O Estado de S. Paulo
No ano do bicentenário da Independência, a
data pode se transformar numa manifestação distante de um ato cívico
Daqui a um mês estaremos comemorando
o Bicentenário da Independência e, se consumadas as ameaças do
presidente, acompanhando ao vivo um golpe de Estado. No ano do Centenário da
Independência, o máximo em agitação militar que tivemos, dois meses
antes da festa, foi aquela marcha dos tenentes pela orla de Copacabana.
O patético ensaio para o golpe, no último 7
de Setembro, com aqueles tanques resfolegando e queimando óleo na Praça dos
Três Poderes, teve ao menos um mérito: desacreditar, com um ano de
antecedência, qualquer calhordice eventualmente programada para o próximo Dia
da Pátria.
Ficaremos, quero crer, no trivial desfile,
no “marcha soldado”, tão do agrado das crianças de antigamente. Nunca me
levaram a uma parada de 7 de Setembro. Nem eu pedi. Ao meu precoce desinteresse
por patriotadas marciais agregou-se, mais tarde, uma implicância com a
monarquia escravocrata aqui implantada e sua nobreza biônica, embrião e arrimo
das oligarquias que se assenhorearam do País.
Talvez por isso, minha lembrança mais viva da efeméride não seja sequer o acadêmico Grito do Ipiranga, imaginado e pintado por Pedro Américo no final do século 19, mas o brado sacana que há 52 anos Ziraldo bolou para o Pasquim, com D. Pedro 1.º não mais a bradar, de espada em riste, “Independência ou morte!”, mas “Eu quero mocotó!!” A zombaria irritou paca os generais no poder, que quase fecharam o jornal.
Não obstante, o hino brasileiro que mais
aprecio é justamente o da Independência. Também conhecido como “Brava Gente
Brasileira” e “Japonês Tem Quatro Filhos”, é o mais bonito de nosso repertório
cívico e foi, outra grata lembrança, o que mais cantamos na histórica Passeata
dos 100 Mil contra a ditadura militar, em 26 de junho de 1968.
O próprio D. Pedro fez a música e o poeta,
jornalista e político Evaristo da Veiga pôs a letra. Reza a lenda que o
imperador compôs o hino em São Paulo, às 4h da tarde do mesmo dia em que cortou
os laços que nos uniam a Portugal. Como, se naquela hora ele estava soltando
seu grito à beira do Ipiranga?
O primeiro hino marcial e patriótico
cantado no Brasil veio da Holanda, na ponta da língua dos soldados de Mauricio de
Nassau, e ecoou por Recife, em 1644. D. João e a Família Real
desembarcaram no Rio, como de praxe, ao som de cânticos religiosos e do luso
Hino da Graça.
As primeiras tentativas de um hino genuinamente brasileiro surgiram nos movimentos de libertação nordestinos. O malogro dos inconfidentes mineiros dificultou a popularização de todo e qualquer hosana libertário vindo de baixo ou da periferia. Nesse vazio, vindo de cima, entrou o imperador. Com o grito, a louvação musical, e a mão para ser beijada. Espectadores sempre.
Um comentário:
Adorava todos os hinos quando eu estudava.
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