O Globo
É preciso ter uma sólida convicção
ambientalista para desistir dessa que era a grande riqueza do século passado
Há meio PIB brasileiro depositado na nossa
Margem Equatorial. Encontram-se ali, numa boa estimativa, 15 bilhões de barris
de petróleo. A US$ 70 o barril, temos US$ 1,05 trilhão, ou cerca de R$ 5
trilhões — metade do valor de tudo que se produziu no Brasil no ano passado.
Meio PIB.
Claro que seria um dinheiro obtido ao longo de anos de exploração, mas também seria preciso acrescentar o valor dos investimentos a fazer nos estados — instalação de bases terrestres e marítimas, portos e aeroportos, aquisição de barcos e aviões. E empregos numa região, incluindo o Norte e parte do Nordeste, bastante pobre.
É preciso ter uma sólida convicção
ambientalista para desistir dessa que era a grande riqueza do século passado, o
motor das economias todas. Mas como continua dando dinheiro e movendo boa parte
do mundo, e ainda moverá por algumas décadas, seria preciso também uma clara
visão do futuro para desistir daqueles R$ 5 trilhões.
O que nos mostra essa visão? Energia verde,
o emprego digital, dependente do cérebro, não dos braços, escola pública de
qualidade, a riqueza dos softwares, inteligência artificial, o motor elétrico.
Encontram-se essa convicção ambientalista e essa visão de futuro no governo
Lula?
Considerem o programa do carro popular
anunciado pelo vice-presidente Geraldo Alckmin: redução de impostos para
baratear carros movidos a motor a combustão. A coisa inclui regras como
“eficiência energética”, condição para receber a isenção. Mas não diz do que se
trata. Etanol? Ora, praticamente não tem motor só a etanol, é tudo flex, a
petróleo, pois. Carro elétrico está excluído. Só haverá benefício fiscal para
carros abaixo de R$ 120 mil, e por aqui não tem elétrico por menos de R$ 200
mil. O programa exigirá também componentes nacionais, mas não diz em qual
proporção. Tudo considerado, a ideia básica é oferecer ao público um carro de
R$ 60 mil, chamado de popular.
Como notou Zeina Latif,
70% dos brasileiros ganham até dois salários mínimos. A manutenção de um carro,
incluindo licenciamento, IPVA, combustível, estacionamento, troca de óleo, e
mais a prestação, claro, fica em torno de R$ 1.500 por mês. Popular para quem?
E notem que o benefício fiscal também vai para ricos que compram carro de R$
120 mil.
Sim, o setor automobilístico emprega. Mas o
programa anunciado por Alckmin não inclui compromisso com a geração de novas
vagas, nem mesmo com a manutenção das já existentes. Fica assim, portanto: uma
mãozinha para a velha indústria automobilística, campeã de subsídios e
proteções. E que está longe de produzir carros modernos. O melhor que se tem é
o motor flex, que Lula e Alckmin querem exportar para a África. Sabe como é...
Eles também são assim como nós.
Nessa visão, precisa do petróleo, não é
mesmo?
Dirão: mas mesmo países já encaminhados
para a economia verde continuam produzindo petróleo.
Verdade, parcial.
Considerem a Noruega. Está
aumentando a produção e a exportação de petróleo. Mas todo o incentivo local
vai para o ouro lado: 80% dos carros novos vendidos no ano passado são
elétricos. Em 2025, serão todos. A política principal é de transporte público
sustentável.
Ok, trata-se de um país pequeno e já rico.
Mesmo assim, proporciona lições úteis para nós. A produção de petróleo é
estatal. Mas não se gasta o dinheiro obtido diretamente com a venda do óleo. Essa
renda engorda um fundo de investimentos do governo, que aplica em negócios no
mundo todo. A renda desse fundo é usada nos programas locais. Muito
especialmente em boas escolas e boa saúde — e em programas de economia verde. O
dinheirão do petróleo fica lá, para financiar aposentadorias daqui a uns 20
anos.
Aqui, estados como o Rio de
Janeiro já gastaram os royalties do petróleo que receberão em
dez anos. E a última coisa em que se pensa no governo federal é na formação de
alguma reserva para o futuro. Por isso precisam do óleo da Margem Equatorial. O
do pré-sal? Já estão torrando.
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