- Folha de S. Paulo
Os fatos estão do lado de documentário de Petra Costa
Em minha cena favorita de “Democracia em Vertigem”, a diretora Petra Costa mostra funcionários preparando o Palácio do Alvorada para a chegada de Temer. Na hora, lembro de ter pensado “eu queria ouvir a opinião dessa senhora da limpeza”. A documentarista também quis, e ouviu a seguinte resposta: se o PT não tivesse culpa, aquele movimento todo não teria acontecido. Mas a saída escolhida para a crise não foi democrática, e o ideal teria sido a realização de novas eleições.
A opinião da senhora que cuida da limpeza do Palácio da Alvorada é muito semelhante à opinião majoritária em 2016. A mesma ampla maioria que apoiava o impeachment de Dilma também apoiava o de Temer, e a proposta de realizar novas eleições era amplamente popular. O clima era de mobilização, e o discurso era de que, se Temer decepcionasse, também seria derrubado.
Nada disso aconteceu.
Apoiadores sinceros do impeachment não se viram retratados no documentário de Petra Costa. Eles não quiseram acordão, eles deixaram de apoiar os políticos de direita acusados de corrupção, eles defenderam a queda de Temer. Mas os fatos estão do lado de “Democracia em Vertigem”: quem tinha essas posições perdeu.
Quem ganhou com a derrubada de Dilma Rousseff foram aqueles senhores que votaram no plenário e queriam coisas bem diferentes.
Outro que ganhou foi Bolsonaro, que tinha intenções ainda piores. A população percebeu a mutreta e deu votações ridículas aos candidatos situacionistas (pró-Temer) em 2018. Geraldo Alckmin, que em 2016 já pensava em se candidatar e já via para a onde a coisa estava indo, foi contra a entrada do PSDB no governo Temer.
Nada disso escapou ao público internacional. Não é verdade que a imprensa estrangeira tenha comprado a tese do “golpe”, mas ela claramente viu no impeachment um momento de enfraquecimento da democracia brasileira. A opinião de analistas e correspondentes estrangeiros com quem eu conversava na época era muito parecida com a da senhora que cuida da limpeza do Palácio do Alvorada.
O que valeria explicar é como a opinião mainstream brasileira divergiu tanto da internacional, da moça da limpeza e das pesquisas de opinião. Perdi a conta de quantas vezes ouvi comentaristas brasileiros dizendo “é impressionante como os gringos não estão entendendo nada” ou “Steve Levitsky kkk quem é nunca vi”.
Há várias críticas legítimas a “Democracia em Vertigem”, e eu tenho uma: não concordo com a tese de André Singer, que aparece no documentário, de que Dilma caiu porque contrariou interesses econômicos poderosos (“cutucou várias onças”). Os erros econômicos petistas contribuíram muito para a crise e ajudaram muito a isolar o PT no segundo turno.
Se eu tivesse dirigido “Democracia em Vertigem”, teria bebido mais nas análises de Monica de Bolle ou Laura Carvalho. Mas o documentário teria ficado uma porcaria, porque não tenho o grande talento de Petra Costa. Não tem ninguém batendo na minha porta querendo me dar Oscar.
Enviei a coluna antes da cerimônia, não sei se “Democracia em Vertigem” venceu. Mas a indicação e a cutucada na bolha de opinião nacional já foram realizações imensas. Que o cinema brasileiro nos próximos anos faça outros filmes igualmente bons, e que ganhemos Oscars suficientes para montar uma mesa de totó.
*Celso Rocha de Barros, servidor federal, é doutor em sociologia pela Universidade de Oxford (Inglaterra).
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