A tarefa do Brasil agora é começar a construir modelo de desenvolvimento baseado em ampliação de oportunidades para aprender, para trabalhar e para produzir. Modelo que faça da ampliação de oportunidades econômicas e educativas o motor do crescimento e que afirme a primazia do interesses do trabalho e da produção.
A construção deste modelo é a maneira -- a única maneira eficaz -- de superar a contradição que continua a acorrentar o Brasil. Num país que exibe vitalidade criativa e empreendedora desmesurada, a maior parte dos brasileiros continua sem ter os instrumentos para criar ou empreender. Por consequinte, desperdiça-se muito desta energia humana.
Para definir e desbravar e abrir este caminho, temos de resistir a uma tentação. Vista de um ângulo, é a tentação do rentismo. Por conta do grande rentismo financeiro, quem malogra como produtor pode continuar a prosperar como rentista. É a inversão da máxima de Keynes: a eutanásia dos produtores ocupa o lugar da eutanásia dos rentistas. Por conta do pequeno rentismo social, quem não consegue empregar-se ou qualificar-se ao menos não morre de fome porque recebe as migalhas dos programas sociais (justos e imprescindíveis como ponto de partida, porém inaceitáveis como ponto de chegada). Descobriram muitos que a combinação do grande rentismo financeiro e do pequeno rentismo social ganha eleições. Só que mata o país: desvia-nos do que haveria de ser a prioridade nacional: assegurar ao dinanismo brasileiro os instrumentos de que ele continua a carecer.
Considerada de outra perspectiva, é a tentação do açúcar. Na política brasileira, sobram partidos, mas faltam alternativas. Quase todos se apresentam como social-democratas ou social-liberais. O social arrisca ser o açúcar com que se doura a pílula do modelo econômico. Se o povo brasileiro vislumbrar oportunidade para reconstruir o existente, não se dará por satisfeito com o açúcar como substituto da reconstrução.
Já existe a base social para erguer o novo modelo de desenvolvimento. É o desejo da maioria dos brasileiros de seguir o caminho da nova vanguarda de batalhadores e de emergentes que surgiu entre nós: classe média surpreendente, vinda de baixo, que encarna aos olhos da maioria de trabalhadores pobres, que lhe quer seguir o exemplo, o espírito da auto-ajuda e da iniciativa. Não o poderão seguir se deixarmos de inovar em nossas instituições, inclusive aquelas que constituem o mercado e a democracia.
Se existe base social para o projeto necessário ao país, ainda não está claro o caminho político. Os dois partidos que, a partir de seu centro de gravidade em São Paulo, polarizaram, nas últimas décadas, a disputa do poder central -- o PSDB e o PT -- pretendem-se arautos da modernidade.
Atuaram com frequência como agentes do atraso. Foram eles que chefiaram no Brasil a idéia hegemônica em nossa política: a inexistência de alternativas institucionais na organização da economia e da política, a conveniência da aliança entre o grande rentismo financeiro e o pequeno rentismo social, a redução do social ao papel do açúcar(tendo sempre ao lado deles, conforme o caso, o PMDB SEMPRE e o PFL/ARENA/DEM).
O resultado, apesar da aparente bonança econômica, foi colocar-nos no caminho de virar combinação de grande fazenda, grande mina e montadora média.
Fora do eixo PSDB-PT, os partidos, grandes e pequenos, não acalentaram a alternativa do modelo de desenvolvimento que fizesse prevalecer os interesses do trabalho e da produção e que assegurasse a capacitação do povo brasileiro. Entregaram-se, as mais das vezes, a uma política programaticamente mesquinha e moralmente anárquica.
Em meio a esta abdicação generalizada, promoveu o governo Lula grandes avanços em cinco áreas principais. Consolidou a estabilidade macroeconômica, contra o espectro da hiper-inflação.
A construção deste modelo é a maneira -- a única maneira eficaz -- de superar a contradição que continua a acorrentar o Brasil. Num país que exibe vitalidade criativa e empreendedora desmesurada, a maior parte dos brasileiros continua sem ter os instrumentos para criar ou empreender. Por consequinte, desperdiça-se muito desta energia humana.
Para definir e desbravar e abrir este caminho, temos de resistir a uma tentação. Vista de um ângulo, é a tentação do rentismo. Por conta do grande rentismo financeiro, quem malogra como produtor pode continuar a prosperar como rentista. É a inversão da máxima de Keynes: a eutanásia dos produtores ocupa o lugar da eutanásia dos rentistas. Por conta do pequeno rentismo social, quem não consegue empregar-se ou qualificar-se ao menos não morre de fome porque recebe as migalhas dos programas sociais (justos e imprescindíveis como ponto de partida, porém inaceitáveis como ponto de chegada). Descobriram muitos que a combinação do grande rentismo financeiro e do pequeno rentismo social ganha eleições. Só que mata o país: desvia-nos do que haveria de ser a prioridade nacional: assegurar ao dinanismo brasileiro os instrumentos de que ele continua a carecer.
