Folha de S. Paulo
Eventos geopolíticos da última década
deixaram mundo mais instável; países podem estar refazendo seus cálculos
nucleares
Líderes políticos racionais devem tentar obter uma bomba atômica? Até 2014, minha resposta teria sido um convicto "não". Desenvolver tecnologia bélica nuclear é caro. Manter arsenais, idem. E, pelo menos naqueles tempos pré-2014, era também relativamente inútil. Tanto o mundo bipolar da Guerra Fria quanto o unipolar da "Pax Americana" eram geopoliticamente mais estáveis que o atual. Não é que não ocorressem guerras, mas elas eram localizadas.
Num plano mais teórico, vigorava a doutrina MAD (acrônimo inglês de "destruição mútua assegurada"), segundo a qual o uso de artefatos nucleares em larga escala levaria à aniquilação tanto da parte que lançou o ataque quanto da que a ele respondeu. Basicamente, eram armas feitas para não serem usadas.
Tanto é assim que África do Sul, Belarus, Cazaquistão e Ucrânia, que
chegaram a deter armas nucleares (herdadas da URSS nos três últimos casos),
optaram por delas abrir mão.
Ao menos a Ucrânia se arrependeu amargamente
de tê-lo feito. Primeiro em 2014, quando a Rússia lhe
tomou a Crimeia, e mais ainda em 2022, quando Putin avançou sobre seu
território extrapeninsular. Se Kiev ainda conservasse suas bombas, dificilmente
estaria em guerra agora.
Algo parecido vale para o Irã. É verdade que, se os aiatolás não
estivessem em busca da bomba, o Irã não teria sido atacado por Israel. Mas
também dá para dizer que, se eles tivessem sido mais rápidos ou mais discretos
e já contassem com um arsenal, também estariam protegidos.
A história não acaba aqui. Donald Trump minou a confiança de aliados dos EUA
na Otan e
em outras alianças militares. Países altamente tecnológicos, mas sem bomba,
como Alemanha, Japão e Coreia do Sul, devem estar se perguntando se estão mesmo
protegidos pelo guarda-chuva nuclear americano. Duvido que não se questionem
silenciosamente se tomaram a decisão certa.
Não digo que líderes racionais devem agora buscar a bomba, mas é preciso
reconhecer que acontecimentos dos últimos anos mudaram o cálculo atômico.
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