sábado, 21 de junho de 2025

Vale a pena ter bomba atômica? - Hélio Schwartsman

Folha de S. Paulo

Eventos geopolíticos da última década deixaram mundo mais instável; países podem estar refazendo seus cálculos nucleares

Líderes políticos racionais devem tentar obter uma bomba atômica? Até 2014, minha resposta teria sido um convicto "não". Desenvolver tecnologia bélica nuclear é caro. Manter arsenais, idem. E, pelo menos naqueles tempos pré-2014, era também relativamente inútil. Tanto o mundo bipolar da Guerra Fria quanto o unipolar da "Pax Americana" eram geopoliticamente mais estáveis que o atual. Não é que não ocorressem guerras, mas elas eram localizadas.



Num plano mais teórico, vigorava a doutrina MAD (acrônimo inglês de "destruição mútua assegurada"), segundo a qual o uso de artefatos nucleares em larga escala levaria à aniquilação tanto da parte que lançou o ataque quanto da que a ele respondeu. Basicamente, eram armas feitas para não serem usadas.

Tanto é assim que África do Sul, Belarus, Cazaquistão e Ucrânia, que chegaram a deter armas nucleares (herdadas da URSS nos três últimos casos), optaram por delas abrir mão.

Ao menos a Ucrânia se arrependeu amargamente de tê-lo feito. Primeiro em 2014, quando a Rússia lhe tomou a Crimeia, e mais ainda em 2022, quando Putin avançou sobre seu território extrapeninsular. Se Kiev ainda conservasse suas bombas, dificilmente estaria em guerra agora.

Algo parecido vale para o Irã. É verdade que, se os aiatolás não estivessem em busca da bomba, o Irã não teria sido atacado por Israel. Mas também dá para dizer que, se eles tivessem sido mais rápidos ou mais discretos e já contassem com um arsenal, também estariam protegidos.

A história não acaba aqui. Donald Trump minou a confiança de aliados dos EUA na Otan e em outras alianças militares. Países altamente tecnológicos, mas sem bomba, como Alemanha, Japão e Coreia do Sul, devem estar se perguntando se estão mesmo protegidos pelo guarda-chuva nuclear americano. Duvido que não se questionem silenciosamente se tomaram a decisão certa.

Não digo que líderes racionais devem agora buscar a bomba, mas é preciso reconhecer que acontecimentos dos últimos anos mudaram o cálculo atômico.

 

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