Considerada de outra perspectiva, é a tentação do açúcar. Na política brasileira, sobram partidos, mas faltam alternativas. Quase todos se apresentam como social-democratas ou social-liberais. O social arrisca ser o açúcar com que se doura a pílula do modelo econômico. Se o povo brasileiro vislumbrar oportunidade para reconstruir o existente, não se dará por satisfeito com o açúcar como substituto da reconstrução.
Já existe a base social para erguer o novo modelo de desenvolvimento. É o desejo da maioria dos brasileiros de seguir o caminho da nova vanguarda de batalhadores e de emergentes que surgiu entre nós: classe média surpreendente, vinda de baixo, que encarna aos olhos da maioria de trabalhadores pobres, que lhe quer seguir o exemplo, o espírito da auto-ajuda e da iniciativa. Não o poderão seguir se deixarmos de inovar em nossas instituições, inclusive aquelas que constituem o mercado e a democracia.
Se existe base social para o projeto necessário ao país, ainda não está claro o caminho político. Os dois partidos que, a partir de seu centro de gravidade em São Paulo, polarizaram, nas últimas décadas, a disputa do poder central -- o PSDB e o PT -- pretendem-se arautos da modernidade.
Atuaram com frequência como agentes do atraso. Foram eles que chefiaram no Brasil a idéia hegemônica em nossa política: a inexistência de alternativas institucionais na organização da economia e da política, a conveniência da aliança entre o grande rentismo financeiro e o pequeno rentismo social, a redução do social ao papel do açúcar(tendo sempre ao lado deles, conforme o caso, o PMDB SEMPRE e o PFL/ARENA/DEM).
O resultado, apesar da aparente bonança econômica, foi colocar-nos no caminho de virar combinação de grande fazenda, grande mina e montadora média.
Fora do eixo PSDB-PT, os partidos, grandes e pequenos, não acalentaram a alternativa do modelo de desenvolvimento que fizesse prevalecer os interesses do trabalho e da produção e que assegurasse a capacitação do povo brasileiro. Entregaram-se, as mais das vezes, a uma política programaticamente mesquinha e moralmente anárquica.
Em meio a esta abdicação generalizada, promoveu o governo Lula grandes avanços em cinco áreas principais. Consolidou a estabilidade macroeconômica, contra o espectro da hiper-inflação.
Tirou milhões da pobreza extrema, ainda que não haja conseguido diminuir substancialmente a desigualdade. Abriu para outros milhões de jovens as portas da universidade e da escola técnica. Fez obras indispensáveis ao desenvolvimento do país. Começou a construir escudo de defesa, orientado neste esforço pela Estratégia Nacional de Defesa, que promulgou.
Acima de todos estes avanços, ocorreu algo imensamente importante, ainda que impalpável. Ao se identificar com Lula, o povo brasileiro aceitou-se a si mesmo.
Tudo isso cria condições para a execução da tarefa diante da nação: a construção de modelo de desenvolvimento que dê à maioria os meios educativos e econômicos de que ela precisa para soerguer-se. Nada disso, porém, executa a tarefa. O tema da eleição de 2010 não é o passado. É o futuro.
Enumero oito série de opções que, encadeadas, definem o rumo do modelo de desenvolvimento que convém ao Brasil.
Acima de todos estes avanços, ocorreu algo imensamente importante, ainda que impalpável. Ao se identificar com Lula, o povo brasileiro aceitou-se a si mesmo.
Tudo isso cria condições para a execução da tarefa diante da nação: a construção de modelo de desenvolvimento que dê à maioria os meios educativos e econômicos de que ela precisa para soerguer-se. Nada disso, porém, executa a tarefa. O tema da eleição de 2010 não é o passado. É o futuro.
Enumero oito série de opções que, encadeadas, definem o rumo do modelo de desenvolvimento que convém ao Brasil.
1.A posição do Brasil na divisão internacional do trabalho.
Temos de optar contra um caminho, como o da Nova Zelândia ou do Chile, que pretenda combinar economia de produção e de exportação de produtos primários com elite internacionalizada de serviços. O Brasil é grande demais para isso. Não deve abandonar sua vocação industrial.
Ao manter-se fiel a ela, entretanto, precisa também optar contra estratégia como a que a China seguiu na maior parte de sua economia: apostar, por muito tempo, em trabalho e desqualificado.
