sábado, 21 de junho de 2025

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Banco Central precisa ouvir a sociedade

O Povo (CE)

Está na hora de o presidente do Banco Central ampliar seu círculo de consultas para considerar também os setores produtivos

O aumento da taxa de juros, em 0,25 ponto percentual, surpreendeu até o mercado financeiro e analistas econômicos que esperavam a manutenção ou até mesmo uma redução do índice.

A decisão foi tomada em reunião do Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central (BC) na quarta-feira, elevando os juros para 15% ao ano. Descontada a inflação, a Selic fica com a taxa de 9,53% de juro real ao ano, o maior percentual em duas décadas.

Uma das explicações do BC para elevar a Selic é que "o conjunto dos indicadores de atividade econômica e do mercado de trabalho ainda apresentam algum dinamismo". Ou seja, a economia está aquecida.

Para o BC, houve alguma "certa moderação" no crescimento econômico, mas seu relatório anota que "nas divulgações mais recentes, a inflação cheia e as medidas subjacentes mantiveram-se acima da meta para a inflação". Ou seja, para o Copom, é necessário represar o crescimento econômico para fazer a inflação ceder.

Assim, na visão do Banco Central, com juros mais altos, os empréstimos ficam mais caros, desestimulando o crédito e o consumo e reduzindo a disponibilidade do dinheiro na economia, forçando a queda do índice inflacionário.

No entanto, o remédio utilizado pelo BC tornou-se forte demais. Entidades do setor produtivo, dos segmentos empresarial e trabalhista, criticaram o aumento da taxa Selic.

O presidente da Confederação Nacional da Indústria (CNI), Ricardo Alban, considerou "injustificável" a decisão do Copom. Para ele, "os juros altos vão sufocar a economia". As duas principais centrais sindicais do Brasil, a Central Única dos Trabalhadores (CUT) e a Força Sindical, também protestaram contra a decisão do BC.

Em nota oficial, assinada pelo presidente Ricardo Cavalcante, a Federação das Indústrias do Ceará (Fiec) somou-se às críticas. Para a Fiec, a taxa Selic no patamar em que se encontra, prejudica "especialmente as indústrias do Ceará, que enfrentam maiores desigualdades estruturais e dificuldades no acesso ao crédito".

A Fiec vai ao ponto central da equação, ao afirmar que "a justificativa (do Copom) de combate à inflação é fundamental, porém não pode ignorar os efeitos colaterais profundos desse aperto monetário: retração de investimentos, paralisação de projetos, fechamento de linhas de produção e aumento do desemprego no setor industrial". Anote-se que, como consequência, esses problemas citados espalham-se por todos os setores da economia.

Além desses argumentos, um grupo importante de economistas avalia que o aumento de juros teria pouca influência para reduzir a inflação, principalmente porque seria provocada por causas externas, fora do controle direto da política monetária.

Observa-se que, baixar a taxa de juros deixou de ser uma reivindicação apenas da esquerda e do governo, para alcançar diversos outros setores. Portanto, está na hora de o presidente do Banco Central ampliar seu círculo de consultas para ouvir também os setores produtivos da sociedade.

Baixa mobilidade social é problema renitente no Brasil

O Globo

Apenas 2,5% dos nascidos entre os 20% mais pobres integram, quando adultos, a parcela dos 20% mais ricos

No Brasil, quem nasce pobre tem chance mínima de ser rico quando chega à idade adulta. O Atlas da Mobilidade, do Instituto Mobilidade e Desenvolvimento Social (IMDS), fundado pelos economistas Arminio Fraga e Paulo Tafner, traça os contornos desse problema renitente, relacionado à desigualdade.

Em mobilidade social, a Região Sul é a que se sai melhor na comparação com as demais. Mesmo assim, os filhos das famílias cujo rendimento está na metade inferior da sociedade têm 41% de chance de ficar estacionados e apenas 3% de chegar à fatia dos 10% de maior renda. No Norte e Nordeste, a situação é muito pior. Mais de 75% não deixam a classe social dos pais, e apenas 1,3% ascende ao topo. No Brasil como um todo, os percentuais são 66% e 1,8%, como revelou em primeira mão reportagem do GLOBO.

