Entre parlamentares da própria base governista, a presidente Dilma Rousseff é responsabilizada pela sucessão de derrotas e constrangimentos impostos ao Palácio do Planalto pelo Congresso - e vice-versa. Até aliados aparentemente insuspeitos demonstram, lá no fundo, torcida por um tropeço do projeto da reeleição.
No Congresso faltam líderes com autoridade e habilidade para comandar entendimentos suprapartidários, construir pontes entre os três Poderes e prevenir crises institucionais. Mas, sem aval do governo, nenhum acordo é possível no Legislativo, especialmente com uma maioria parlamentar governista tão expressiva. "No regime presidencialista, o maestro é o presidente", resume um senador.
Há, na própria base, cansaço com a falta de articulação política do governo, o que deixa deputados e senadores muitas vezes sem orientação sobre projetos em tramitação. Ou são pressionados a votar contra suas posições. A própria presidente não gosta de operar politicamente e cerca-se de gente considerada inexperiente e inábil, como a ministra Gleisi Hoffmann (Casa Civil), cuja atuação é criticada. É chamada de "nariz empinado", "intocável" e "protegida" de Dilma.
Governistas atribuem derrotas à falta de coordenação
Os parlamentares preferem tratar com a ministra Ideli Salvatti (Relações Institucionais), mas avaliam que ela não tem poder para garantir cumprimento de compromissos. Não apenas aqueles movidos por razões fisiológicas, como cargos, dinheiro ou emendas orçamentárias. Faz falta, de acordo com parlamentares, a negociação política normal em qualquer democracia, com diálogo entre governo e Legislativo.
Os exemplos de derrotas do Planalto são vários. O "núcleo pensante" do PT dividiu o próprio partido ao articular a votação, na Câmara e no Senado, do projeto que restringe o acesso de novos partidos políticos a tempo de televisão e fundo partidário. Senadores petistas consideraram a articulação "amadora" e "autoritária", para prejudicar a candidatura de Marina Silva a presidente. Quem criticou foi pressionado a voltar atrás.
O plenário estava lotado, mas na hora da votação a base sumiu. A sessão caiu por falta de quórum. O Supremo Tribunal Federal (STF) deu liminar interrompendo a tramitação. Houve risco de crise entre o Legislativo e o Judiciário, que ainda está sendo administrado. Constrangidos, petistas querem que, mesmo que o STF libere a votação, Dilma barre a tramitação e "livre a base desse mico".
Senadores atribuem à "omissão" da presidente, por exemplo, papel fundamental na derrota do governo, terça-feira, com a aprovação da resolução que reforma o ICMS, pela Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) do Senado. Dilma é a única com autoridade para negociar a questão federativa com os governadores. A proposta do governo foi desfigurada, com a maioria dos Estados se unindo contra o Sul e o Sudeste.
Os exemplos de propostas mal conduzidas pelo Planalto são vários, como a divisão dos royalties do petróleo, o código florestal e a Medida Provisória que muda o marco regulatório do setor portuário. Neste último caso, o Planalto pediu ao líder do governo no Senado, Eduardo Braga (PMDB-AM), que fosse relator. Após 138 audiências e 11 semanas, ele elaborou um texto negociado com os setores envolvidos, deixando aberta a possibilidade de Dilma vetar. Gleisi rejeitou o acordo.
Até quando a presidente resolve agir politicamente, leva bordoada dos aliados. Na sexta-feira, chamou o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), e o senador José Sarney (PMDB-AP), para conversar sobre MP dos Portos e outros assuntos. "Só piorou o clima. Ela desprezou os líderes e chamou os caciques", diz um governista. Segundo avaliação desse parlamentar, a presidente não percebeu que há uma "nova correlação de forças no Senado".
O vice-presidente, Michel Temer, presidente nacional do PMDB licenciado, que tem atuado principalmente para manter alianças com o PT, também tem sido cobrado para que controle o PMDB da Câmara dos Deputados. O presidente da Casa, Henrique Alves (RN), e o líder da bancada, Eduardo Cunha (RJ), são dois focos de problemas para o governo e Temer foi avalista da eleição dos dois.
Eduardo Cunha é uma pedra no sapato do governo. A última queda de braço ocorreu na MP dos Portos. Já o presidente da Câmara é criticado, entre outras razões, por defender o que o governo não quer, como o orçamento impositivo, e por não prever a crise que seria causada pela eleição de Marco Feliciano (PSC-SP) para presidente da Comissão de Direitos Humanos.
Chama a atenção o diagnóstico generalizado entre parlamentares de que a falta de aptidão política e o estilo centralizador de Dilma - que quer sempre dar a palavra final sobre qualquer detalhe de qualquer assunto - dificultam as negociações e emperram o andamento das propostas. A relação não é difícil apenas entre parlamentares do governo e da oposição. Os governistas também andam se entendendo cada vez menos.
A base critica a atuação de líderes, que, por sua vez, ressentem-se de falta de interlocução com o núcleo decisório do Planalto e de não terem carta branca para comandar acordos. "Os 39 ministérios de nada adiantam para garantir apoio ao governo. A presidente perdeu o controle do Congresso", diz um aliado dela. "Nunca vi uma articulação política tão ruim, graças a Deus", afirma o presidente do DEM, senador José Agripino (RN). "A oposição só não tem grandes vitórias porque é numericamente muito menor."
A sensação predominante hoje pode ser definida como de "orfandade política", expressão usada pelo senador Cristovam Buarque (PDT-DF) na sessão solene em tributo ao ex-deputado federal e ex-ministro de Justiça Fernando Lyra, morto em fevereiro. Foi um raro momento de entendimento entre governistas e oposicionistas. Do presidente do PSDB, deputado Sérgio Guerra (PE), ao deputado José Genoino (SP), ex-presidente do PT, todos os discursos lembraram o papel de Lyra na transição democrática. E a falta que uma figura como ele faz no cenário político atual.
Fonte: Valor Econômico
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