Não prosperaremos como uma China com menos gente. O Brasil está ameaçado, como qualquer país de renda média, de ficar preso numa prensa entre países de trabalho barato e países de alta produtividade. Interessa-nos escapar da prensa pelo lado alto, da escalada de produtividade e da qualificação do trabalho, não pelo lado baixo, do aviltamento salarial.
2.O financiamento interno de nossa estratégia de desenvolvimento.
O capital estrangeiro é tanto mais útil quanto menos se precisa dele.
Tratemos de dividir ao meio a seudo-ortodoxia econômica que os governos brasileiros abraçaram em décadas recentes. A parte boa -- o realismo e a responsabilidade fiscais -- haverá de ser vigorosamente reafirmada, mesmo à custa de adiar os instrumentos de uma política contra-cíclica. (As esquerdas que perderam a fé no marxismo costumam abraçar, para substitui-lo, o Keynesianismo bastardo.) A parte nociva -- a tolerância de um nível baixo de poupança pública e privada e a consequente dependência do capital estrangeiro para financiar nosso desenvolvimento -- deve ser repudiada. Nosso nível de poupança sempre esteve abaixo de 20%; o das economias asiáticas que admiramos sempre acima de 40%.
É verdade que em teoria o nível de poupança é mais efeito do que causa do crescimento. Essa verdade teórica, entretanto, não leva em conta o significado estratégico da sequência: a mobilização inicial dos recursos nacionais representa condição para a rebeldia nacional -- para fazer o que nos convém e não o que os mercados financeiros querem. Instaurado cíclo de crescimento, o capital estrangeiro vem por acréscimo e em sua melhor forma; o país que mais recebe investimento estrangeiro é a China, que sempre primou por desrespeitar a religião dos mercados.
A elevação da poupança pública exige o fortalecimento da disciplina fiscal.
Já para elevar a poupança privada teríamos de construir incentivos e obrigações capazes de assegurar poupança previdenciária progressivamente proporcional à renda dos cidadãos.
A elevação da poupança privada e pública pode, porém, ser indiferente ou nociva se não fôr complementada pela construção de mecanismos que canalizem a poupança de longo prazo para o investimento produtivo de longo prazo e não permitam que seu potencial produtivo se dissipe num casino financeiro. Uma de nossas preocupações deve ser mobilizar parte da poupança previdenciária para fazer o trabalho do “venture capital”: o investimento em empreendimentos emergentes. E para fazê-lo sob gestão profissional e competitiva, longe do conúbio entre o Estado e as grandes empresas.
3.O projeto estratégico da agricultura.
Agropecuária continua a ser a principal atividade econômica do Brasil.
Pode virar vanguarda e paradigma, ao exemplificar o vínculo entre diversificação da produção e democratização das oportunidades. Para isso, precisa pautar-se por três objetivos entrelaçados.
2.O financiamento interno de nossa estratégia de desenvolvimento.
O capital estrangeiro é tanto mais útil quanto menos se precisa dele.
Tratemos de dividir ao meio a seudo-ortodoxia econômica que os governos brasileiros abraçaram em décadas recentes. A parte boa -- o realismo e a responsabilidade fiscais -- haverá de ser vigorosamente reafirmada, mesmo à custa de adiar os instrumentos de uma política contra-cíclica. (As esquerdas que perderam a fé no marxismo costumam abraçar, para substitui-lo, o Keynesianismo bastardo.) A parte nociva -- a tolerância de um nível baixo de poupança pública e privada e a consequente dependência do capital estrangeiro para financiar nosso desenvolvimento -- deve ser repudiada. Nosso nível de poupança sempre esteve abaixo de 20%; o das economias asiáticas que admiramos sempre acima de 40%.
É verdade que em teoria o nível de poupança é mais efeito do que causa do crescimento. Essa verdade teórica, entretanto, não leva em conta o significado estratégico da sequência: a mobilização inicial dos recursos nacionais representa condição para a rebeldia nacional -- para fazer o que nos convém e não o que os mercados financeiros querem. Instaurado cíclo de crescimento, o capital estrangeiro vem por acréscimo e em sua melhor forma; o país que mais recebe investimento estrangeiro é a China, que sempre primou por desrespeitar a religião dos mercados.
A elevação da poupança pública exige o fortalecimento da disciplina fiscal.
Já para elevar a poupança privada teríamos de construir incentivos e obrigações capazes de assegurar poupança previdenciária progressivamente proporcional à renda dos cidadãos.
A elevação da poupança privada e pública pode, porém, ser indiferente ou nociva se não fôr complementada pela construção de mecanismos que canalizem a poupança de longo prazo para o investimento produtivo de longo prazo e não permitam que seu potencial produtivo se dissipe num casino financeiro. Uma de nossas preocupações deve ser mobilizar parte da poupança previdenciária para fazer o trabalho do “venture capital”: o investimento em empreendimentos emergentes. E para fazê-lo sob gestão profissional e competitiva, longe do conúbio entre o Estado e as grandes empresas.
