Dora Kramer
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO
Enquanto o ministro do Trabalho, Carlos Lupi, com seu linguajar pitoresco e raciocínio manhoso, estiver na linha de frente da “defesa do trabalhador” e do ataque aos “patrões”, a cena fica entendida como simples performance sindicaliza.
Ruim, mas sem maior consequência. Demagógica, oca, mas em conformidade com o perfil do personagem escalado, na condição de presidente do PDT, para representar o partido na coalizão de apoio ao presidente Luiz Inácio da Silva.
Partido fundado por Leonel Brizola, o PDT é também a legenda de origem do senador Cristovam Buarque, que retornou a ela depois de anos no PT, de onde saiu por divergência de procedimentos e depois de uma passagem pelo Ministério da Educação.
O que faz Cristovam Buarque nessa história que começa com as bravatas de Carlos Lupi e logo concluirá pela inadequação de o presidente da República abrir espaço ao sindicalista nele mais ou menos adormecido?
Nos idos dos 90, ainda governador petista do Distrito Federal, Cristovam era das poucas vozes do PT a alertar para a necessidade de o partido abandonar a lógica da reivindicação, deixar de lado a defesa corporativista impressa em seu DNA sindicalista e abraçar causas que dissessem respeito à sociedade inteira.
Só dessa forma, argumentava Cristovam, o partido poderia se preparar para um dia realmente disputar a sério o poder e, no caso de vitória, administrar o País com todos os seus desafios.
Enquanto olhasse apenas para a “mesa de negociações” entre patrões e empregados onde Lula forjara suas habilidades políticas, seria parte sem a indispensável noção do todo.
Carlos Lupi, presidente licenciado do PDT, não ouviria as ponderações do filiado. A prepotência adquirida no cargo não lhe permitiria enxergar que não é ministro dos sindicatos.
É ministro do País que não precisa de ameaças vãs de punição ao setor produtivo, mas daquela visão ampla que desde há muito prega o hoje senador Cristovam Buarque, para enfrentar a crise, encarar as agruras da impossibilidade de atender a todos os interesses quando o cobertor encurta e a situação requer espírito público. No sentido coletivo do termo.
Querer e poder
No caso das disputas dentro do Congresso, as querências dos presidentes da República não necessariamente correspondem às poderências.
Lula “tranquilizou” Michel Temer dizendo que o melhor cenário para ele é o PMDB na presidência da Câmara e o PT, com Tião Viana, na do Senado.
Nessa altura do segundo mandato de Fernando Henrique ele também tranquilizava sua base dizendo que o quadro mais confortável para o Planalto seria Jader Barbalho na presidência do Senado e Inocêncio Oliveira na da Câmara.
Jader foi eleito, renunciou em meio a denúncias. Inocêncio foi abalroado pela candidatura (vitoriosa) do tucano Aécio Neves.
A partir daí, as relações entre os três principais partidos da aliança - PSDB, PFL e PMDB - nunca mais foram as mesmas, com consequência direta sobre a eleição presidencial de 2002.
Mal comparado
O ministro da Justiça, Tarso Genro, não enxerga por que não quer a diferença entre asilos políticos concedidos pelo Brasil a chefes de Estado apeados do poder e a recusa de extradição ao italiano Cesare Battisti.
Battisti foi condenado por homicídio pela Justiça de um País cujas instituições funcionam à normalidade. O ministro tem a prerrogativa de tomar a decisão que tomou, mas não dispõe de salvo-conduto para distorcer os fatos sem contestação.
Os atletas cubanos entregues a Havana quando tentaram refúgio no Brasil logo após os jogos panamericanos para atender ao governo de Cuba também foram, ao inverso, objeto dessa adaptação autocrática da realidade à posição ideológica de determinado grupo.
Naquele caso a conta foi paga pelos atletas, banidos do esporte, pois o Estado atendido deu-se por satisfeito e a reação no Brasil diluiu-se na geleia da benevolência geral para com a ditadura de Fidel Castro.
Nesse episódio de Battisti, ao se imiscuir em decisão do Judiciário italiano, o Brasil pode ter contratado um grave atrito diplomático sem dispor da estatura política e da sustentação legal suficientes para enfrentar.
Tratou uma ditadura como democracia, agora atuou no modo vice-versa e terá necessariamente de se valer do nem sempre prestigiado Itamaraty para desatar o poderoso nó.
Os pedidos de recuo, feitos diretamente ao presidente Lula, tendem a ser inúteis, pois Tarso Genro submeteu a decisão a ele antes de divulgá-la certamente garantindo que não haveria obstáculos. Ou Lula teria medido as consequências.
É um bom exemplo de como nem sempre é bom o governante agir na confiança da avaliação alheia e formar juízo a partir do próprio discernimento. Obtido mediante o conhecimento dos fatos por meio, entre outros meios, da leitura dos dados em jogo.
