A "judicialização" da política produziu ontem duas decisões que terão influência importante na nossa vida partidária, e não necessariamente para o seu aperfeiçoamento. Por quatro votos a três, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) liberou o registro de candidaturas para os políticos com as contas sujas, num recuo provocado pela pressão dos partidos.
Em março último, o TSE decidira que não poderiam ser candidatos políticos que tivessem contas de campanhas reprovadas .
Por sua vez, decisão de ontem do Supremo Tribunal Federal (STF), que na prática concedeu ao PSD o tempo de propaganda eleitoral no rádio e na TV proporcional à sua bancada na Câmara, tem um efeito perverso que vai além do fortalecimento imediato da nova sigla criada pelo prefeito paulistano, Gilberto Kassab.
O novo PSD ganhará um reforço nas negociações políticas para alianças ainda nesta eleição municipal, sem dúvida, e o partido mais diretamente afetado será o DEM, de onde veio a grande maioria de seus fundadores e atuais membros.
O tempo de propaganda migrará do DEM para o PSD, enfraquecendo um e fortalecendo o outro. Mas, além do resultado imediato, a interpretação do STF traz com ela um efeito deletério para a já desgastada organização partidária do país.
Não foi à toa que o ministro Joaquim Barbosa propôs que a ação não fosse nem julgada, já que o tema deveria ser tratado "em abstrato", mas na realidade o centro da discussão era o PSD, mesmo que a sigla não fosse citada diretamente, o que, para ele, gerará uma consequência que "não será boa" para o quadro partidário.
Já os ministros Cezar Peluso e Marco Aurélio Mello, antevendo os perigos para a democracia que a decisão pode gerar, foram além e votaram pelo fim da regra de divisão do tempo de rádio e televisão com base no número de deputados federais filiados.
Como a Constituição garante aos partidos o direito de igualdade na disputa eleitoral, o tempo da propaganda deveria ser dividido igualmente entre todos os partidos com candidatos.
Os votos do ministro Marco Aurélio Mello são exemplares da confusão que está sendo instalada no quadro partidário.
Ele votou no Tribunal Superior Eleitoral contra a formação do PSD, pois considerou que a legislação não foi observada integralmente, mas, diante da aprovação da sigla, viu-se na obrigação de votar a favor do direito do novo partido de receber sua parcela proporcional do Fundo Partidário.
Para não se comprometer com o erro, o ministro Marco Aurélio Mello votou ontem no Supremo pelo fim da distribuição do tempo de acordo com as bancadas da Câmara, pois considera que esse sistema de divisão provoca a formação de partidos de aluguel que vivem de seus tempos de propaganda eleitoral.
A questão incomodava tanto aos partidos que a ação no TSE foi feita pelo DEM e por mais 20 outros partidos políticos, que foram todos derrotados pela maioria do Supremo, para onde a ação acabou sendo encaminhada antes do final do julgamento no TSE, para que a questão fosse decidida "em abstrato", a fim de valer para qualquer partido que tenha sido ou venha a ser criado depois da eleição de 2010, até que a próxima eleição, em 2014, possa definir a bancada partidária das novas legendas.
Os ministros que concordaram com a tese de que os partidos formados dentro da legislação da fidelidade partidária, que permite a mudança de legenda para a formação de um novo partido, têm o direito ao tempo de seus membros basearam-se na realidade criada pela legislação.
Mesmo que jamais tenha disputado uma eleição, esse partido teria que ter meios de subsistir até a próxima eleição e tempo de propaganda eleitoral correspondente à bancada que formou - no caso do PSD, uma das maiores da Câmara, com 52 deputados.
Na verdade, a decisão do Supremo, além de estar em contradição com uma decisão anterior do Tribunal Superior Eleitoral que definiu que a votação recebida por um parlamentar pertence ao partido, e não ao candidato, pode significar a institucionalização da venda do tempo de televisão.
A mais recente realização nesse campo foi a aliança entre Lula e Maluf para dar mais um minuto e 30 segundos para a campanha eleitoral do candidato petista Fernando Haddad em São Paulo.
Esse mercado eleitoral, que já é fartamente conhecido de todos, ganhará agora novas variantes de chantagem. Se de repente um grupo de deputados está em dificuldades políticas em um partido, pode ameaçar sair para criar outro, levando consigo o tempo de televisão.
Ou um grupo pode derrubar o tempo de um candidato às vésperas da eleição. Alguns políticos consideraram que o Supremo está mudando a regra das eleições depois de os partidos já terem escolhido seus candidatos, provocando uma insegurança jurídica brutal às vésperas da eleição.
É improvável, no entanto, que a decisão de ontem mude radicalmente as alianças políticas já firmadas, mas, do ponto de vista dos partidos, é um fato gravíssimo, que pode ameaçar a oposição em pleitos futuros.
Pontualmente, terá influência em algumas alianças. O DEM, por exemplo, perdeu o único argumento político forte que tinha contra o PSD, e, embora o presidente do partido, senador Agripino Maia, tenha garantido ontem que todas as alianças feitas pelo partido estão mantidas, é evidente que pode haver repercussões nos próximos dias, até a formalização oficial dos acordos e da escolha dos candidatos, prazo que termina no início de julho.
O duro golpe que o PSD recebera quando o procurador-geral eleitoral, Roberto Gurgel, votara contra suas pretensões em relação ao tempo de televisão, agora foi sentido pelo DEM, que contava com o revés do adversário para se fortalecer e até mesmo receber de volta muitos dos que haviam abandonado a legenda para criar o PSD. Agora, é possível que novas defecções aconteçam.
FONTE: O GLOBO
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