sábado, 21 de junho de 2025

O Copom fez a coisa certa ao subir juros – Carlos Alberto Sardenberg

O Globo

Está errado quando integrantes do governo dizem que a inflação está controlada, ‘só um pouquinho’ fora do teto da meta

O regime de metas de inflação baseia-se em teoria e décadas de prática mundo afora. Introduzido no Brasil em 1999, o sistema funciona bem em todas as economias relevantes. Sendo combinação de ciência e arte, há espaço para divergências. Nesta semana, o Comitê de Política Monetária do Banco Central (Copom) elevou a taxa básica de juros (Selic) de 14,75% para 15% ao ano. Foi meia surpresa.

A maior parte dos analistas esperava manutenção da taxa. Parte minoritária acreditava na alta. Mas todos entendiam que qualquer opção fazia sentido. E, mais importante, ninguém contava com redução dos juros. A divergência, portanto, estava no detalhe de 0,25 ponto percentual — inexpressivo para o objetivo de trazer a inflação para 3% ao ano, isso lá em 2026.

Entre os analistas que trabalham com o modelo de metas, há mais consensos que diferenças. Entendem que a Selic elevada é necessária para levar a inflação anual dos atuais 5,3% (medida até maio último) para os 3% definidos pelo Conselho Monetário Nacional.

Não tem caixa-preta. Todos os movimentos do Banco Central (BC) são públicos, explicados em atas de reunião, relatórios diversos e documentos teóricos, disponíveis no seu site oficial. Nesse material, verifica-se que as projeções mostram inflação acima da meta até 2026. Fora do governo, as projeções dos analistas apontam na mesma direção, embora os números não coincidam perfeitamente.

Nasce daí o consenso do regime de metas. Se a inflação atual e as projeções rodam acima da meta, a taxa básica de juros deve subir o tanto necessário para derrubar o nível geral de preços. Não se trata, portanto, de achismo, praticado por tantos políticos mundo afora.

Não é só Lula que fica de bronca com o BC. Trump já ameaçou demitir o presidente do Federal Reserve (o Fed) se ele não reduzisse os juros “imediatamente”. Na verdade, nem ele nem Lula podem demitir “seus” presidentes de BCs. As instituições têm independência, seus diretores têm mandatos.

Voltando às metas. Como é sempre difícil cravar o número, muitos bancos centrais trabalham com intervalos de tolerância. No caso brasileiro, a margem é de 1,5 ponto percentual para cima ou para baixo. Logo, entre 1,5% e 4,5% ao ano, a inflação brasileira estará dentro do intervalo de tolerância. Mas fora da meta. A tolerância existe para abrigar situações excepcionais. De repente, vem uma baita seca, derruba a produção de alimentos e eleva os preços do momento. Se a inflação estiver rodando na meta de 3%, pode subir até 4,5% sem que o BC precise reagir a esse acontecimento excepcional. Tem tempo para esperar que os preços se acomodem.

Mas, se o BC brasileiro “mirar” no teto da meta — como quer muita gente por aqui —, é certo que a inflação ultrapassará essa margem de 4,5%. Mesmo pequenos movimentos dos preços já levariam a inflação a níveis que exigiriam juros ainda mais altos.

Tudo considerado, está errado quando membros do governo dizem que a inflação brasileira está controlada, “só um pouquinho” fora do teto da meta. E que, por isso, o BC poderia reduzir juros ou pelo menos não os aumentar. Se o BC agisse assim, a inflação subiria a níveis acima dos 10%, como já aconteceu por aqui, na época de Dilma.

Por que mesmo é importante ter uma inflação baixa? Porque a inflação destrói o poder aquisitivo da população, especialmente dos mais pobres, que não têm como se defender da alta de preços.

O controle da inflação não depende apenas do Banco Central. Quando eleva os juros, o BC tem o objetivo de esfriar a economia, diminuir crédito e consumo. Trata-se de conter a demanda excessiva, aquela que cresce além da capacidade produtiva e causa alta de preços.

Se o governo, em movimento contrário, aumenta seus gastos e a oferta de crédito subsidiado, isso aquece a economia e favorece a inflação. E exige que o BC eleve os juros muito mais do que precisaria. Se o governo cortasse gastos, o trabalho do BC seria mais suave e rápido. Na ânsia de distribuir bondades para cativar o eleitor, o governo corre o risco de elevar a inflação que o derrotará.

 

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