3.O projeto estratégico da agricultura.
Agropecuária continua a ser a principal atividade econômica do Brasil.
Pode virar vanguarda e paradigma, ao exemplificar o vínculo entre diversificação da produção e democratização das oportunidades. Para isso, precisa pautar-se por três objetivos entrelaçados.
O primeiro objetivo é superar o contraste, meramente, ideológico, entre agricultura empresarial e agricultura familiar. Assegurar atributos empresarias à agricultura familiar, sem que com isso ela tenha de perder seu vínculo com a policultura e seu compromisso com a democratização da propriedade da terra. Não há duas agriculturas no mundo; só há uma. O segundo objetivo é aprofundar a industralização rural, a agregação de valor aos produtos agropecuários no campo. Evitar o contraste entre cidade cheia e campo vazio. E promover vida rural variada e vibrante. O terceiro objetivo é construir em todo o país, não apenas no Sul, classe média rural forte como vanguarda de massa de trabalhadorea agrícolas mais pobres que avançara atrás dela.
O projeto agrícola orientado por tais objetivos poderá vingar no contexto da solução do maior problema físico de nossas agricultura: a recuperação de pastagens degradadas que hoje formam grande parte do território nacional. (No Brasil, para cada hectar sob lavoura há quatro entregues à pecuária extensiva.) Se recuperarmos parte desta área, dobraremos em pouco tempo a área cultivada e triplicararemos nosso produto agrícola sem tocar uma única árvore.
4. A reorientação da política industrial.
A política industrial do Brasil consiste, há muito, tempo em entregar o dinheiro do trabalhador, açambarcado no FAT, a umas vinte grandes empresas, por mãos do BNDES, sob o pretexto de transformá-las em campeãs mundiais. O discurso é francês. A prática é koreana.
Se, ao contrário, tratássemos de abrir para as pequenas e médias empresas o acesso ao crédito, à tecnologia, ao conhecimento, aos mercados globais, criaríamos o que mais quer o país: dínamo de crescimento includente. São elas a parte mais importante de nossa economia; é ali que se gera a maior parte do produto e é ali que está a vasta maioria dos empregos.
O objetivo maior é organizar fora dos centros industriais uma travessia direta do pré-Fordismo industrial para o pós-Fordismo industrial, sem que o todo o país tenha de penar no purgatório de um paradigma de produção -- produção em grande escala de bens e sereviços padronizados, por meio de mão de obra semi-qualificados e processos produtivos rígidos e hierárquicos -- que já se vai tornando superado no mundo e que inibe nossa ascensão na escalada da produtividade. O Brasil todo não deve ter de virar a São Paulo de meados do século passado para depois tornar-se outra realidade.
O objetivo subsidiário é dotar nossas maiores empresas, parte indispensável de nossa estratégia de desenvolvimento, da periferia que lhes falta, de empresas menores porém vanguardista. Pois é nesta periferia, mais do que nas grandes empresas, que se costumam acalentar, em todo o mundo, as inovações tecnológicas e organizativas mais arrojadas.
5. Trabalho e capital.
Não se toma no Brasil grande iniciativa institucional em matéria de relações entre trabalho e capital desde Vargas. Precisamos tomar, se quisermos fazer justiça aos trabalhadores e apostar em trabalho valorizado e qualificado como base de nosso desenvolvimento: a maior parte do povo brasileiro está fora do regime legal, de uma forma ou outra. Quase metade da população economicamente ativa continua presa na economia informal, obrigada a trabalhar nas sombras da ilegalidade. E parte crescente dos empregados na economia formal encontra-se em situações precarizadas, de trabalho temporário, terceirizado ou autônomo.
Nenhum dos dois discursos disponíveis a respeito do trabalho e do capital resolve o problema. O discurso neoliberal da flexibilização é corretamente interpretado pelos trabalhadores como eufemismo para descrever a corrosão de seus direitos. O discurso corporativista-sindical do direito adquirido resguarda a minoria que está dentro, porém não a maoiria que está fora.
O lugar para começar é a construção, ao lado do regime estabelecido de leis trabalhistas, de segundo corpo de regras, destinado a proteger, a organizar e a representar os trabalhadores inseguros das economias informal e formal. É obra cujo êxito depende de sua convergência com a reorientação das políticas agrícola, industrial e educativa.
6. Capacitação do povo brasileiro.
Pelo menos tão importante quanto a democratização das oportunidades econômicas é a democratização das oportunidades educativas. Há duas prioridades.
