Panorama Econômico :: Miriam Leitão
DEU EM O GLOBO
O Banco Central errou ao acreditar na tese do descolamento. Grande parte do mercado acreditou, mas a função do BC é ser capaz de ver além do horizonte de curto prazo. Erra de novo agora, quando não prepara o governo para a gravidade da crise e defende a tese de que a recuperação já começou. Erra mais ainda quando é conivente com o expansionismo fiscal que vai criar esqueletos no futuro.
A tese de Henrique Meirelles é que a recuperação econômica já começou neste segundo trimestre, e a projeção do BC é de um crescimento de 1,2% do PIB. A previsão de inflação foi uma espécie de conta de chegar para não brigar com os fatos que indicam recessão e não desagradar ao governo, que aposta num crescimento de 2%. É um número político, e uma declaração política numa hora em que, mais do que nunca, é necessário um Banco Central técnico.
Meirelles disse aos repórteres Alex Ribeiro e Cristiano Romero, do jornal "Valor Econômico", que o BC não errou na política monetária, e explicou que a crise foi provocada pela quebra do Lehman Brothers e pela falta de liquidez que dela resultou. Segundo Meirelles: "Não há país, independentemente da política monetária, que pudesse evitar esse fenômeno."
A crise tinha começado muito antes, a quebra do Lehman Brothers foi apenas o gatilho que detonou o ataque de pânico que aprofundou uma crise da qual já se sabia que era de grandes proporções antes mesmo daquele 15 de setembro. Os Estados Unidos já estavam em recessão, bancos já estavam mergulhados no vermelho - alguns estatizados até em países como a Inglaterra -, o estouro da bolha imobiliária já produzia queda em cascata do preço dos ativos havia quase um ano, quando o Lehman Brothers quebrou. O fato é que o BC achava que o país estava "blindado", ele realmente acreditou nesse conto da carochinha. Por causa disso é que estava em pleno "ciclo de aperto de política monetária" quando a crise se agravou.
A função de um banco central é ver além dos consensos de curto prazo dos operadores do mercado, e não ficar a reboque deles. Precisava ter visto a tempo a gravidade da crise externa, que já tinha contratado uma queda do crescimento global, qual fosse o destino do Lehman Brothers. Qualquer pessoa que tenha conversado com as autoridades do BC, ou tenha lido com calma seus atos e relatórios, e tenha sido informada das análises que ele fez periodicamente, sabe que seu erro foi achar que a bolha imobiliária americana se dissolveria paulatinamente e não explodiria; o erro foi avaliar mal a conjuntura econômica internacional e superestimar a capacidade brasileira de resistir a ela. Na verdade, para o BC, o único risco que o Brasil corria em 2008 era o de excesso de crescimento, de aquecimento da demanda. O erro do Banco Central foi ficar impressionado com os números imediatos, sem ver o horizonte mais amplo que indicava uma retração global que atingiria todos os países, entre eles o Brasil.
O BC precisava, também, ter preparado o país, do ponto de vista institucional, para o momento de queda maior das taxas de juros, para não se criar o dilema que está agora, entre queda de juros e remuneração da poupança. Isso é pedra cantada há muito tempo. Já se sabia que haveria este impasse com a natural queda dos juros abaixo dos dois dígitos. Poderia ter apontado a necessidade de se desarmar a bomba da renegociação da dívida dos estados, quando havia tranquilidade para fazer isso, o que evitaria uma mudança feita por pressão em momento de crise. Não cabe ao BC gerir toda a política econômica, mas ele tem que ter visão de longo prazo para ir mostrando a necessidade de se desfazer os nós institucionais que o Brasil tem. Até porque a atual gestão do Ministério da Fazenda não tem mesmo capacidade de formulação. Principalmente, já poderia ter trabalhado para reduzir o spread, se acha que o problema é tão relevante.
Caberia também ao BC ter dado alertas mais fortes sobre os riscos fiscais que país correu em anos recentes, e corre muito mais agora na abertura geral dos cofres aos lobbies amigos. Não o fez porque o órgão vive na corda bamba no governo Lula, numa autonomia consentida, tendo que ser confirmada a cada nova reunião do Copom. Faria melhor a defesa da moeda se tivesse explicitado que o governo fez uma política de ampliar gastos de custeio numa época de crescimento da arrecadação, não preparando, a tempo, a política contra-cíclica. O BC se omitiu para não ferir susceptibilidades do governo Lula.
Da mesma forma que, agora, finge não ver que a política fiscal expansionista, feita de forma improvisada, está erodindo, na prática, a Lei de Responsabilidade Fiscal e contratando os próximos esqueletos dos armários de Brasília. O uso abusivo dos fundos de poupança compulsória e o dos bancos públicos aumenta os riscos de esqueletos. E é deste descontrole que se alimentará a inflação futura. A estabilidade monetária precisa muito mais da vigilância fiscal que de certos preciosismos supostamente técnicos, alegados em alguns dos seus comunicados.
