sábado, 21 de junho de 2025

A cara de pau - Carlos Andreazza

O Estado de S. Paulo

Na semana passada, a Advocacia Geral da União – o governo Lula – pediu ao Supremo o aval para que o ressarcimento a aposentados e pensionistas roubados fique de fora das regras fiscais em 2025 e 26. A demanda tem por fundamento o discurso – cara de pau – da imprevisibilidade. A AGU quer vender que esse assalto seria ocorrência excepcional, como se desastre natural. Uma enchente.

Assim: o INSS, instituição subordinada ao Ministério da Previdência, é infiltrado e pilhado por vários anos, a República não apenas deixa a roubalheira se estabelecer como mesmo lhe facilita o crescimento, o crime é afinal descoberto – e então a União reivindica a excepcionalidade do evento. Lupi e seus wolneys não tinham como prever.

O governo quer do STF o reconhecimento de que o Executivo nada tem a ver com a rapinagem, cara de pau por meio da qual solicita também a chancela do tribunal ao pedido por – a turma é previsível – abertura de crédito extraordinário. Atenção à generosidade: quer o crédito extraordinário para que a restituição seja agilizada.

O argumento bondoso da agilidade – para que os roubados sejam ressarcidos logo, antes da eleição. Propõe-se a fabricação de dinheiros à margem do arcabouço fiscal. E se pretende que acreditemos em que a grana roubada será encontrada e recomporá os cofres públicos. Nunca será.

Sejamos ainda mais claros: o governo pedirá fundo extra para pagar a conta, fazer uso político da restituição e então deixar morrer a busca pelos dinheiros larapiados. Ninguém sabe a quanto irá a fatura. O ministro da Previdência fala em algo entre R$ 2 bilhões e R$ 3 bilhões – talvez R$ 4 bilhões. A AGU pediu o bloqueio de R$ 2,5 bilhões das entidades investigadas. Essa bolada não foi ainda recuperada e não há previsão sobre quando – e se – será. Nunca será.

Sejamos ainda mais claros: a União quer tirar o corpo fora geral. A estratégia – que o pedido ao STF escancara – é de se tornar vítima. O pedido é para que o Executivo seja desresponsabilizado – como se esse esforço por restituir os roubados fosse um favor do governo Lula. O próximo passo seria transformar a devolução dos bilhões pilhados em algum programa social.

A AGU também pediu ao Supremo – sob essa lógica do “não é comigo” – que suspenda todos os processos judiciais que pleiteiem a responsabilização da União e do INSS pelos roubos via descontos associativos. Em nome – olhe a cara de pau de novo – de se preservar a capacidade administrativa do INSS...

Examinado o mérito da questão, deveria ser declarada a inconstitucionalidade de o cidadão roubado exigir também o pagamento de indenização. É o que se demanda. A AGU pede ao STF que suspenda – que declare inconstitucional – o recurso a um direito individual assegurado pela Constituição.

Relator da matéria, o ministro Dias Toffoli convocou audiência de conciliação a respeito para a próxima terça-feira.

 

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