Por certo, em país nenhum existe meritocracia plena. O status social dos pais costuma ser determinante para o futuro dos filhos. No Brasil, porém, é chocante quanto estamos distantes do ideal de uma sociedade que ofereça as mesmas oportunidades a todos, independentemente do estrato social. Por aqui, somente 2,5% das crianças nascidas entre os 20% mais pobres conseguem, quando adultas, fazer parte da parcela dos 20% mais ricos. Nos Estados Unidos, esse percentual é o triplo. Na Itália, o quádruplo. Na Suécia, o sêxtuplo, segundo estudo de 2022 que serviu de base para o Atlas.

Por receberem educação muito melhor, os filhos dos mais abastados saem na frente, independentemente de ambição, talento ou perseverança. Na vida adulta, acabam ficando com os melhores empregos. A história se repete nas gerações seguintes. O jogo de cartas marcadas agrava vários tipos de problemas. Entre os principais: injustiça social, insegurança pública, populismo político e ineficiência econômica causada pelo desperdício de talentos.

A baixa mobilidade social no Brasil na comparação internacional não chega a ser surpresa. Em 2012, Alan Krueger, economista-chefe da Casa Branca no governo Barack Obama, cunhou a expressão “grande curva de Gatsby” para descrever a relação entre desigualdade de renda e dificuldade de ascender socialmente de uma geração para outra. Em sociedades com grandes disparidades de renda, a estratificação é maior. Ricos e pobres vivem realidades distantes que se retroalimentam.

Mesmo o diploma superior parece não funcionar mais como garantia de ascensão social para os mais pobres. Apesar do avanço da escolarização desde a década de 1980, quem tinha diploma dos ensinos fundamental, médio, superior ou de pós-graduação ganhava, em termos reais, menos em 2023 do que em 1983. “Há 40 anos, você conseguia ganhar um salário de R$ 4 mil apenas com ensino médio. Hoje, para ter esse salário, os jovens precisam ter ensino superior”, escreveu o economista Naercio Menezes Filho em artigo no jornal Valor Econômico.

Uma explicação é que a escolarização andou mais rápido do que a demanda por esses profissionais. Para os salários crescerem ao longo do tempo, é preciso acelerar a produtividade de modo a alavancar a geração de riqueza e sua distribuição. Outra explicação é o nível baixo do ensino. Para colocar o Brasil mais perto do ideal da meritocracia, é urgente melhorar a qualidade da educação pública em ritmo mais intenso — principalmente nos estados com os piores desempenhos.

Burocracia do INSS permite que fraudadores persistam no golpe

O Globo

Ao tratar com condescendência os golpistas recém-descobertos, instituto mantém porta aberta a novas fraudes

A fraude contra segurados do INSS parece não ter fim. Mesmo depois de denunciado o escândalo dos descontos ilegais nos benefícios de aposentados e pensionistas, os responsáveis pelo crime insistem na fraude. Associações envolvidas recém-desmascaradas tentam agora provar ter agido de forma correta usando informações e dados falsos. Relatos recebidos pelo GLOBO dos familiares de beneficiários lesados revelam o alcance da desfaçatez.

O caso da mãe da advogada Ana Luiza Moura é exemplar. Desde 2023, ela sofreu descontos não autorizados em seu benefício, em favor da associação Aposentados Mutualistas para Benefícios Coletivos (Ambec). Tentou cancelar o vínculo com a associação sem êxito. A partir daí, iniciou-se um calvário burocrático. Seguindo o procedimento recomendado às vítimas dos golpistas, a mãe de Ana Luiza abriu processo no INSS para contestar a adesão ilegal à Ambec. O caso entrou em análise. Foi concedido prazo para a associação se manifestar e apresentar documentação comprovando o vínculo da segurada e a autorização para o desconto. Ana Luiza foi informada, pelo aplicativo Meu INSS da mãe, que a Ambec apresentara documentos segundo os quais ela concordara com o desconto. Entre eles, estava o CPF correto da segurada, mas em nome de outra pessoa. A Ambec também juntou ao processo um áudio que atribuiu à mãe de Ana Luiza. Nele alguém se apresentava com nome diferente e outro CPF, como se fosse ela dando aval à adesão.

A mesma mistura de documento verdadeiro com informações falsas foi feita na tentativa de provar a legalidade de deduções criminosas no benefício do sogro de Ana Luiza. “É um absurdo, fiquei revoltada, porque não basta o que já fizeram, ainda estão fazendo de novo, agindo criminosamente”, diz ela. Sua mãe tem 80 anos e o sogro 84. Recebem aposentadorias em torno de R$ 3 mil, descontadas indevidamente em R$ 45 por mês cada — valor pequeno para não chamar a atenção, um aspecto sibilino do golpe. Um desvio de R$ 45 dos 3,2 milhões de aposentados e pensionistas que até agora formalizaram a denúncia dos descontos representa um assalto de mais de R$ 140 milhões por mês. Talvez seja o maior golpe já dado no conjunto da população brasileira que se conheça.