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO
Enquanto o ministro do Trabalho, Carlos Lupi, com seu linguajar pitoresco e raciocínio manhoso, estiver na linha de frente da “defesa do trabalhador” e do ataque aos “patrões”, a cena fica entendida como simples performance sindicaliza.
Ruim, mas sem maior consequência. Demagógica, oca, mas em conformidade com o perfil do personagem escalado, na condição de presidente do PDT, para representar o partido na coalizão de apoio ao presidente Luiz Inácio da Silva.
Partido fundado por Leonel Brizola, o PDT é também a legenda de origem do senador Cristovam Buarque, que retornou a ela depois de anos no PT, de onde saiu por divergência de procedimentos e depois de uma passagem pelo Ministério da Educação.
O que faz Cristovam Buarque nessa história que começa com as bravatas de Carlos Lupi e logo concluirá pela inadequação de o presidente da República abrir espaço ao sindicalista nele mais ou menos adormecido?
Nos idos dos 90, ainda governador petista do Distrito Federal, Cristovam era das poucas vozes do PT a alertar para a necessidade de o partido abandonar a lógica da reivindicação, deixar de lado a defesa corporativista impressa em seu DNA sindicalista e abraçar causas que dissessem respeito à sociedade inteira.
Só dessa forma, argumentava Cristovam, o partido poderia se preparar para um dia realmente disputar a sério o poder e, no caso de vitória, administrar o País com todos os seus desafios.
Enquanto olhasse apenas para a “mesa de negociações” entre patrões e empregados onde Lula forjara suas habilidades políticas, seria parte sem a indispensável noção do todo.
Carlos Lupi, presidente licenciado do PDT, não ouviria as ponderações do filiado. A prepotência adquirida no cargo não lhe permitiria enxergar que não é ministro dos sindicatos.
É ministro do País que não precisa de ameaças vãs de punição ao setor produtivo, mas daquela visão ampla que desde há muito prega o hoje senador Cristovam Buarque, para enfrentar a crise, encarar as agruras da impossibilidade de atender a todos os interesses quando o cobertor encurta e a situação requer espírito público. No sentido coletivo do termo.
Querer e poder
No caso das disputas dentro do Congresso, as querências dos presidentes da República não necessariamente correspondem às poderências.
Lula “tranquilizou” Michel Temer dizendo que o melhor cenário para ele é o PMDB na presidência da Câmara e o PT, com Tião Viana, na do Senado.
Nessa altura do segundo mandato de Fernando Henrique ele também tranquilizava sua base dizendo que o quadro mais confortável para o Planalto seria Jader Barbalho na presidência do Senado e Inocêncio Oliveira na da Câmara.
Jader foi eleito, renunciou em meio a denúncias. Inocêncio foi abalroado pela candidatura (vitoriosa) do tucano Aécio Neves.
A partir daí, as relações entre os três principais partidos da aliança - PSDB, PFL e PMDB - nunca mais foram as mesmas, com consequência direta sobre a eleição presidencial de 2002.
Mal comparado
O ministro da Justiça, Tarso Genro, não enxerga por que não quer a diferença entre asilos políticos concedidos pelo Brasil a chefes de Estado apeados do poder e a recusa de extradição ao italiano Cesare Battisti.
Battisti foi condenado por homicídio pela Justiça de um País cujas instituições funcionam à normalidade. O ministro tem a prerrogativa de tomar a decisão que tomou, mas não dispõe de salvo-conduto para distorcer os fatos sem contestação.
Os atletas cubanos entregues a Havana quando tentaram refúgio no Brasil logo após os jogos panamericanos para atender ao governo de Cuba também foram, ao inverso, objeto dessa adaptação autocrática da realidade à posição ideológica de determinado grupo.
Naquele caso a conta foi paga pelos atletas, banidos do esporte, pois o Estado atendido deu-se por satisfeito e a reação no Brasil diluiu-se na geleia da benevolência geral para com a ditadura de Fidel Castro.
Nesse episódio de Battisti, ao se imiscuir em decisão do Judiciário italiano, o Brasil pode ter contratado um grave atrito diplomático sem dispor da estatura política e da sustentação legal suficientes para enfrentar.
Tratou uma ditadura como democracia, agora atuou no modo vice-versa e terá necessariamente de se valer do nem sempre prestigiado Itamaraty para desatar o poderoso nó.
Os pedidos de recuo, feitos diretamente ao presidente Lula, tendem a ser inúteis, pois Tarso Genro submeteu a decisão a ele antes de divulgá-la certamente garantindo que não haveria obstáculos. Ou Lula teria medido as consequências.
É um bom exemplo de como nem sempre é bom o governante agir na confiança da avaliação alheia e formar juízo a partir do próprio discernimento. Obtido mediante o conhecimento dos fatos por meio, entre outros meios, da leitura dos dados em jogo.
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