A primeira prioridade é reconciliar, num país grande, desigual e federativo, a gestão local das escolas pelos estados e municípios com padrões nacionais de investimento e qualidade: federalizar -- na prática, não apenas na lei -- os padrões. A qualidade do ensino que uma criança recebe não deve depender do acaso do lugar onde ela nasce. Para reconciliar gestão local com padrões nacionais, não basta ter sistema nacional de avaliação, como já temos, e mecanismo para redistribuir recursos de lugares mais ricos para lugares mais pobres, como estamos começando a ter. É preciso forjar instrumento para consertar redes de escolas locais que caiam repetidamente abaixo do patamar mínimo aceitável de qualidade. O meio é associar os três níveis da federação em órgãos conjuntos que possam vir em socorro destas escolas, assumi-las temporariamente, confiá-las a gestores profissionais independentes (como se faria com empresas em processo de recuperação falimentar) e devolvê-las consertadas.
A segunda prioridade é mudar a maneira de aprender e de ensinar no Brasil. Substituir ensino ainda pautado por decoreba por ensino analítico e capacitador, com foco no básico: análise verbal e análise numérica. Não há por que escolher entre o enciclopedismo informativo superficial e os modismos pedagógicos.
O lugar para iniciar esta obra é o elo fraco do sistema escolar: a escola média. E o instrumento mais promissor é escola secundáriacom fronteira aberta entre o ensino geral de orientação analítica e ensino técnico que priorize o domínio de capacitações práticas flexíveis e genéricas em vez de priorizar a aprendizagem de ofícios rígidos.
Esta reorientação do paradigma pedgógico em todos os níveis do ensino, a partir da escola média, há de ocorrer em paralelo a esforço para avançar na pré-escola. Resgatar milhões de crianças pobres de uma insuficiência alimentar e cognitiva de efeitos duradouros.
Premissa para tudo isso é a formação de carreira nacional de professor, construída por colaboração federativa e comprometida com a requalificação periódica dos quadros.
7.A reconstrução do Estado.
Não existe ainda no Brasil o Estado capaz de executar o programa que aqui se esboça. Nosso Estado continua a ser balofo e incapaz.
Há três agendas de gestão pública a executar. Embora estejam associadas a três séculos diferentes, não nos podemos contentar em executá-las em sequência, aguardando a execução de cada uma para iniciar a execução da seguinte. Precisamos executá-las simultaneamente, ainda que passo por passo, porque todas três são necessárias ao avanço desta alternativa nacional.
A primeira agenda, a do profissionalismo burocrático, é a obra incompleta do século 19 em matéria de administração pública.(perfeito, destaque meu. M.A.) Temos ilhas de profissionalismo no Estado que continuam a flutuar em oceano de discricionariedade política.
A segunda agenda, a da eficiência administrativa, está associada ao século 20. Reinventar para o setor público práticas de gestão tradicionalmente empregadas no setor privado: padrões de desempenho, garantias de transparência, mecanismos, dentro e fora do Estado, para avaliar, incentivar e cobrar resultados. Transformar radicalmente o direito e o processo administrativos.
O projeto agrícola orientado por tais objetivos poderá vingar no contexto da solução do maior problema físico de nossas agricultura: a recuperação de pastagens degradadas que hoje formam grande parte do território nacional. (No Brasil, para cada hectar sob lavoura há quatro entregues à pecuária extensiva.) Se recuperarmos parte desta área, dobraremos em pouco tempo a área cultivada e triplicararemos nosso produto agrícola sem tocar uma única árvore.
4. A reorientação da política industrial.
A política industrial do Brasil consiste, há muito, tempo em entregar o dinheiro do trabalhador, açambarcado no FAT, a umas vinte grandes empresas, por mãos do BNDES, sob o pretexto de transformá-las em campeãs mundiais. O discurso é francês. A prática é koreana.
Se, ao contrário, tratássemos de abrir para as pequenas e médias empresas o acesso ao crédito, à tecnologia, ao conhecimento, aos mercados globais, criaríamos o que mais quer o país: dínamo de crescimento includente. São elas a parte mais importante de nossa economia; é ali que se gera a maior parte do produto e é ali que está a vasta maioria dos empregos.
O objetivo maior é organizar fora dos centros industriais uma travessia direta do pré-Fordismo industrial para o pós-Fordismo industrial, sem que o todo o país tenha de penar no purgatório de um paradigma de produção -- produção em grande escala de bens e sereviços padronizados, por meio de mão de obra semi-qualificados e processos produtivos rígidos e hierárquicos -- que já se vai tornando superado no mundo e que inibe nossa ascensão na escalada da produtividade. O Brasil todo não deve ter de virar a São Paulo de meados do século passado para depois tornar-se outra realidade.