É certo que as fraudes precisam ser comprovadas para haver ressarcimento. Mas não se pode atribuir o ônus da prova às vítimas. Ao tratar com leniência os golpistas, abrindo caminhos burocráticos morosos, o INSS lhes permite falsificar a inscrição de associados e persistir no delito. Para acalmar os lesados, o novo presidente do INSS, Gilberto Waller Júnior, afirmou que, nas situações em que a entidade beneficiada pelo golpe apresentar documentos e os segurados continuarem a contestar, valerá a palavra do aposentado ou pensionista. É o correto, mas já deveria ser assim. Por que o INSS criou uma via-crúcis burocrática que permite a fraudadores — incluindo sindicatos que viram nesse dinheiro fácil a chance de compensar a perda do imposto sindical — insistir na fraude? Não faz sentido.

Guerra entre Israel e Irã põe Trump contra a parede

Folha de S. Paulo

Ao protelar decisão sobre atacar ou não Teerã, republicano mostra mais uma vez sua tibieza na condução de crises globais

Donald Trump sempre colocou forma à frente de conteúdo na exposição de sua visão de mundo e de como lidar com suas complexidades. Sua volta à cadeira mais poderosa do planeta tem demonstrado essa máxima de forma crescentemente perigosa.

Primeiro foi a Faixa de Gaza, onde o cessar-fogo entre Israel e o Hamas fez parte dos discursos inaugurais do segundo mandato, só para desaparecer —não sem antes o dantesco calvário dos civis da região ser tratado como uma oportunidade imobiliária.

A mais importante Guerra da Ucrânia então se sobrepôs, e Trump começou com um lance vistoso, abrindo as portas a Vladimir Putin. O resultado até aqui foram tempo ganho para o russo ampliar sua vantagem militar em solo e uma negociação entre Moscou e Kiev que pouco andou.

A bússola então voltou ao incontornável Oriente Médio. Desta vez, ou bem o premiê Binyamin Netanyahu passou a perna no aliado ou este foi apenas manipulado. Ao atacar o Irã, Israel fez o que se dizia impossível: ir às vias de fato sem apoio militar americano. Meia verdade, claro, quando se vê a procedência do principal da máquina de guerra israelense, mas um fato político.

Trump procurou de início evitar envolvimento direto. Mudou de ideia, porém, com o sucesso militar de Tel Aviv, a dizimação do comando militar do Irã e o bombardeio sistemático de seu programa nuclear.
Logo o americano estava falando no plural majestático acerca de uma guerra de terceiros, ainda que o impasse na negociação entre Teerã e Washington acerca do programa nuclear persa sempre o coloque na equação.

O mandatário achou por bem não só fazer uma demanda de rendição incondicional à teocracia como sugerir que os EUA poderiam matar seu líder, Ali Khamenei, a qualquer momento.

Goste-se ou não do regime aberrante de Teerã, ele é reconhecido internacionalmente e tem assento em inúmeras instâncias. O aiatolá não é um senhor da guerra escondido numa montanha para ser bombardeado ao bel-prazer de Trump, ainda que tenha atacado interesses americanos nos últimos 46 anos.

Ato contínuo, o republicano mandou reforçar as já robustas posições dos EUA na região, para na sequência dizer que nem ele sabia o que iria fazer. Mais um dia se passou, e, na quinta (19), enfim declarou que iria pensar por mais duas semanas.

Trump está pressionado em casa, onde seus aliados mais radicais estão inconformados com o risco de rasgar o manto do isolacionismo americano. Ele por ora parece querer forçar uma negociação, enquanto Israel faz, como definiu o premiê alemão, Friedrich Merz, "o serviço sujo".

Pode dar certo, mas a extensão da guerra a torna mais perigosa com táticas disruptivas do Irã. Para piorar, caso decidam derrubar a teocracia, é evidente que nem Trump nem Netanyahu não têm ideia do que fazer a seguir.

