O Estado de S. Paulo
Nunca a presença de candidatos ligados ao crime organizado foi tão explícita como nestas eleições
As ligações da criminalidade organizada com a
política nunca foram tão extensas como nas eleições deste ano. A Itália, terra
da máfia, registra um sentido particular para o verbo “sdoganare”, fazer passar
pela alfândega. É aquele que se refere à concessão de legitimidade e respeito a
quem antes era um pária ou contra quem o sistema político opunha seus vetos,
como os impostos a extremistas e mafiosos.
O acúmulo de casos de candidatos e – pasmem – dirigentes partidários investigados ou condenados por delitos ligados à criminalidade organizada em São Paulo mostra que à miséria da política – povoada por casos de corrupção e pela defesa de privilégios de castas insensíveis às angústias da população –, o eleitor pode acrescentar a desgraça do narcoestado, sdoganando mafiosos por meio do voto.
Conservadores que repudiam o governo da
Venezuela deviam se lembrar das acusações que ligam seu ditador ao tráfico de
drogas antes de votar em candidatos suspeitos, como se dissessem me ne frego,
pouco me importa, a exemplo dos italianos. Da mesma forma os progressistas que
lembram o papel do deputado comunista Pio la Torre no combate à máfia na Itália
não podem tolerar políticos ligados às cooperativas de ônibus notoriamente
dominadas pelo PCC.
Há limite para o antipetismo bem como para o
antibolsonarismo. E esse limite é simples: não há saída fora da política; só o
discurso radical e cego de quem pretende atear fogo à própria casa pode achar
que político desonesto é a mesma coisa do que um criminoso de uma facção
qualquer. Experimente convidar um latrocida ou um estuprador para jantar em seu
lar para saber rapidamente a diferença entre uns e outros.
Quando um partido político não toma os
devidos cuidados ao convidar uma “liderança” e conceder a ela um espaço na
lista de candidatos, ele expõe os eleitores a um perigo mortal para a
República. Ainda que a política não seja propriamente um reino de vestais, ela
só faz sentido como forma de alcançar o bem comum e não o de poucos, que buscam
tiranizar os demais.
No momento em que Arthur Lira pretende
estabelecer um regime de cárcere duro, como na Itália, para o cumprimento de
pena de integrantes de organizações mafiosas, é necessário que a política erga
barreiras intransponíveis para afastar das urnas de forma perene e rápida os
integrantes de facções e milícias, bem como seja punida a omissão criminosa de
quem permite à bandidagem se apossar de diretórios e outras estruturas de
poder. A condescendência com a criminalidade organizada – em busca de dinheiro
e de votos – é um dos mais perigosos delitos que um político pode cometer: é
fazer o ‘M’ de Marcola. Ou de Motisi, o capo da Cosa Nostra.
4 comentários:
O 'M' de Marcola é o 'M' de Marçal!
Perfeita análise. A infantilização do debate político causa danos irreversíveis à sociedade.
Reinaldo Azevedo já está usando a expressão ''M de Marcola''.
O P de Pablo é o P do PCC!!
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