Jatinho, carro blindado, equipe de assessores, hotéis e restaurantes estrelados são exigências dignas de um Mick Jagger a serem cumpridas para ter direito a uma palestra no exterior do ex-presidente Lula – além do cachê de US$ 300 mil (descontados os impostos), o dobro do cobrado por Fernando Henrique. Em sete meses, Lula já viajou vinte vezes ao exterior, nove como conferencista.
Lula popstar
Ex-presidente viaja ao redor do mundo para dar palestras com uma série de regalias
Gilberto Scofield Jr.
SÃO PAULO. Nos últimos sete meses, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva fez 15 palestras remuneradas, 20 viagens ao exterior (nove como palestrante) e 14 pelo Brasil (seis palestras, incluindo três em São Paulo). Com uma agenda que inclui apresentações remuneradas para empresas, discursos não remunerados para instituições variadas (universidades, fóruns, associações, centros de estudo, entre outros) e encontros com chefes de Estado, Lula se transformou no palestrante mais caro do país e um dos mais ativos vendedores do Brasil lá fora, como nos tempos do Planalto.
O Lula ex-presidente mantém seu status de celebridade, uma espécie de Madonna política: do agendamento de voos e hotéis ao pagamento de jantares e compras no exterior, tudo é resolvido por seu grupo de assessores. Os deslocamentos são feitos de jatinhos e carros blindados. Seu cachê para palestras no exterior, que começou em US$200 mil no início do ano, já passou para US$300 mil, líquidos, o dobro dos US$150 mil cobrados pelo seu antecessor, Fernando Henrique, e em linha com os valores cobrados internacionalmente por políticos como o ex-presidente dos Estados Unidos Bill Clinton ou o ex-primeiro-ministro britânico Tony Blair.
Lula não abre mão da equipe de oito servidores públicos que o assessoram como ex-presidente - quatro servidores para atividades de segurança e apoio pessoal, dois motoristas e dois assessores estratégicos. Na maioria dos casos, a comitiva cresce com a presença de outros assessores - Lula faz questão de levar nas viagens ao exterior o seu tradutor dos tempos de Planalto, Sérgio Ferreira - e da ex-primeira-dama Marisa Letícia da Silva.
- O ex-presidente não assina um cheque e tudo é resolvido por seus assessores, como na Presidência. É uma celebridade como Madonna, que nunca paga um jantar e tem vários assessores que quitam suas contas, suas compras, cuidam de suas malas e fazem seu check in - diz um executivo que já negociou com a empresa responsável pelas palestras remuneradas de Lula, a L.I.L.S Palestras, Eventos e Publicações.
A empresa foi aberta em março, em sociedade com o amigo de longa data, o empresário e ex-presidente do Sebrae Paulo Okamotto. Uma vez definido o preço da palestra por Okamotto e Lula, os outros detalhes costumam ficar a cargo de Clara Ant, a ex-assessora especial da Presidência.
A equipe também trabalha no Instituto Cidadania, que administra as viagens, nas quais Lula comparece mais como ex-chefe de Estado convidado do que como palestrante.
Nas viagens, Lula é recebido com a mesma pompa e alvoroço das mais populares celebridades. São eventos tão diferentes quanto o aniversário da Frente Ampla, no Uruguai; o bicentenário do Congresso chileno; o Fórum Social Mundial; o Fórum da Al Jazeera no Qatar; ou o Congresso da União Africana; além de um sem número de prêmios e condecorações, como o Prêmio Norte Sul em Lisboa ou o título honoris causa da Universidade de Coimbra.
Lula só voa de jatinho para o exterior - o ex-presidente já circulou nos aviões de Josué Gomes da Silva (filho do falecido vice-presidente José Alencar), Marcelo Odebrecht, Jorge Gerdau e do magnata mexicano Carlos Slim -, faz questão de ficar em hotéis cinco estrelas (toda a comitiva no mesmo andar), de circular em carros blindados e jantar em restaurantes especiais.
- Ex-chefes de Estado são tratados com especial deferência em qualquer lugar do mundo quando atingem um status como o do presidente Lula. O esquema é de celebridade mesmo - diz Mariana Chiavini, do grupo Dória, uma das mais ativas empresas de organização de congressos e palestras.
O grupo Dória trouxe ao Brasil Bill Clinton, Tony Blair e o ex-secretário-geral da ONU Kofi Annan.
Mas Lula tem suas particularidades. Não gosta de discursar durante almoços ("para não concorrer com o prato de comida", diz um empresário) nem muito cedo. E gosta de ter um dia livre para passeios e compras, algo impossível durante a Presidência, a não ser que o Itamaraty achasse conveniente.
O discurso, que muitas vezes era feito de improviso, ganhou uma preparação mais rígida e mais focada, o que não impede o ex-presidente de ainda cair no choro, como ocorreu na cerimônia de entrega do título honoris causa da Universidade Federal de Pernambuco, mês passado.
Ainda que muitos ex-presidentes estrangeiros viagem ao exterior para fazer lobby para as empresas de seus países, Lula diz que não é lobista. Ele foi alvo de insinuações quando a Odebrecht o convidou para dar palestras na Venezuela e no Panamá, dois países onde a construtora investe pesadamente, e ao levá-lo a Angola, onde também tem negócios. Lula visitou as obras e conversou com os presidentes dos países. Mas, segundo sua assessoria, ele sempre faz "a defesa de interesses da economia brasileira, de ampliação do comércio, algo semelhante ao que fazia quando era presidente. E não recebe para isso".
Em nota, a Odebrecht afirmou que "o ex-presidente Lula, apontado pela revista "Time" como uma das 100 pessoas mais influentes do mundo em 2010 e reconhecido pela obra social de seu governo e por ter dado nova dimensão à imagem do Brasil no exterior, foi convidado pela Odebrecht a fazer palestras para empresários, investidores, líderes políticos e formadores de opinião no Panamá (20/5) e na Venezuela (3/6). Em Angola, o ex-presidente Lula foi convidado pelo Centro de Estudos Estratégicos de Angola (CEEA) para apresentar uma palestra a empresários, formadores de opinião, representantes do governo angolano e das embaixadas dos países africanos como em evento comemorativo do 10º aniversário da entidade. O evento foi patrocinado pela Odebrecht e pelo CEEA, instituição privada, de utilidade pública, sem fins lucrativos, de caráter científico e que tem como missão contribuir para o desenvolvimento de Angola".
Nas palestras internacionais, os impostos são recolhidos pelo anfitrião, que costuma exigir a abertura de uma empresa, o que Lula fez com a L.I.L.S. O motivo é o planejamento tributário: os impostos pagos pelas empresas são menores do que os impostos pagos pelas pessoas físicas. Segundo cálculo do juiz federal Anderson Fulan, presidente da Associação Paranaense dos Juízes Federais, em artigo para o portal jurídico "Jus Navigandi", levando-se em consideração os cerca de R$200 mil que Lula cobra por palestras no Brasil, o total de impostos pagos como empresa chega a R$29.060, menos da metade do que seria pago se Lula cobrasse como pessoa física - R$60.570,30.
FONTE: O GLOBO
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