Aborto legal tem de sair do papel

Folha de S. Paulo

Conanda reafirma o que já diz a lei, que menores de 14 anos têm direito a interromper a gravidez sem constrangimentos

O Brasil é um país pródigo em criar leis, mas que tem dificuldade em colocá-las em prática. A que garante o acesso ao aborto legal a vítimas de violência sexual é exemplo.

Na quarta (18), o Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda) publicou resolução na qual reafirma o direito de menores à interrupção da gravidez, "diante dos dados alarmantes de partos entre crianças e adolescentes decorrentes de estupro de vulnerável".

Entre 2013 e 2023, o país registrou mais de 232 mil nascimentos vindos de gestantes de até 14 anos, segundo o Ministério das Mulheres. A taxa de partos no estrato de 10 a 14 anos no Norte do país (4,72 por 1.000 mulheres) em 2023 foi superior à da África subsaariana (4,4), a pior do mundo.

De acordo com o Código Penal, manter relação sexual com menor de 14 anos é considerado estupro presumido de vulnerável, e o aborto é permitido em caos de estupro, risco de vida para a mulher e anencefalia do feto.

Mas crianças e adolescentes encontram diversas barreiras para interromper a gravidez, seja por falta de serviços de referência, seja pela resistência de autoridades.

Em fevereiro, o Conselho Nacional de Justiça puniu uma juíza que, em 2022, tentou dissuadir uma menina de 11 anos de sua vontade de fazer o aborto. Neste mês, o Ministério Público do Rio de Janeiro acionou a Justiça para suspender uma lei que obriga hospitais da capital a fixarem cartazes contra o aborto legal.

Em dezembro de 2024, o Conanda já havia aprovado outra resolução na qual ressaltava que a lei não impõe limite de tempo gestacional para o procedimento. Os 13 conselheiros representantes do governo petista votaram contra, e a oposição bolsonarista tentou barrar o documento ingressando com ação na Justiça.

O texto ora publicado estabelece que o aborto legal deve se dar com base "em evidências técnicas e científicas, sem atrasos e sem constrangimento ou imposição de exigências indevidas".

Ademais, cria a Política Nacional de Enfrentamento da Violência Sexual contra Crianças e Adolescentes, que prevê capacitação de profissionais, campanhas de conscientização, monitoramento de indicadores por região, gênero, raça e deficiência, além de um plano decenal com responsabilidades compartilhadas entre municípios, estados e União.

Políticas públicas não devem ser guiadas por ideologia. O que está em questão não é a criação de um novo direito, mas tão somente concretizar o que a legislação já estabelece para proteger meninas vítimas de violência.

Mais uma derrota para o consumidor

O Estado de S. Paulo

Marcada pela disputa entre governo e Congresso, derrubada de vetos à lei que criou o marco das eólicas em alto mar passa longe do interesse público e repassa custos bilionários ao consumidor

A sessão conjunta do Congresso realizada na terça-feira passada expôs mais um capítulo da queda de braço entre o governo e o Legislativo. Mas, desta vez, o maior derrotado foi o consumidor de energia, que pagará caro por mais um desarranjo no disfuncional setor elétrico que deve custar R$ 197 bilhões em 25 anos, segundo a PSR, uma das principais consultorias do País.

A derrubada de vetos presidenciais à lei que criou o marco das eólicas em alto mar (offshore) passou longe do interesse público. Marcada pela subjacente disputa de poder entre o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, e o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União-AP), a votação resultou em incentivos descabidos e injustificáveis a todo tipo de fonte de energia, mesmo aquelas que há anos não precisam de qualquer benefício para se sustentar.

Generosos quando se trata de fazer cortesia com o chapéu alheio, os parlamentares garantiram a prorrogação de contratos firmados há 21 anos no âmbito do Proinfa. Criado após o racionamento de 2001, o programa estabeleceu incentivos vultosos para diversificar a matriz elétrica, garantindo a construção de algumas das primeiras pequenas centrais hidrelétricas (PCHs), eólicas e usinas de biomassa do País.

Vinte anos depois, o cenário mudou radicalmente. Com o avanço da tecnologia, os preços da energia renovável despencaram, a ponto de atualmente representarem quase metade da eletricidade gerada no País, segundo o Ministério de Minas e Energia.

O encerramento dos contratos do Proinfa não extinguiria essas usinas pioneiras, mas obrigaria seus donos a reduzir substancialmente seus preços para vencer os leilões, e, portanto, sua margem de lucro. Hoje, elas geram energia a cerca de R$ 549,97 por megawatt-hora (MWh). Para ter uma ideia, no leilão de energia nova de 2022, eólicas novinhas em folha foram contratadas a um preço médio de R$ 171,20 por megawatt-hora, incluindo sua construção.

