Imagine um pequeno avião cujos instrumentos foram adulterados. O altímetro mostra altitude bem maior do que a verdadeira e o indicador de combustível subestima em muito o consumo efetivo. Depois de anos de desleixo e uso inadequado, o avião já não funciona como deveria. Precisa de manutenção cara e prolongada. Mas o piloto vem tentando esconder os problemas dos proprietários. Adulterou os instrumentos, temendo que, pelo painel de controle, os proprietários notassem a real extensão dos problemas. Um voo nessas condições já seria bastante arriscado, mesmo se o piloto, ao ler cada instrumento, fosse capaz de levar em conta a medida exata em que a informação foi adulterada. Muito mais arriscado ficará o voo, contudo, se o piloto se esquecer das adulterações e passar a acreditar piamente no que mostram os instrumentos.
Não obstante todas as ponderações em contrário, o governo confirmou que o Tesouro fará novo aporte de R$55 bilhões ao BNDES em 2011, na contramão do corte de gastos que havia sido anunciado. É bem sabido que nos últimos anos os indicadores de desempenho fiscal deixaram de indicar o que deveriam. As deturpações por que vêm passando decorrem, em grande medida, da tentativa de dissimular o impacto sobre as contas públicas das gigantescas transferências do Tesouro ao BNDES: mais de R$230 bilhões, entre 2008 e 2010.
Tivessem tais transferências configurado operações tradicionais de capitalização, com aumento do capital próprio do banco, teriam tido impacto adverso sobre as contas públicas, com redução do resultado primário e aumento da dívida líquida do governo. Para dissimular tais efeitos, o governo apelou para o subterfúgio da capitalização velada. Em vez de reforçar o capital próprio do banco, o Tesouro agraciou-o com empréstimos de longuíssimo prazo a juros subsidiados, com recursos advindos da emissão de dívida pública. Isso só apareceu nas estatísticas de dívida bruta.
Não obstante todas as ponderações em contrário, o governo confirmou que o Tesouro fará novo aporte de R$55 bilhões ao BNDES em 2011, na contramão do corte de gastos que havia sido anunciado. É bem sabido que nos últimos anos os indicadores de desempenho fiscal deixaram de indicar o que deveriam. As deturpações por que vêm passando decorrem, em grande medida, da tentativa de dissimular o impacto sobre as contas públicas das gigantescas transferências do Tesouro ao BNDES: mais de R$230 bilhões, entre 2008 e 2010.
Tivessem tais transferências configurado operações tradicionais de capitalização, com aumento do capital próprio do banco, teriam tido impacto adverso sobre as contas públicas, com redução do resultado primário e aumento da dívida líquida do governo. Para dissimular tais efeitos, o governo apelou para o subterfúgio da capitalização velada. Em vez de reforçar o capital próprio do banco, o Tesouro agraciou-o com empréstimos de longuíssimo prazo a juros subsidiados, com recursos advindos da emissão de dívida pública. Isso só apareceu nas estatísticas de dívida bruta.
Nas de dívida líquida, o governo se permitiu neutralizar o impacto, abatendo como ativos os próprios empréstimos concedidos. No resultado primário, as transferências simplesmente não foram registradas. Uma omissão colossal, que até o FMI se viu obrigado a assinalar.
Se as transferências ao BNDES não tivessem sido omitidas, como teriam ficado as contas de resultado primário? As variações dos créditos do Tesouro junto ao BNDES mostram que tais transferências foram de R$28,8 bilhões em 2008, R$93,8 bilhões, em 2009 e R$107,5 bilhões, em 2010. Em porcentagem do PIB: 0,95%, 2,94% e, novamente, 2,94%.
De acordo com as contas oficiais (que omitem as transferências ao BNDES), o superávit primário do setor público, também em porcentagem do PIB, foi de 3,31% em 2007, 3,42% em 2008, 2,03% em 2009 e 2,79% em 2010. Se, desses percentuais, forem abatidas, nos três últimos anos, as transferências ao BNDES mencionadas acima, a série de resultado primário do setor público passa a mostrar evolução bastante distinta: superávit de 2,47% em 2008, déficit de 0,91% em 2009 e novo déficit de 0,15% em 2010.
A leitura correta dos instrumentos permite agora percepção muito mais nítida dos impulsos fiscais observados nos últimos anos. Quem ainda estava à cata de uma boa explicação para a brutal expansão de 10,3% na demanda interna em 2010, pode interromper a busca.
É dessa perspectiva que se deve indagar se faz sentido novo aporte ao BNDES de R$55 bilhões - mais de 1,3% do PIB - em 2011. Mesmo que o governo consiga cumprir a meta oficial de superávit primário para este ano, de 2,9% do PIB, o superávit efetivo, tendo em conta o novo aporte, não passará de 1,6% do PIB. Ou seja, menos da metade do superávit observado antes da crise, em 2007. Não há nada que justifique tal impulso fiscal a esta altura, quando, pelo contrário, se esperava que a política fiscal fosse capaz de reduzir a sobrecarga que tem recaído sobre a política monetária no combate à inflação.
Até quando a condução da política macroeconômica continuará a ser feita com base em indicadores fiscais tão deturpados?
Rogério Furquim Werneck é economista.
FONTE: O GLOBO
Se as transferências ao BNDES não tivessem sido omitidas, como teriam ficado as contas de resultado primário? As variações dos créditos do Tesouro junto ao BNDES mostram que tais transferências foram de R$28,8 bilhões em 2008, R$93,8 bilhões, em 2009 e R$107,5 bilhões, em 2010. Em porcentagem do PIB: 0,95%, 2,94% e, novamente, 2,94%.
De acordo com as contas oficiais (que omitem as transferências ao BNDES), o superávit primário do setor público, também em porcentagem do PIB, foi de 3,31% em 2007, 3,42% em 2008, 2,03% em 2009 e 2,79% em 2010. Se, desses percentuais, forem abatidas, nos três últimos anos, as transferências ao BNDES mencionadas acima, a série de resultado primário do setor público passa a mostrar evolução bastante distinta: superávit de 2,47% em 2008, déficit de 0,91% em 2009 e novo déficit de 0,15% em 2010.
A leitura correta dos instrumentos permite agora percepção muito mais nítida dos impulsos fiscais observados nos últimos anos. Quem ainda estava à cata de uma boa explicação para a brutal expansão de 10,3% na demanda interna em 2010, pode interromper a busca.
É dessa perspectiva que se deve indagar se faz sentido novo aporte ao BNDES de R$55 bilhões - mais de 1,3% do PIB - em 2011. Mesmo que o governo consiga cumprir a meta oficial de superávit primário para este ano, de 2,9% do PIB, o superávit efetivo, tendo em conta o novo aporte, não passará de 1,6% do PIB. Ou seja, menos da metade do superávit observado antes da crise, em 2007. Não há nada que justifique tal impulso fiscal a esta altura, quando, pelo contrário, se esperava que a política fiscal fosse capaz de reduzir a sobrecarga que tem recaído sobre a política monetária no combate à inflação.
Até quando a condução da política macroeconômica continuará a ser feita com base em indicadores fiscais tão deturpados?
Rogério Furquim Werneck é economista.
FONTE: O GLOBO
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