O Globo
Está errado quando integrantes do governo
dizem que a inflação está controlada, ‘só um pouquinho’ fora do teto da meta
O regime de metas de inflação baseia-se em
teoria e décadas de prática mundo afora. Introduzido no Brasil em 1999, o
sistema funciona bem em todas as economias relevantes. Sendo combinação de
ciência e arte, há espaço para divergências. Nesta semana, o Comitê de Política
Monetária do Banco Central (Copom) elevou a taxa básica de juros (Selic) de
14,75% para 15% ao ano. Foi meia surpresa.
A maior parte dos analistas esperava manutenção da taxa. Parte minoritária acreditava na alta. Mas todos entendiam que qualquer opção fazia sentido. E, mais importante, ninguém contava com redução dos juros. A divergência, portanto, estava no detalhe de 0,25 ponto percentual — inexpressivo para o objetivo de trazer a inflação para 3% ao ano, isso lá em 2026.
Entre os analistas que trabalham com o modelo
de metas, há mais consensos que diferenças. Entendem que a Selic elevada é
necessária para levar a inflação anual dos atuais 5,3% (medida até maio último)
para os 3% definidos pelo Conselho Monetário Nacional.
Não tem caixa-preta. Todos os movimentos do
Banco Central (BC) são públicos, explicados em atas de reunião, relatórios
diversos e documentos teóricos, disponíveis no seu site oficial. Nesse
material, verifica-se que as projeções mostram inflação acima da meta até 2026.
Fora do governo, as projeções dos analistas apontam na mesma direção, embora os
números não coincidam perfeitamente.
Nasce daí o consenso do regime de metas. Se a
inflação atual e as projeções rodam acima da meta, a taxa básica de juros deve
subir o tanto necessário para derrubar o nível geral de preços. Não se trata,
portanto, de achismo, praticado por tantos políticos mundo afora.
Não é só Lula que
fica de bronca com o BC. Trump já ameaçou demitir o presidente do Federal
Reserve (o Fed) se ele não reduzisse os juros “imediatamente”. Na verdade, nem
ele nem Lula podem demitir “seus” presidentes de BCs. As instituições têm
independência, seus diretores têm mandatos.
Voltando às metas. Como é sempre difícil
cravar o número, muitos bancos centrais trabalham com intervalos de tolerância.
No caso brasileiro, a margem é de 1,5 ponto percentual para cima ou para baixo.
Logo, entre 1,5% e 4,5% ao ano, a inflação brasileira estará dentro do
intervalo de tolerância. Mas fora da meta. A tolerância existe para abrigar
situações excepcionais. De repente, vem uma baita seca, derruba a produção de
alimentos e eleva os preços do momento. Se a inflação estiver rodando na meta
de 3%, pode subir até 4,5% sem que o BC precise reagir a esse acontecimento
excepcional. Tem tempo para esperar que os preços se acomodem.
Mas, se o BC brasileiro “mirar” no teto da
meta — como quer muita gente por aqui —, é certo que a inflação ultrapassará
essa margem de 4,5%. Mesmo pequenos movimentos dos preços já levariam a
inflação a níveis que exigiriam juros ainda mais altos.
Tudo considerado, está errado quando membros
do governo dizem que a inflação brasileira está controlada, “só um pouquinho”
fora do teto da meta. E que, por isso, o BC poderia reduzir juros ou pelo menos
não os aumentar. Se o BC agisse assim, a inflação subiria a níveis acima dos
10%, como já aconteceu por aqui, na época de Dilma.
Por que mesmo é importante ter uma inflação
baixa? Porque a inflação destrói o poder aquisitivo da população, especialmente
dos mais pobres, que não têm como se defender da alta de preços.
O controle da inflação não depende apenas do
Banco Central. Quando eleva os juros, o BC tem o objetivo de esfriar a
economia, diminuir crédito e consumo. Trata-se de conter a demanda excessiva,
aquela que cresce além da capacidade produtiva e causa alta de preços.
Se o governo, em movimento contrário, aumenta
seus gastos e a oferta de crédito subsidiado, isso aquece a economia e favorece
a inflação. E exige que o BC eleve os juros muito mais do que precisaria. Se o
governo cortasse gastos, o trabalho do BC seria mais suave e rápido. Na ânsia
de distribuir bondades para cativar o eleitor, o governo corre o risco de
elevar a inflação que o derrotará.
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