Ainda assim, os parlamentares acharam por bem assegurar a renovação dos contratos dessas usinas já completamente amortizadas por preços absurdos por mais 20 anos, e mesmo que não haja demanda para essa eletricidade. Para não serem acusados de privilegiar um segmento em detrimento do outro, deputados e senadores também asseguraram uma reserva de mercado à produção de hidrogênio renovável a partir de etanol no Nordeste e a obrigação de contratação da energia gerada por eólicas no Sul.

Eis a razão pela qual o Brasil é conhecido como o país da energia barata e da conta cara. Todos esses custos serão repassados às contas de luz, exigindo reajustes mais elevados nas tarifas de energia. Outros trechos da lei que haviam sido vetados pelo presidente Lula da Silva ficaram para a sessão conjunta do Congresso que será realizada em julho, mas, a julgar pela votação desta semana, tudo indica que eles serão derrubados, garantindo benesses também a termoelétricas a gás, painéis solares e até mesmo usinas movidas a carvão, independentemente do custo e das externalidades.

Ao derrubar os vetos, os parlamentares não afrontaram somente o ministro Silveira e o presidente Lula. Quem está sob ataque é o marco do setor elétrico, que estabeleceu condições para a concorrência entre as mais diversas fontes de energia nos leilões a fim de impedir que um apagão como o de 2001 voltasse a acontecer. Entre seus princípios estava garantir a qualidade e a continuidade do serviço com modicidade tarifária, ou seja, pela menor tarifa possível para o consumidor.

A lei, por óbvio, precisa de mudanças para aprimorar o planejamento e a segurança do setor elétrico, que mais recentemente passou a ter de lidar com desafios adicionais, como a intermitência das fontes renováveis e os eventos climáticos extremos. Mais uma vez, no entanto, os parlamentares optaram por privilegiar os empresários que orbitam no Congresso em detrimento do interesse público. Quando a conta chegar – e ela chegará –, responsabilizarão a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), como se não tivessem qualquer responsabilidade sobre o tarifaço que ela terá de aplicar.

Enterrar canos é colher progresso

O Estado de S. Paulo

Saneamento ainda é maior dívida social do Brasil e retrato cruel da negligência estatal. A universalização é não só um imperativo civilizacional, mas investimento seguro com retorno certo

Se ainda havia dúvida de que investir em saneamento básico é um imperativo não só moral, mas econômico, ela se dissipou com o novo estudo do Instituto Trata Brasil sobre os benefícios gerados na Bacia do Rio Pinheiros. Em duas décadas, as ações voltadas à coleta e ao tratamento de esgoto na região metropolitana de São Paulo já renderam ganhos de quase R$ 8 bilhões. Uma amostra do que o Brasil inteiro tem a ganhar se, finalmente, tratar com seriedade sua mais persistente chaga social.

Nada expõe com tanta crueldade a desigualdade nacional quanto as carências de água e esgoto. Cerca de 32 milhões de brasileiros não têm acesso a água tratada e mais de 90 milhões – quase metade da população – não têm coleta de esgoto. Segundo o Censo Escolar de 2023, 1,2 milhão de crianças frequentam escolas sem água potável. É a maior dívida social do País.

As consequências dessa calamidade humanitária são um sistema de saúde sobrecarregado com doenças de veiculação hídrica; crianças perdendo aulas; turismo subaproveitado; trabalhadores menos produtivos; áreas urbanas desvalorizadas; e cursos d’água contaminados – todo um círculo vicioso de pobreza perpetuado pela negligência do poder público. O Trata Brasil estima que a universalização até 2040 traria, entre ganhos diretos e indiretos, um retorno de R$ 1,4 trilhão por um custo inferior a R$ 700 bilhões. Ou seja: a passividade é não só indecente, mas custosa.

Por décadas, o saneamento permaneceu refém de um monopólio estatal opaco, ineficiente e sem capacidade de investimento, enquanto outros setores – como energia, telecomunicações ou transportes – se modernizavam com a abertura à iniciativa privada. Em rankings internacionais de acesso a esgoto, o Brasil patina atrás de dezenas de países com renda similar ou menor, como Senegal, Jordânia ou Paraguai.

