- Valor Econômico
PIB mais forte pode deixar erros do governo em segundo plano
A recuperação da economia brasileira enfim ganha fôlego, com vários analistas apostando num crescimento acima de 2% em 2020 - Bradesco e Credit Suisse, por exemplo, projetam expansão de 2,5% no ano que vem. O grande destaque pelo lado da demanda deverá ser o consumo das famílias, mas também há sinais de um desempenho melhor do investimento, ainda que não se espere um resultado exuberante. São boas notícias para um país com 12,4 milhões de desempregados, que viu o Produto Interno Bruto (PIB) afundar 3,5% em 2015 e 3,3% em 2016 e depois avançar a uma taxa pouco superior a 1% por três anos seguidos. A expansão do crédito, a queda forte dos juros e a redução das incertezas sobre a sustentabilidade das contas públicas, com a aprovação da reforma da Previdência, formam um quadro mais favorável para a aceleração da atividade.
Essa perspectiva de melhora é sem dúvida bem-vinda, mas não deveria ofuscar os problemas na orientação do governo Jair Bolsonaro em áreas como educação, ambiente e relações exteriores -e por vezes na própria economia. A falta de rumo na educação, por exemplo, é um obstáculo para o país conseguir melhorar a qualidade do capital humano e, com isso, a produtividade. Em vez de definir diretrizes claras para dar prioridade à educação básica, o ministro Abraham Weintraub perde tempo em polêmicas estéreis.
Já o descaso com o ambiente, evidenciado na expansão do desmatamento e nas declarações de Bolsonaro e do ministro Ricardo Salles, pode afugentar investimentos de empresas e fundos estrangeiros, além de dificultar a aprovação de acordos comerciais.
Marcada pelo alinhamento incondicional aos EUA, a política externa, por sua vez, não tem dado resultados, como ficou evidente mais uma vez no anúncio feito pelo presidente Donald Trump na semana passada, de que vai retomar a sobretaxa sobre o aço e o alumínio brasileiros. A estratégia de confronto com o presidente eleito da Argentina, Alberto Fernández, tampouco é útil aos interesses brasileiros, uma vez que o país vizinho é um grande comprador de produtos manufaturados.
Além de serem preocupantes em si mesmas, as políticas para essas áreas cruciais podem comprometer o próprio crescimento do país, ainda que não imediatamente. Num ambiente de recuperação mais forte da economia, contudo, esses e outros problemas do governo podem passar a incomodar menos. “São temas que mexem com setores importantes e organizados. Sempre haverá uma reação”, avalia Ricardo Ribeiro, analista político da MCM Consultores Associados. “Para o pessoal dos negócios”, porém, os erros e deslizes tendem a ser “tolerados se a economia andar. Para o grosso da população, também”, diz ele.
Se a economia engrenar e finalmente superar para valer o patamar de 1% de crescimento registrado nos últimos três anos, as bizarrices, as excentricidades e os arroubos autoritários - alguns apenas retóricos, outros efetivos - do governo Bolsonaro tendem a ficar em segundo plano”, avalia Ribeiro, em nota.
“É certo que algo em torno de 2,5% de crescimento, patamar para o qual convergem as expectativas para 2020, pode não ser suficiente para melhorar de maneira acentuada a sensação de bem-estar do conjunto da população”, observa Ribeiro. “O desemprego continuará elevado e os novos empregos podem ser precários e de baixa remuneração. Entretanto, quanto maior o crescimento, maior tende a ser a boa vontade da população em relação ao governo.”
Para Ribeiro, fatores como “o pouco caso do governo com o meio ambiente, a declaração do ministro da Educação a respeito da alegada existência de extensas plantações de maconha em universidades federais, os ataques de Bolsonaro a determinados empresas da mídia e a proteção a outras, as menções levianas ao AI-5 feitas por gente de dentro ou próxima ao governo, entre outras atitudes polêmicas, ofendem setores importantes da sociedade. Mas, para a maioria da população, tendem a ser toleradas ou esquecidas se a economia enfim passar a crescer em ritmo mais acentuado”.
Há obviamente incertezas em relação ao crescimento no ano que vem, mas o cenário econômico sugere que uma expansão superior a 2% em 2020 não parece excesso de otimismo. O resultado do PIB do terceiro trimestre, com alta de 0,6% sobre o trimestre anterior, mostrou uma economia crescendo a um ritmo um pouco superior ao que a maior parte dos economistas esperava. No quarto trimestre, há sinais que apontam para uma atividade mais forte, um período em que haverá o efeito mais significativo da liberação dos recursos do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS). A indústria teve um bom desempenho em outubro e tudo indica que o varejo teve um bom mês de vendas em novembro, com as promoções da Black Friday. Além disso, houve redução da incerteza e aumento da confiança empresarial no mês passado, segundo a Fundação Getulio Vargas.
Por fim, a criação de empregos formais nos últimos meses aponta um ritmo um pouco mais firme, de acordo com o Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged).
Com a perspectiva de redução adicional dos juros básicos, de 5% para 4,5% ao ano ou até menos, e a avaliação dominante de que a Selic ficará baixa por um período considerável, a atividade ganhará um relevante impulso monetário. É verdade que há fontes de incerteza, como o ambiente externo, caracterizado pela desaceleração da economia global, num quadro de guerra comercial entre EUA e China. Outro foco de indefinição pode vir do próprio governo, se houver problemas para fazer avançar a agenda de reformas no Congresso.
Segundo o economista-chefe do Credit Suisse, Leonardo Fonseca, basta a economia manter o ritmo de alta de 0,5% a 0,6% - registrado no segundo e no terceiro trimestre deste ano em relação ao anterior - que o PIB crescerá 2,5% em 2020. Se concretizado, esse quadro ajudará a dar mais gás à recuperação em curso do mercado de trabalho.
Para Ribeiro, “o impacto de boas notícias na economia sobre o estado de espírito dos agentes econômicos tende a ser maior neste momento, após anos de recessão e crescimento pífio”. Nesse cenário, pode haver maior tolerância em relação a políticas problemáticas do governo em áreas como educação, ambiente e relações exteriores, o que seria algo preocupante.
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