógio que mais tarde eclodirá em uma crise de solvência generalizada. A oposição precisa se preparar para mostrar na campanha em 2010 a existência desta verdade", disse um dos organizadores do evento, o presidente do Instituto Teotônio Vilela, a fundação de estudos tucana, deputado Luiz Paulo Vellozo Lucas (ES). Perguntado se eleitoralmente não é contraproducente acenar com a ameaça do caos no horizonte, o parlamentar insistiu. "Gabeira no Rio adotou a tática de basear sua campanha municipal na verdade e quase venceu. E Obama também fez isso nos Estados Unidos e venceu", disse.
No momento, a oposição permanece longe tanto de traçar diagnósticos de crise quanto de soluções. Serra e Aécio mimetizam Lula e agem como motores da economia. O primeiro anunciou que irá antecipar a entrega das obras do trecho sul do Rodoanel e ontem mesmo divulgou um pacote para recuperar 7.395 quilômetros em estradas municipais. Distância suficiente para ir de São Paulo a Buenos Aires três vezes. Aécio anunciou no começo do ano o contingenciamento zero de seu Orçamento. E o cumprimento de uma meta anual de R$ 10 bilhões de investimento, na íntegra.
Em crises passadas, de gravidade não subestimável em relação à atual, o debate sobre o modelo econômico esteve no centro da discussão. Foi assim na reta final do regime militar, quando o PMDB levou a frente sobre a viabilidade ou não de um modelo que gerava superávits comerciais e arrocho salarial para o pagamento de uma dívida externa que crescia em razão exponencial. Foi novamente o caso na eleição de 1989, em uma eleição onde soluções mirabolantes para a inflação estiveram no centro da pauta. Não deixou de ser em 2002, quando Lula assumiu um compromisso com a estabilidade. Na tempestade do momento, ainda não há no meio político a discussão das melhores rotas de fuga.
César Felício é repórter de Política.
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