Para romper com o atraso, o Congresso aprovou, em 2020, o novo Marco do Saneamento, estabelecendo metas de universalização até 2033 e condicionando as prestações a licitações e à demonstração de capacidade financeira. Após uma década em que os investimentos oscilaram entre R$ 10 bilhões e R$ 17 bilhões anuais, o volume saltou para R$ 22,5 bilhões em 2022, beneficiando ao menos 24 milhões de brasileiros com novas concessões.

Ainda assim, estamos aquém do necessário. Para cumprir as metas, seria preciso investir R$ 74 bilhões ao ano. Hoje, investe-se um terço disso. Preservar o marco legal e blindá-lo contra retrocessos é condição sine qua non para consumar essa transformação. Adiar metas ou restaurar privilégios das estatais significa abandonar os pobres à própria sorte e condenar mais uma geração a doenças evitáveis e exclusão social.

Se o desafio nacional é universalizar o acesso ao saneamento, o desafio paulista é transformá-lo em modelo de despoluição urbana para o Brasil. Poucas imagens foram tão emblemáticas do fracasso da infraestrutura brasileira quanto os Rios Tietê e Pinheiros cobertos por espuma fétida e esgoto a céu aberto. Por décadas, promessas foram descumpridas por governadores de diversos matizes, sem que o odor nauseante deixasse de denunciar o descaso. E, no entanto, há sinais de mudança.

Entre 2000 e 2022, o saneamento na Bacia do Pinheiros reduziu gastos em saúde, aumentou o valor de imóveis, impulsionou o mercado de trabalho e o turismo e oxigenou águas antes mortas. Além disso, 840 mil pessoas passaram a ter acesso ao serviço de coleta de esgoto em suas residências, manchas de poluição se retraíram e aves e peixes reaparecem em trechos do rio. Com a privatização da Sabesp e os planos de universalizar os serviços até 2029, há uma chance real de que São Paulo reverta, enfim, o que parecia irreversível. Se bem-sucedido, o projeto pode inspirar outras metrópoles brasileiras, como o Rio de Janeiro, que ainda amarga a frustração da Baía de Guanabara, não despoluída sequer com os holofotes olímpicos.

A universalização do saneamento básico é não só uma urgência civilizacional, mas – como o caso da Bacia do Pinheiros comprova – um excelente investimento. O Brasil não pode mais adiar esse salto. O momento de virar a página do atraso é agora.

Pós-graduação renovada

O Estado de S. Paulo

USP encurta o caminho para o doutorado em 37 programas, em sintonia com alunos e sociedade

A Universidade de São Paulo (USP) vai encurtar o caminho para o doutorado em 37 programas de pós-graduação, a partir do segundo semestre. Pela iniciativa, o estudante entrará no mestrado, fará o exame de qualificação em um ano e, se for aprovado, poderá optar por concluir o mestrado em mais um ano ou ir diretamente para o doutorado, com a previsão de conclusão em quatro anos.

Implementado na década de 1960, o modelo vigente tem um percurso com duração de até nove anos, o que tende a afastar os talentos da pesquisa. Por isso, a ideia não é somente diminuir a duração dos cursos, mas despertar o interesse dos jovens pela ciência, além de oferecer uma formação que atenda às demandas da academia e também às da sociedade.

Essa formação acelerada de modo algum significará queda de qualidade. Só puderam aderir à iniciativa cursos de excelência, com nota 6 ou 7, na avaliação da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes). Estão entre eles Agronomia, em Piracicaba; Ciências da Computação, na capital e em São Carlos; e Genética, em Ribeirão Preto. Essa seletividade mostra o compromisso da USP com a boa formação e ainda serve de antídoto a críticas infundadas.

Além de atrair cérebros valiosos, o novo modelo não quer perdê-los. Em Ciências da Computação, do Instituto de Matemática e Estatística (IME), a taxa de evasão é alta e boa parte dos alunos que deixam a pós-graduação já estudava havia mais de dois anos. Ao Jornal da USP, o coordenador do curso, Denis Deratani Mauá, explicou que isso ocorre porque o estudante encontra “uma outra oportunidade” de vida ou simplesmente perde “o interesse”.