DEU EM O GLOBO
O Banco Central errou ao acreditar na tese do descolamento. Grande parte do mercado acreditou, mas a função do BC é ser capaz de ver além do horizonte de curto prazo. Erra de novo agora, quando não prepara o governo para a gravidade da crise e defende a tese de que a recuperação já começou. Erra mais ainda quando é conivente com o expansionismo fiscal que vai criar esqueletos no futuro.
A tese de Henrique Meirelles é que a recuperação econômica já começou neste segundo trimestre, e a projeção do BC é de um crescimento de 1,2% do PIB. A previsão de inflação foi uma espécie de conta de chegar para não brigar com os fatos que indicam recessão e não desagradar ao governo, que aposta num crescimento de 2%. É um número político, e uma declaração política numa hora em que, mais do que nunca, é necessário um Banco Central técnico.
Meirelles disse aos repórteres Alex Ribeiro e Cristiano Romero, do jornal "Valor Econômico", que o BC não errou na política monetária, e explicou que a crise foi provocada pela quebra do Lehman Brothers e pela falta de liquidez que dela resultou. Segundo Meirelles: "Não há país, independentemente da política monetária, que pudesse evitar esse fenômeno."
A crise tinha começado muito antes, a quebra do Lehman Brothers foi apenas o gatilho que detonou o ataque de pânico que aprofundou uma crise da qual já se sabia que era de grandes proporções antes mesmo daquele 15 de setembro. Os Estados Unidos já estavam em recessão, bancos já estavam mergulhados no vermelho - alguns estatizados até em países como a Inglaterra -, o estouro da bolha imobiliária já produzia queda em cascata do preço dos ativos havia quase um ano, quando o Lehman Brothers quebrou. O fato é que o BC achava que o país estava "blindado", ele realmente acreditou nesse conto da carochinha. Por causa disso é que estava em pleno "ciclo de aperto de política monetária" quando a crise se agravou.
A função de um banco central é ver além dos consensos de curto prazo dos operadores do mercado, e não ficar a reboque deles. Precisava ter visto a tempo a gravidade da crise externa, que já tinha contratado uma queda do crescimento global, qual fosse o destino do Lehman Brothers. Qualquer pessoa que tenha conversado com as autoridades do BC, ou tenha lido com calma seus atos e relatórios, e tenha sido informada das análises que ele fez periodicamente, sabe que seu erro foi achar que a bolha imobiliária americana se dissolveria paulatinamente e não explodiria; o erro foi avaliar mal a conjuntura econômica internacional e superestimar a capacidade brasileira de resistir a ela. Na verdade, para o BC, o único risco que o Brasil corria em 2008 era o de excesso de crescimento, de aquecimento da demanda. O erro do Banco Central foi ficar impressionado com os números imediatos, sem ver o horizonte mais amplo que indicava uma retração global que atingiria todos os países, entre eles o Brasil.
O BC precisava, também, ter preparado o país, do ponto de vista institucional, para o momento de queda maior das taxas de juros, para não se criar o dilema que está agora, entre queda de juros e remuneração da poupança. Isso é pedra cantada há muito tempo. Já se sabia que haveria este impasse com a natural queda dos juros abaixo dos dois dígitos. Poderia ter apontado a necessidade de se desarmar a bomba da renegociação da dívida dos estados, quando havia tranquilidade para fazer isso, o que evitaria uma mudança feita por pressão em momento de crise. Não cabe ao BC gerir toda a política econômica, mas ele tem que ter visão de longo prazo para ir mostrando a necessidade de se desfazer os nós institucionais que o Brasil tem. Até porque a atual gestão do Ministério da Fazenda não tem mesmo capacidade de formulação. Principalmente, já poderia ter trabalhado para reduzir o spread, se acha que o problema é tão relevante.
Caberia também ao BC ter dado alertas mais fortes sobre os riscos fiscais que país correu em anos recentes, e corre muito mais agora na abertura geral dos cofres aos lobbies amigos. Não o fez porque o órgão vive na corda bamba no governo Lula, numa autonomia consentida, tendo que ser confirmada a cada nova reunião do Copom. Faria melhor a defesa da moeda se tivesse explicitado que o governo fez uma política de ampliar gastos de custeio numa época de crescimento da arrecadação, não preparando, a tempo, a política contra-cíclica. O BC se omitiu para não ferir susceptibilidades do governo Lula.
Da mesma forma que, agora, finge não ver que a política fiscal expansionista, feita de forma improvisada, está erodindo, na prática, a Lei de Responsabilidade Fiscal e contratando os próximos esqueletos dos armários de Brasília. O uso abusivo dos fundos de poupança compulsória e o dos bancos públicos aumenta os riscos de esqueletos. E é deste descontrole que se alimentará a inflação futura. A estabilidade monetária precisa muito mais da vigilância fiscal que de certos preciosismos supostamente técnicos, alegados em alguns dos seus comunicados.
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