Correio Braziliense
Não há um projeto de nação integrado ao mundo
pós-moderno, capaz de construir um novo consenso nacional. Estamos naufragando
num mar de iniquidades, entre as quais a miséria absoluta e a fome
O prefeito do Rio, Eduardo Paes (PSD),
manteve a parada militar de 7 de Setembro na Avenida Presidente Vargas, como
acontece tradicionalmente, por solicitação dos próprios militares. Na capital
fluminense se concentram as principais unidades das nossas Forças Armadas – na
Vila Militar, na Baía de Guanabara e na Base Aérea de Santa Cruz. O presidente
Jair Bolsonaro havia anunciado que o desfile seria na Praia de Copacabana, onde
tradicionalmente se reúnem seus apoiadores. O desfile militar sempre começa na
Candelária e termina em frente ao Quartel General do Exército, no Campo de
Santana, onde foi proclamada a República. A polêmica mexe com símbolos e pode
se transformar num rito de passagem nas eleições de outubro deste ano.
A Avenida Atlântica é um símbolo do Movimento Tenentista, ou seja, das revoltas da jovem oficialidade contra seus comandantes, porque a primeira delas ocorreu em 5 de julho de 1922, no Forte de Copacabana, conhecida como Revolta dos Dezoito do Forte, em protesto contra eleição de Arthur Bernardes, em março daquele ano. No dia 4 de julho de 1922, o capitão Euclides Hermes da Fonseca — filho do Marechal Hermes da Fonseca, que estava preso — e o tenente Siqueira Campos preparavam o forte para a revolta que se iniciaria na manhã do dia seguinte. Segundo seus planos iniciais, alguns estados brasileiros e áreas militares do Rio de Janeiro participariam do levante, mas o governo federal já sabia da conspiração militar e a impediu.
Em 5 de julho, o Forte de Copacabana foi
bombardeado fortemente a mando do governo. Euclides Hermes da Fonseca e
Siqueira Campos receberam um telefonema do ministro da Guerra, solicitando a
rendição dos rebelados. Dos 301 militares que estavam no forte, renderam-se
272. O capitão Euclides Hermes saiu do forte para negociar com o Ministro da
Guerra e acabou sendo preso. Os que permaneceram no forte, sob o comando do
tenente Siqueira Campos, não bombardearam a cidade como anunciaram, mas saíram
em marcha pela Av. Atlântica. No caminho, alguns militares abandonaram a
revolta, restaram apenas 18. No fim da marcha, os tenentes Siqueira Campos e
Eduardo Gomes ficaram feridos, além de dois soldados; os demais morreram em
combate. Foi a primeira de uma sucessão revoltas que desaguaram na Revolução de
1930. A marcha pela Avenida Atlântica foi um rito de passagem na história
política e militar do país.
Falta coesão social
Os ritos de passagem foram estudados pelo
antropólogo franco-holandês Arnold van Gennep (1873-1957), que classificou
grande variedade de rituais em três categorias, no livro do mesmo nome,
publicado em 1909, a partir de padrões cerimoniais recorrentes: ritos de
separação, ritos de margem e ritos de agregação. Todos os ritos de passagem
contêm as três fases, porém, cada qual enfatiza um dos aspectos. Os ritos de
nascimento enfatizam a agregação, enquanto os funerários, a separação. A fase
de margem, especificamente, constitui uma etapa autônoma. Na análise ritual de
van Gennep, muita vezes, é a fronteira entre o sagrado e o profano.
A importância da análise de van Gennep está
na ênfase da “razão de ser” do rito e do mecanismo ritual, influenciando outros
estudiosos, entre os quais Victor Turner (1920-1983), que incorpora a visão do
rito como composto por etapas, e o antropólogo brasileiro Roberto Da Matta.
1922 marcou a história do século passado,
com acontecimentos como a Revolta dos 18 do Forte, a fundação do antigo Partido
Comunista e a Semana de Arte Moderna. Foram momentos seminais da história
militar, política e cultural do país com características de ritos de passagem.
O Centenário da Independência fora um ano de muita turbulência, no qual se
debatia o futuro do país e a ideia da modernização, sobretudo a
industrialização, passou a ser o eixo do nosso projeto de nação.
Neste Bicentenário, afora o debate que
ocorre no mundo acadêmico, o Brasil parece atarraxado ao passado. Não existe um
projeto de nação integrado ao mundo pós-moderno capaz de construir um novo
consenso nacional -, como foi, por exemplo, o Plano de Metas de Juscelino
Kubitschek nas eleições de 1955. É preciso construir a coesão social necessária
para lançar o país num novo ciclo de crescimento e geração de oportunidades
para todos. Estamos naufragando num mar de radicalização política e de
iniquidades sociais, entre as quais a fome e a miséria absoluta.
O presidente Jair Bolsonaro, que concorre à
reeleição, fomenta o radicalismo político e afronta as instituições
democráticas, entre as quais a legislação eleitoral, as urnas eletrônicas, a
Justiça Eleitoral e o Supremo Tribunal Federal (STF). Aposta na balbúrdia
política para desmoralizar o processo democrático e pretende transformar o 7 de
Setembro, a data magna do Bicentenário de Independência, num rito de passagem,
no qual o sagrado, o Estado democrático de direito, será profanado, se insistir
em transferir o desfile militar para Copacabana e transformá-lo numa marcha
miliciana, de militantes armados contra a oposição e a ordem democrática.
2 comentários:
Excelente artigo! O que une a maioria dos brasileiros é combater e liquidar o DESgoverno Bolsonaro! Com isto, poderemos ter um novo rito de passagem: o genocida passar da presidência para os tribunais e, finalmente, pra cadeia! Ele e seus cúmplices familiares e os que comandam as instituições desvirtuadas para não cumprirem suas finalidades: Ministério do Meio Ambiente, Ministério da Cultura, Fundação Palmares, setores militarizados do Ministério da Saúde, Funai, Ministério da Defesa, GSI, Ministério da Mulher, Casa Civil, Polícia Federal, etc. Nunca tivemos ministros tão canalhas e incompetentes, e nem tantos deste tipo! Bolsonaro peneirou a escória e deu poder e respaldo a estes desqualificados (Salles, Weintraub, Pazuello, Damares, etc.).
O Brasil precisa ser passado a limpo,urgentemente.
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