DEU EM O GLOBO
Para o tribunal, proposta contraria normas internacionais de auditoria
Para o tribunal, proposta contraria normas internacionais de auditoria
O projeto de Lei Orgânica da Administração Pública, apresentado esta semana pelo governo, inviabiliza o trabalho de fiscalização do Tribunal de Contas da União, antes e durante o andamento das obras públicas. O texto prevê que o controle do tribunal será feito “a posteriori”, e a fiscalização prévia ou concomitante – como acontece hoje – será para exceções. Com isso, poderá ficar inviabilizada a descoberta de desvios, fraudes e superfaturamentos os projetos da União. Em 2006, por exemplo, auditoria do TCU descobriu que o governo pagara antecipadamente pelo construção de um campo de futebol e uma quadra no canteiro de obras da BR-381, em Minas, que nunca saíram do papel. E mandou parar os trabalhos até que o Dnit corrigisse os problemas. Para o TCU, a proposta do governo é um retrocesso e contraria todas as normas de auditoria internacionais.
TCU pode virar fiscal de obra pronta
Projeto apresentado pelo governo prevê que fiscalizações prévias sejam exceção
Regina Alvarez
BRASÍLIA
O governo pagou antecipadamente pela construção de um campo de futebol e uma quadra poliesportiva no canteiro de obras da BR-381, em Minas, instalações que nunca saíram do papel.
Em 2006, quando realizava fiscalização de rotina nas obras da rodovia, o TCU constatou essas e outras irregularidades e mandou paralisar a obra até que o Dnit (Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes) corrigisse os problemas. O projeto de Lei Orgânica da Administração Pública, apresentado pelo governo esta semana, inviabilizaria, na prática, esse tipo de fiscalização durante o andamento da obra, pois prevê que o controle externo será feito “a posteriori”, tornando exceção o controle prévio ou concomitante, como acontece hoje.
Para o TCU, a proposta é um retrocesso e colocaria o órgão na mesma condição vivida num passado distante, quando os prejuízos só eram identificados depois da conclusão da obra, e o ressarcimento das perdas era muito mais difícil.
— É um retrocesso em vários sentidos.
Tentamos ser clínicos e não legistas.
É um retrocesso à Constituição de 67, na contramão de todas as normas de auditoria internacionais, que dizem que o controle tem que ser prévio e concomitante — disse ao GLOBO Paulo Roberto Wiechers, secretáriogeral de Controle Externo do TCU.
Obra citada por Bernardo é exemplo
O caso das obras da BR-381 é emblemático, porque foi citado mais de uma vez pelo ministro do Planejamento, Paulo Bernardo, para reforçar a avaliação do governo de que o TCU extrapola suas funções.
Esta semana, ao comentar o projeto da Lei Orgânica da Administração Pública, que o governo pretende encaminhar ao Congresso, Bernardo citou a BR-381 como exemplo de obra paralisada sem justificativa consistente. Argumentou que a obra, orçada em R$ 118 milhões, foi paralisada sob a alegação de um sobrepreço de R$ 10,5 milhões, mas que, após discussões exaustivas, chegou-se à conclusão que a diferença era de R$ 950 mil.
— Só que ficou dois anos parada.
O prejuízo foi maior. Quem vai ser responsabilizado? — questionou.
A auditoria do TCU constatou, à época, que o Dnit pagara antecipadamente, na primeira medição provisória da obra, R$ 4,3 milhões referentes à instalação de canteiros e acampamentos.
Mas a fiscalização não encontrou no canteiro parte das benfeitorias previstas no projeto — cantina, lavanderia, residência de engenheiros, alojamento de encarregados, alojamento básico, centro recreativo, campo de futebol e quadra poliesportiva, orçadas pelo Dnit em R$ 772 mil.
No relatório, o gestor do Dnit apresentou uma justificativa curiosa para o pagamento antecipado do total dos recursos para canteiros e acampamentos.
Disse que a empresa contratada não tinha a obrigação de construir todas as suas instalações, e poderia alugá-las na cidade para alojar os funcionários. Por isso, justificou, foram alugados imóveis nas cidades vizinhas para servirem de alojamentos, áreas para montagem das instalações industriais, áreas recreativas, como casas de campo, dotadas de piscina, quadra de futebol, áreas de lazer, salões de festas, para confraternizações e utilização pelos empregados.
Tudo com os recursos destinados à construção do canteiro de obras no projeto. Mas o Dnit também não apresentou comprovante desses aluguéis.
Outras irregularidades foram identificadas na obra da BR-381, inclusive o pagamento de ponte sobre o Rio Santa Bárbara, medida e atestada, que também não estava concluída.
oi calculado sobrepreço de R$ 10, 5 milhões, no total, mas os técnicos estimaram que os desvios poderiam chegar ao dobro.
Foi recomendada a paralisação da obra, com base nesses cálculos, até que o Dnit apresentasse providências para solução dos problemas e desconto nos valores pagos indevidamente à construtora. Segundo técnicos do TCU que acompanharam a auditoria, o Dnit levou dois anos para resolver as pendências e, por isso, a liberação da obra só foi recomendada em 2008.
A tentativa de restringir a fiscalização na proposta de lei do governo está clara no artigo 50, que trata do controle das atividades dos órgãos e entidades estatais, estabelecendo que devem ser observados diretrizes, entre elas “controle a posteriori, constituindo exceção o controle prévio ou concomitante”. O secretário de Gestão do Planejamento, Marcelo Vianna, defende a proposta: — É uma norma que em nenhum momento foi pensada para essa conjuntura de discordância. A norma não foi feita contra ninguém . Mas para que todos possam trabalhar melhor, cada um no seu galho.
Quanto ao momento da fiscalização, o secretário é enfático: — O TCU é uma corte de contas, o governo presta contas, e suas contas são analisadas. A regra é coerente com o trabalho de uma corte de contas. É o papel das cortes de contas em todo o mundo.
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