Seja lá qual for o motivo para esse abandono, há o desperdício de dinheiro público, haja vista que a USP empenhou recursos na formação de um pós-graduando, e há a perda de capital humano, uma vez que um pesquisador desistiu dos estudos porque a universidade não correspondeu às suas expectativas. Como afirmou o reitor Carlos Gilberto Carlotti Junior, o modelo vigente de pós-graduação cumpriu importante papel na formação de docentes e na expansão do ensino superior, mas chegou a hora de ir além, com uma proposta “mais dinâmica, eficiente e adaptada às demandas dos jovens profissionais”.

Essas novas pesquisas terão de estar conectadas com as necessidades práticas da sociedade, o que implica atuação dentro e fora da academia, com foco em inovação, empreendedorismo, atividades ligadas à indústria e impacto social, entre outras áreas do conhecimento, aproximando os estudantes das empresas privadas e dos órgãos públicos.

Os primeiros programas que aderiram às mudanças, segundo o pró-reitor de Pós-Graduação, Rodrigo Calado, “estão inaugurando uma nova etapa da pós-graduação no Brasil” e servirão de inspiração. Há tempos o País precisava de um novo modelo de pós-graduação, capaz de formar bons docentes para as universidades, de dialogar com a iniciativa privada e de entregar quadros qualificados para os mais diversos setores da economia. Oxalá mais instituições sigam o exemplo da USP.

Confiança sanitária para a retomada das exportações

Correio Braziliense

O impacto do surto de gripe aviária foi regionalizado, não comprometeu o abastecimento nacional nem provocou alta dos preços ao consumidor final (houve até ligeira queda)

Entretanto, especialistas apontam desafios e limitações: o risco de gripe aviária, a necessidade de estrutura e tempo para cuidar das aves, e o fato de que galinhas caseiras produzem menos ovos que as aves industriais. - (crédito: Freepik - wirestock)

Após 28 dias sem registro de novos casos de gripe aviária em granjas comerciais, o Brasil dá um passo importante rumo à normalização das exportações de carne de frango. A rápida contenção do foco identificado no Rio Grande do Sul evidencia não apenas a eficiência do sistema sanitário nacional, mas também a maturidade de um setor estratégico para a economia brasileira.

Para conter o foco e evitar disseminação, foram implementadas medidas emergenciais de biossegurança, fiscalização e destruição de aves infectadas, o que gerou gastos extras para produtores e governos estaduais e federal. Agora, é preciso retomar os esforços diplomáticos e as negociações comerciais para restabelecer plenamente as exportações.

O impacto do surto de gripe aviária foi regionalizado, não comprometeu o abastecimento nacional nem provocou alta dos preços ao consumidor final (houve até ligeira queda). O efeito mais profundo concentrou-se no setor exportador. Ainda que a reação das autoridades sanitárias e produtores tenha sido rápida, o surto trouxe instabilidade no mercado internacional.

Diversos países impõem restrições automáticas à importação de carne de frango em caso de surto, mesmo que isolado. Isso levou à suspensão provisória das compras por mercados importantes. China, União Europeia, México, Chile, Uruguai, Canadá, Argentina, Coreia do Sul, Filipinas, Índia, Malásia, Marrocos, Paquistão, Peru, República Dominicana, Bolívia, Sri Lanka, Albânia e Namíbia interromperam a importação do frango brasileiro em caráter nacional.

Japão, Emirados Árabes Unidos, Qatar e Jordânia suspenderam produtos originários diretamente de Montenegro; Rússia, Arábia Saudita, Reino Unido, África do Sul, Belarus, Armênia, Turquia e Cazaquistão suspenderam as importações de todo o Rio Grande do Sul.

A perspectiva do setor é de retomada gradual das exportações e recomposição das receitas. Ainda que o episódio sirva de alerta sobre a vigilância constante que a gripe aviária impõe ao comércio global, o Brasil demonstrou a capacidade técnica instalada para lidar com emergências sanitárias. Cabe agora trabalhar para que os países compradores reconheçam esse esforço e retomem, com segurança, as relações comerciais suspensas por precaução.

O episódio também reforça a necessidade de investimentos contínuos em vigilância sanitária para proteger um dos setores mais dinâmicos do agro brasileiro, responsável por cerca de US$ 10 bilhões anuais em exportações. A avicultura é um dos pilares do agronegócio, com forte presença no mercado internacional e papel central na geração de empregos e divisas. A pronta resposta das autoridades sanitárias e do setor privado ao surto reforça a credibilidade do Brasil como fornecedor confiável de proteína animal. Mas é preciso vigilância permanente: qualidade e produtividade caminham de mãos dadas com a confiança sanitária.

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