O Estado de S. Paulo
Candidatos prometem eliminar ou reformar o
teto de gastos, sem discutir questões fiscais mais importantes e sem cuidar da
credibilidade.
Pior que a saúva, a taxa de juros e o verbo
no subjuntivo, o maior inimigo do povo brasileiro é o teto de gastos, a julgar
pelas promessas dos mais vistosos candidatos à Presidência da República.
Liberdade para gastar é uma grande bandeira comum. Não se discutem, no entanto,
velhos e bem conhecidos problemas, como o engessamento das finanças federais.
Mais de 90% das verbas orçamentárias são comprometidas com despesas
obrigatórias. Mas ninguém fala em eliminar as vinculações, tornar o Orçamento
mais flexível e usar o dinheiro público de modo mais eficiente. Vinculação
torna o dispêndio inevitável, mesmo sem planejamento, e escancara porteiras
para corrupção e para malandragens. Se a Constituição manda gastar xis por
cento em saúde, vamos cumprir a obrigação e comprar ambulâncias superfaturadas.
Se é preciso destinar recursos à educação, que tal comprar um monte de
computadores para uma escola onde faltam até banheiros? Nenhum dos dois
exemplos é imaginário.
Criado em 2016, depois de uma enorme lambança fiscal e de uma dura recessão, o teto de gastos foi concebido para durar 20 anos, com uma reforma possível no meio do caminho. Sua principal função seria restabelecer, na rotina do poder público, o respeito à disciplina financeira. Limitar a variação do dispêndio à inflação do ano anterior seria parte do esforço de reconstrução. Seria uma forma de carimbar, na administração brasileira, a marca da seriedade na gestão de suas contas. Seriedade é diferente, nesse caso, de mero conservadorismo. Denota, além de outros predicados, credibilidade.
Credibilidade é fundamental para quem deve
cuidar do Tesouro e, portanto, dos custos de seu financiamento. Comparem-se as
condições do poder público brasileiro e as de governos da Zona do Euro, onde os
Tesouros se financiam, facilmente, a taxas muito moderadas e até inferiores à
inflação.
Na quinta-feira o Banco Central Europeu
(BCE) anunciou um aumento dos juros básicos. A elevação – de 0,5 ponto
porcentual – afetou imediatamente a remuneração dos títulos públicos. Papéis
alemães de dez anos passaram a render 1,352% ao ano. Títulos franceses com
igual vencimento passaram a pagar 1,928%. No caso dos italianos, a alta foi
para 3,614%.
No Brasil, a taxa básica de juros, a Selic,
está em 13,25%. No fim do ano deverá estar em 13,75%, talvez 14%, segundo
projeções de economistas do setor financeiro. A mediana das estimativas para
2023 apontou 10,75%, segundo levantamento do Banco Central divulgado na
segunda-feira passada. Em abril, 63,6% da dívida líquida do governo federal
eram vinculados à Selic.
Os Tesouros europeus pagam a seus
financiadores, normalmente, juros inferiores às taxas de inflação, mas oferecem
segurança. Assemelham-se, nesse ponto, ao Tesouro dos Estados Unidos. Títulos
públicos americanos atraem capitais de muitos outros mercados, incluído o
Brasil. Confiabilidade é um valor muito importante, com potencial para atrair
grandes volumes de recursos, mesmo quando os juros são baixos e até negativos
em termos reais. A atração tende a aumentar quando a incerteza cresce em outros
países.
Incerteza tem sido, no Brasil, um poderoso
espantalho de capitais. O dólar supervalorizado reflete, com frequência, os
sustos impostos ao mercado pelo presidente Jair Bolsonaro. Não há escassez de
reservas cambiais nem desajuste importante nas contas externas, mas as cotações
são instáveis.
A balança comercial continua superavitária,
como há muitos anos, graças ao agronegócio e à mineração. Há um volume razoável
de reservas e as transações correntes, mesmo deficitárias, permanecem seguras e
administráveis. Surtos de insegurança, no entanto, são rotineiros, provocando
saídas de capitais e fortes oscilações do câmbio. Ao mesmo tempo, o mercado
impõe ao Tesouro custos mais altos, encarecendo a rolagem dos títulos públicos
e amarrando parcelas maiores do Orçamento a despesas financeiras.
O pacote eleitoreiro recém-aprovado é mais
um importante fator de insegurança, por seus efeitos imediatos e,
principalmente, por seus desdobramentos no próximo ano. O presidente Bolsonaro
e aliados do Centrão preparam um perigoso legado para quem ocupar o Palácio do
Planalto em 2023.
A isso é preciso somar o risco político. O
presidente atacou o sistema eleitoral e o Judiciário perante embaixadores
estrangeiros. Ficou claro o perigo de repetição, no Brasil, da convulsão
provocada por Donald Trump, quando tentou impedir a confirmação, pelo
Congresso, da eleição de Joe Biden.
Não há como separar, na gestão de
Bolsonaro, a incerteza fiscal, a irresponsabilidade econômica e a tensão
política permanente. Um novo mandatário contribuirá, quase certamente, para
algum apaziguamento e para a retomada de metas econômicas e sociais de médio e
de longo prazos. Mas terá de enfrentar, de imediato, inflação e desarranjos
fiscais legados pela atual administração. Credibilidade será essencial. Mas
terá credibilidade suficiente quem chegar defendendo, como alguns candidatos,
livre gastança, controle de juros e intromissão nos preços da Petrobras?
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