O objetivo subsidiário é dotar nossas maiores empresas, parte indispensável de nossa estratégia de desenvolvimento, da periferia que lhes falta, de empresas menores porém vanguardista. Pois é nesta periferia, mais do que nas grandes empresas, que se costumam acalentar, em todo o mundo, as inovações tecnológicas e organizativas mais arrojadas.
5. Trabalho e capital.
Não se toma no Brasil grande iniciativa institucional em matéria de relações entre trabalho e capital desde Vargas. Precisamos tomar, se quisermos fazer justiça aos trabalhadores e apostar em trabalho valorizado e qualificado como base de nosso desenvolvimento: a maior parte do povo brasileiro está fora do regime legal, de uma forma ou outra. Quase metade da população economicamente ativa continua presa na economia informal, obrigada a trabalhar nas sombras da ilegalidade. E parte crescente dos empregados na economia formal encontra-se em situações precarizadas, de trabalho temporário, terceirizado ou autônomo.
Nenhum dos dois discursos disponíveis a respeito do trabalho e do capital resolve o problema. O discurso neoliberal da flexibilização é corretamente interpretado pelos trabalhadores como eufemismo para descrever a corrosão de seus direitos. O discurso corporativista-sindical do direito adquirido resguarda a minoria que está dentro, porém não a maoiria que está fora.
O lugar para começar é a construção, ao lado do regime estabelecido de leis trabalhistas, de segundo corpo de regras, destinado a proteger, a organizar e a representar os trabalhadores inseguros das economias informal e formal. É obra cujo êxito depende de sua convergência com a reorientação das políticas agrícola, industrial e educativa.
6. Capacitação do povo brasileiro.
Pelo menos tão importante quanto a democratização das oportunidades econômicas é a democratização das oportunidades educativas. Há duas prioridades.
A primeira prioridade é reconciliar, num país grande, desigual e federativo, a gestão local das escolas pelos estados e municípios com padrões nacionais de investimento e qualidade: federalizar -- na prática, não apenas na lei -- os padrões. A qualidade do ensino que uma criança recebe não deve depender do acaso do lugar onde ela nasce. Para reconciliar gestão local com padrões nacionais, não basta ter sistema nacional de avaliação, como já temos, e mecanismo para redistribuir recursos de lugares mais ricos para lugares mais pobres, como estamos começando a ter. É preciso forjar instrumento para consertar redes de escolas locais que caiam repetidamente abaixo do patamar mínimo aceitável de qualidade. O meio é associar os três níveis da federação em órgãos conjuntos que possam vir em socorro destas escolas, assumi-las temporariamente, confiá-las a gestores profissionais independentes (como se faria com empresas em processo de recuperação falimentar) e devolvê-las consertadas.
A segunda prioridade é mudar a maneira de aprender e de ensinar no Brasil. Substituir ensino ainda pautado por decoreba por ensino analítico e capacitador, com foco no básico: análise verbal e análise numérica. Não há por que escolher entre o enciclopedismo informativo superficial e os modismos pedagógicos.
O lugar para iniciar esta obra é o elo fraco do sistema escolar: a escola média. E o instrumento mais promissor é escola secundáriacom fronteira aberta entre o ensino geral de orientação analítica e ensino técnico que priorize o domínio de capacitações práticas flexíveis e genéricas em vez de priorizar a aprendizagem de ofícios rígidos.
Esta reorientação do paradigma pedgógico em todos os níveis do ensino, a partir da escola média, há de ocorrer em paralelo a esforço para avançar na pré-escola. Resgatar milhões de crianças pobres de uma insuficiência alimentar e cognitiva de efeitos duradouros.
Premissa para tudo isso é a formação de carreira nacional de professor, construída por colaboração federativa e comprometida com a requalificação periódica dos quadros.
7.A reconstrução do Estado.
Não existe ainda no Brasil o Estado capaz de executar o programa que aqui se esboça. Nosso Estado continua a ser balofo e incapaz.
Há três agendas de gestão pública a executar. Embora estejam associadas a três séculos diferentes, não nos podemos contentar em executá-las em sequência, aguardando a execução de cada uma para iniciar a execução da seguinte. Precisamos executá-las simultaneamente, ainda que passo por passo, porque todas três são necessárias ao avanço desta alternativa nacional.
A primeira agenda, a do profissionalismo burocrático, é a obra incompleta do século 19 em matéria de administração pública.(perfeito, destaque meu. M.A.) Temos ilhas de profissionalismo no Estado que continuam a flutuar em oceano de discricionariedade política.
A segunda agenda, a da eficiência administrativa, está associada ao século 20. Reinventar para o setor público práticas de gestão tradicionalmente empregadas no setor privado: padrões de desempenho, garantias de transparência, mecanismos, dentro e fora do Estado, para avaliar, incentivar e cobrar resultados. Transformar radicalmente o direito e o processo administrativos.
