Comissão veta 9 testemunhas indicadas pela ex-chefe de gabinete, que é acusada de tráfico de influência
Vinicius Sassine
BRASÍLIA - A ex-chefe de gabinete da Presidência da República em São Paulo Rosemary Noronha sofreu duas derrotas no processo administrativo disciplinar em curso na Controladoria Geral da União (CGU). Por determinação do ministro-chefe da CGU, Jorge Hage, a comissão responsável pelo processo restringiu a apuração ao tráfico de influência supostamente praticado por Rosemary dentro do governo, sem estender a investigação a outros servidores públicos, em outros casos, como quer a defesa da acusada.
A orientação do ministro já teve efeitos práticos: a comissão vetou nove das 20 testemunhas indicadas por Rosemary para defendê-la, entre elas o ministro da Secretaria Geral da Presidência, Gilberto Carvalho, e o ex-embaixador do Brasil na Itália, o ex-ministro da Defesa José Viegas Filho. Além disso, a comissão processante da CGU negou pedido dos advogados por diligências em normas que permitem acesso ao conteúdo de e-mails institucionais no curso de uma investigação.
Também deixarão de ser ouvidos, contrariando os interesses da defesa, a ex-ministra da Casa Civil Erenice Guerra; o secretário-executivo do Ministério da Previdência, Carlos Gabas; o secretário-executivo da Casa Civil, Beto Vasconcelos; e Lúcio Reiner, ex-tradutor de francês e espanhol do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. A indicação dos nomes para testemunhas de defesa e a exclusão pela CGU foram confirmadas pelo advogado de Rosemary, Fábio Medina Osório. Ele diz ter sido notificado da decisão na última terça-feira.
O processo disciplinar foi aberto na Corregedoria da CGU depois de a Casa Civil da Presidência concluir uma sindicância, no fim de janeiro, que detalha diversas irregularidades por parte de Rosemary, com informações sobre a prática de tráfico de influência.
O Ministério Público Federal denunciou a ex-chefe de gabinete da Presidência em São Paulo, protegida de Lula, por tráfico de influência, corrupção passiva, formação de quadrilha e falsidade ideológica. Ela é acusada na Justiça Federal de integrar a organização criminosa responsável por um esquema de compra e venda de pareceres jurídicos no governo, desbaratada em novembro na Operação Porto Seguro, da PF.
Na esfera administrativa, o processo disciplinar caminha para a reta final, e a CGU tem até seis de junho para concluir as investigações. Exonerada do cargo de chefe de gabinete da Presidência em São Paulo ainda em novembro, três dias depois da operação da PF, Rosemary poderá agora ser punida com a destituição do cargo em comissão, o que a proibirá de retornar ao serviço público ou de se candidatar a cargo eletivo. A ex-chefe de gabinete deve depor no processo nesta reta final do processo.
- No momento oportuno, será divulgado o que ela vai falar - diz Medina Osório.
Para minimizar as tentativas de protelação da defesa de Rosemary, a CGU decidiu manter o foco inicial da investigação. Assim, no âmbito do processo disciplinar, os dois corregedores e o analista que compõem a comissão não deverão realizar diligências, como verificar a lista de hóspedes da Embaixada do Brasil em Roma, cuja sede e residência oficial do embaixador é o luxuoso Palácio Pamphili. Esta era mais uma estratégia da defesa. A sindicância da Casa Civil, que originou o processo disciplinar na CGU, mostrou que Rosemary se hospedou no palácio fora de missão oficial, durante a gestão do embaixador José Viegas.
O mesmo raciocínio se aplica à aceitação de testemunhas de defesa. Foram admitidas apenas pessoas que têm o que falar sobre o suposto tráfico de influência. Nem a CGU nem a defesa da ex-chefe de gabinete dizem quem são essas 11 testemunhas. Para o advogado Medina Osório, as decisões da comissão processante sobre as diligências pedidas e sobre as indicações de testemunhas cerceiam a defesa de Rosemary.
- Dezesseis fatos são objeto do processo disciplinar. A legislação permite oito testemunhas por fato. Todas elas são relevantes para elucidar o caso. Além disso, indeferir provas é um procedimento incomum, que vai atrapalhar a investigação - afirma o advogado.
E-mails acessados por sindicância
A defesa de Rosemary pediu que a CGU apurasse, no curso do processo disciplinar, a permissão que supostamente existe dentro do governo para acesso ao conteúdo de e-mails funcionais, como parte de uma investigação.
Segundo Medina Osório, as mensagens de Rosemary foram acessadas para a sindicância da Casa Civil, o que só poderia ter ocorrido, conforme o advogado, mediante a assinatura de uma autorização. A CGU leva em conta que existe um entendimento do Tribunal Superior do Trabalho (TST) sobre o acesso a e-mails no curso de investigações.
Outro processo disciplinar em curso na CGU investiga a conduta de Paulo Vieira, ex-diretor da Agência Nacional de Águas (ANA) denunciado pelo MPF por supostamente chefiar a quadrilha - a denúncia lista os crimes de formação de quadrilha, corrupção ativa, falsidade ideológica, falsificação de documento particular e tráfico de influência.
A defesa tem manifestado no processo que "outros também praticaram" atos ilícitos, mas a CGU não ampliará a investigação neste primeiro momento. Por ser servidor efetivo, Paulo Vieira poderá ser demitido ao fim da apuração.
Favores que iam de empregos a cruzeiro
A denúncia do Ministério Público Federal (MPF) em São Paulo sobre a suposta participação de Rosemary Noronha no esquema de compra e venda de pareceres jurídicos identifica 27 situações em que ela pede, cobra ou recebe favores de Paulo Vieira, ex-diretor da Agência Nacional de Águas (ANA) apontado pelas investigações como chefe da quadrilha. Vieira, por sua vez, teria pedido 15 favores à então chefe de gabinete da Presidência da República em São Paulo, conforme a denúncia.
A troca de favores incluía presentes caros e corriqueiros, como uma viagem num cruzeiro marítimo, reforma de um apartamento, serviços de marceneiro, empregos no governo federal. É o caso de um cargo na Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) obtido para a filha de Rosemary no fim do governo do presidente Lula.
E-mails usados na investigação da PF mostram pedidos de empréstimo em dinheiro a Vieira e um agradecimento sobre a compra de casa para uma terceira pessoa.
Rose também tinha influência em nomeações para o governo e na intermediação de reuniões com ministros e governadores, a serviço de empresários. Participava de reuniões com diretores do Banco do Brasil e tinha influência no banco.
Fonte: O Globo
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