Já disseram outros que as crises são as parteiras da história. E o primeiro passo para solução de problemas é a tomada de consciência sobre eles. O atual impasse entre governo federal e Congresso Nacional revela isso. Identificação de um obstáculo forte ao desenvolvimento do país, divergência quanto ao receituário a adotar. As limitações fiscais ocuparam o centro da cena política.
A situação fiscal é gravíssima. O
estrangulamento orçamentário é crescente e tende a uma situação dificílima em
2026 e de paralisia do aparato governamental em 2027. Os números do próprio
governo projetam despesas discricionárias (aquelas onde o governo tem poder de
determinação) progressivamente negativas a partir de 2027. O presidente da
República não teria nenhuma margem de liberdade para determinar investimentos e
o custeio das diversas políticas públicas. Coletaria tributos, de um lado,
pagaria despesas obrigatórias e rígidas pré-determinadas, de outro. Ou seja,
não governaria, apenas pagaria salários, aposentadorias, pensões, benefícios
sociais, precatórios, despesas vinculadas e obrigatórias.
A superação da atual crise fiscal deveria
perseguir quatro objetivos: evitar a paralisia do governo a curto prazo,
flexibilizando o orçamento e equilibrando as contas; estancar o crescimento da
dívida pública, gerando superávits primários de cerca de 2,1% do PIB ao ano (R$
265 bilhões/ano e não o déficit primário projetado pela IFI para 2025 de R$
83,1 bilhões); recuperar fortemente a capacidade de investimento do governo,
elevando-o para 15% das receitas primárias líquidas (cerca de R$ 345 bilhões
contra os atuais R$ 60 bilhões orçados para o PAC em 2025); e, complementar a
Lei de Responsabilidade Fiscal e outras que regem as finanças públicas evitando
que municípios e estados também entrem em colapso fiscal.
Uma coisa é a atual polêmica focada na
geração de 30 a 40 bilhões de reais para resolver 2025 e, principalmente, 2026.
Estratégia de sobrevivência. Outra, muito mais complexa e ambiciosa, é a
profunda reforma fiscal necessária para estancar o crescimento da dívida e
elevar os investimentos públicos. Coisa de 550 bilhões de reais de ajuste no
orçamento anual da União. Isto exige diagnóstico correto, tempo, liderança e
pacto político. Às vezes o debate econômico se assemelha ao bolero de João
Bosco e Aldir Blanc: “são dois pra lá, dois pra cá”. Mas o problema é muito
maior.
O Congresso Nacional impôs derrotas políticas importantes ao governo esta semana. Há uma sólida e justificável resistência a qualquer aumento da nossa já alta carga tributária. A equação fiscal de curto, médio e longo prazos depende de um pacto político envolvendo governo, Congresso e sociedade. O problema de falta de maioria para governar não é privilégio brasileiro. Talvez a equação estrutural fique para 2027. Mas o Brasil tem pressa e é preciso romper o nó fiscal. Guimarães Rosa nos consola: “Sapo não salta por boniteza, mas porém por precisão”. A realidade, cedo ou tarde, vai se impor. Não há ajuste fiscal indolor.
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