Metade do que temos é camisa-de-força, baseada em desconfiança.(perfeito) A outra metade é o oposto: a delegação de poderes discricionários a potentados administrativos. Ambas as metades teriam de ser substituídas por regras e procedimentos que subordinassem, de maneira flexível, a objetivos definidos o trabalho da administração pública em cada campo.
A terceira agenda, a tornar-se cada vez mais importante no curso do século 21, é a do experimentalismo na maneira de prover e de qualificar os serviços públicos, inclusive de educaçaõ e de saúde. Nada de escolher apenas entre a provisão burocrática de serviços padronizados de baixa qualidade e a privatização destes serviços em favor de empresas orientadas por objetivo de lucro.(perfeito) Há terceira possibilidade: o Estado ajudar a organizar, a equipar, a financiar, a coordenar e a monitorar a sociedade civil independente para que ela participe da provisão competitiva e experimental dos serviços prestados pelo Estado ao cidadão
É a melhor maneira de qualificá-los.
8. O aprofundamento da democracia brasileira por meio da institucionalização da cultura republicana.
Há dois pontos de partida.
O primeiro ponto de partida é a reconstrução de nosso federalismo, pela qual passam quase todas as soluções de nossos problemas nacionais.
Substituir federalismo de repartição rígida de competências entre os três níveis da federalismo por um federalismo cooperativo que os associe em ações conjuntas e em experimentos compartilhados.(perfeito) Substituiremos o velho movimento pendular -- mais poder para o governo central ou para os estados e municípios -- por mudança na natureza da relação.
O segundo ponto de partida é a adoção de medidas que comecem a tirar a política da sombra corruptora do dinheiro. A primeira medida é o financiamento público das campanhas eleitorais, que por sí acordo com a variabilidade da receita, para que o orçamento deixe de ser o só diminui a influência do dinheiro privado. A segunda medida é a revisão do processo orçamento: o orçamento para valer, ainda que com partes variáveis de acordo com a variabilidade da receita pública, para que o orçamento deixe de ser palco pantanoso da negociação entre os grandes interesses do país. A terceira medida é a substituição da grande maioria dos cargos comissionados, de nomeação política, por carreiras de Estado.(perfeito)
Estas oito séries de opções, que juntas definem rumo nacional capaz de basear o desenvolvimento na ampliação de oportunidades, têm seu complemento e sua contrapartida em grandes iniciativas regionais. A tarefa é abordar as grandes regiões não resolvidas do país -- o Nordeste, a Amazônia e o Centro-Oeste --, que compõem de longe a maior parte do território nacional, não como regiões atrasadas a mendigar favores senão como vanguardas potenciais na reoreintação da estratégia de desenvolvimento.
No Nordeste, que não tem projeto abrangente há cinquenta anos e onde vive um terço dos brasileiros, começar pela instrumentalização das duas maiores forças construtivas que já atuam: um emprendendorismo emergente encarnado em redes de pequenas e médias empresas, inclusive e sobretudo no semi-árido, e uma inventividade tecnológica popular, difusa porém desequipada. Entender que assim como não há caminho para o Brasil sem caminho para o Nordeste, não há solução para o Nordeste sem solução para o semi-árido.
Na Amazônia, tanto da floresta como cerrado, teimar em dar conteúdo prático ao consenso abstrato em favor de um desenvolvimento que seja ao mesmo tempo sustentável e includente. Em toda a Amazônia, persistir na dinâmica, já iniciada, da regularização fundiária e ambiental -- a base de tudo. Na Amazônia da floresta, lutar pelo soerguimento do extrativismo madereiro e não madereiro, montado na conjunção de ciência e tecnologia avançadas com escala econômica. O bioma amazônico não pode ser salvo pela polícia; só pode ser salvo por alternativas. Na Amazônia do cerrado, começar pela recuperação de pastagens degradadas e, portanto, pelo resgate do cerrado.
No Centro-Oeste, não permitir que esta versão concentrada do dinamismo brasileiro se transforme em celeiro maculado por desigualdades extremas. Insistir na combinação de diversificação produtiva, com agregação de valor aos produtos agropecuários, e democratização de oportunidades. Substituir progressivamente a pecuária extensiva por pecuária intensiva, agricultura de alto valor agregado, muitas escalas de propriedade e de produção, agrocombustíveis e manejo florestal sustentável. Trabalhar por rede de cidades médias e pela disponibilidade de serviços públicos e privados de alta qualidade. Junto com o aprofundamento da indstrialização rural, construirão as bases de sociedade diversificada e democrática no planalto.
Utopia? Tudo isso é factível com instrumentos que já temos à mão. Nada disso é mero amontoado de iniciativas desconexas. Estas opções setoriais e regionais demarcam um rumo para o Brasil. E propõem os primeiros passos.
