- Folha de S. Paulo
Velha e jovem guarda disputam o significado histórico da escravidão nos EUA
O debate do significado e dos efeitos sociais do longo período de escravidão negra nas Américas ganhou neste ano a contribuição do projeto 1619, do jornal The New York Times. O nome alude ao ano em que aportou na Virgínia o primeiro navio com cativos africanos.
No texto que abre a coleção, a jornalista Nikole Hannah-Jones estabelece uma das marcas distintivas da iniciativa. A Independência dos EUA, de 1776, não teria passado de contrarrevolução da elite para preservar a escravidão então ameaçada pelos colonizadores britânicos.
Que a provocação não seria tolerada pela direita neocon já se antevia.
Mas a reação mais interessante surge agora da esquerda trotskista americana, que publicou num site da Quarta Internacional Socialista uma série de entrevistas com historiadores de alta reputação acadêmica que, embora ignorados na investigação do Times, formulam críticas substantivas a postulados do trabalho.
Resumindo grosseiramente o que dizem nomes como Gordon Wood e James McPherson, a coisa era bem mais complicada e contraditória do que leva a crer a narrativa do jornal.
É impossível sublimar o fato de o abolicionismo, novidade na trajetória milenar do escravismo, ter realizado a primeira reunião da história na Filadélfia, em 1775. A escravidão foi proibida em territórios do meio-oeste em 1787; a importação, em 1807. No norte, a abolição legal estava encaminhada em 1804.
Não se coloca numa Declaração de Independência a ideia revolucionária de que todos nascemos iguais e livres sem produzir, como consequência, um embaraço enorme para os interesses escravistas e racistas.
Da crítica da velha guarda de historiadores à mais jovem fica a impressão de que a esquerda abandona a boa tradição marxista de considerar as ambivalências, as incertezas e as contradições da sociedade em seus esquemas interpretativos.
O contexto, as nuances e as lacunas de informação vão sendo atropelados e trocados por mensagens de combate que cabem num tuíte.
*Vinicius Mota, Secretário de Redação da Folha
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