O objetivo que as unifica é dar braços, asas e olhos à vitalidade brasileira.
A terceira agenda, a tornar-se cada vez mais importante no curso do século 21, é a do experimentalismo na maneira de prover e de qualificar os serviços públicos, inclusive de educaçaõ e de saúde. Nada de escolher apenas entre a provisão burocrática de serviços padronizados de baixa qualidade e a privatização destes serviços em favor de empresas orientadas por objetivo de lucro.(perfeito) Há terceira possibilidade: o Estado ajudar a organizar, a equipar, a financiar, a coordenar e a monitorar a sociedade civil independente para que ela participe da provisão competitiva e experimental dos serviços prestados pelo Estado ao cidadão
É a melhor maneira de qualificá-los.
8. O aprofundamento da democracia brasileira por meio da institucionalização da cultura republicana.
Há dois pontos de partida.
O primeiro ponto de partida é a reconstrução de nosso federalismo, pela qual passam quase todas as soluções de nossos problemas nacionais.
Substituir federalismo de repartição rígida de competências entre os três níveis da federalismo por um federalismo cooperativo que os associe em ações conjuntas e em experimentos compartilhados.(perfeito) Substituiremos o velho movimento pendular -- mais poder para o governo central ou para os estados e municípios -- por mudança na natureza da relação.
O segundo ponto de partida é a adoção de medidas que comecem a tirar a política da sombra corruptora do dinheiro. A primeira medida é o financiamento público das campanhas eleitorais, que por sí acordo com a variabilidade da receita, para que o orçamento deixe de ser o só diminui a influência do dinheiro privado. A segunda medida é a revisão do processo orçamento: o orçamento para valer, ainda que com partes variáveis de acordo com a variabilidade da receita pública, para que o orçamento deixe de ser palco pantanoso da negociação entre os grandes interesses do país. A terceira medida é a substituição da grande maioria dos cargos comissionados, de nomeação política, por carreiras de Estado.(perfeito)
Estas oito séries de opções, que juntas definem rumo nacional capaz de basear o desenvolvimento na ampliação de oportunidades, têm seu complemento e sua contrapartida em grandes iniciativas regionais. A tarefa é abordar as grandes regiões não resolvidas do país -- o Nordeste, a Amazônia e o Centro-Oeste --, que compõem de longe a maior parte do território nacional, não como regiões atrasadas a mendigar favores senão como vanguardas potenciais na reoreintação da estratégia de desenvolvimento.
No Nordeste, que não tem projeto abrangente há cinquenta anos e onde vive um terço dos brasileiros, começar pela instrumentalização das duas maiores forças construtivas que já atuam: um emprendendorismo emergente encarnado em redes de pequenas e médias empresas, inclusive e sobretudo no semi-árido, e uma inventividade tecnológica popular, difusa porém desequipada. Entender que assim como não há caminho para o Brasil sem caminho para o Nordeste, não há solução para o Nordeste sem solução para o semi-árido.
Na Amazônia, tanto da floresta como cerrado, teimar em dar conteúdo prático ao consenso abstrato em favor de um desenvolvimento que seja ao mesmo tempo sustentável e includente. Em toda a Amazônia, persistir na dinâmica, já iniciada, da regularização fundiária e ambiental -- a base de tudo. Na Amazônia da floresta, lutar pelo soerguimento do extrativismo madereiro e não madereiro, montado na conjunção de ciência e tecnologia avançadas com escala econômica. O bioma amazônico não pode ser salvo pela polícia; só pode ser salvo por alternativas. Na Amazônia do cerrado, começar pela recuperação de pastagens degradadas e, portanto, pelo resgate do cerrado.
No Centro-Oeste, não permitir que esta versão concentrada do dinamismo brasileiro se transforme em celeiro maculado por desigualdades extremas. Insistir na combinação de diversificação produtiva, com agregação de valor aos produtos agropecuários, e democratização de oportunidades. Substituir progressivamente a pecuária extensiva por pecuária intensiva, agricultura de alto valor agregado, muitas escalas de propriedade e de produção, agrocombustíveis e manejo florestal sustentável. Trabalhar por rede de cidades médias e pela disponibilidade de serviços públicos e privados de alta qualidade. Junto com o aprofundamento da indstrialização rural, construirão as bases de sociedade diversificada e democrática no planalto.
Utopia? Tudo isso é factível com instrumentos que já temos à mão. Nada disso é mero amontoado de iniciativas desconexas. Estas opções setoriais e regionais demarcam um rumo para o Brasil. E propõem os primeiros passos.
O objetivo que as unifica é dar braços, asas e olhos à vitalidade brasileira.
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