Vinicius Torres Freire
DEU NA FOLHA DE S. PAULO
Liderados pela China, Brasil, Rússia e Índia atacam domínio americano, mas ainda não têm o que colocar no lugar
O BRIC parece um pouco com as bruxas do batido provérbio: não se deve acreditar nele, mas que ele existe, existe. O Bric (Brasil, Rússia, Índia e China) encerrou ontem sua primeira reunião de cúpula, na qual se professou a redução do peso dos EUA e de sua moeda nos negócios do mundo. O domínio do dólar confere aos americanos um "privilégio exorbitante", como os franceses diziam nos anos 1960. Isto é, permite que os EUA consumam mais do que produzem e sustentem desequilíbrios econômicos que acabariam em quebra no resto do globo.
No seu último grande ciclo de desequilíbrio, iniciado no final dos anos 90, os EUA voltaram a acumular déficits externos gigantes (importam mais que exportam) devidos tanto ao excesso de consumo privado como do governo (déficit público). Os EUA quebrariam caso não houvesse um fluxo de capital enorme, vindo de países que produzem muito e consomem menos. Os excedentes de Ásia, países petrolíferos e até do Brasil financiam o gasto (tais países investem em títulos americanos: mantém a maior parte de suas reservas em dólar). Esse é o beabá do chamado "desequilíbrio global".
Como os EUA têm déficit público cada vez mais gigante (13% do PIB) e dívida enorme, há o risco teórico de fuga de ativos americanos e de desvalorização maciça do dólar. Mas: 1) Onde mais colocar o dinheiro?; 2) Em caso de desvalorização catastrófica, quem investe nos EUA teria prejuízo. Os EUA ainda recebem tanto dinheiro porque sua economia é a maior e tem enormes e sofisticados mercados financeiros. Para que os EUA percam essa posição, seria preciso encontrar substituto(s) de igual tamanho e capacidade.
Bem, não é o caso da China. Sua economia nem é bem de mercado.Seus mercados financeiros são primitivos, opacos e ilíquidos. A moeda de uma ditadura arbitrária e potência econômica ainda nova e menor não é confiável, conversível.
Para piorar, a China vive em simbiose com os EUA: com o grande e gastador mercado americano e com seus mercados financeiros. Não pode se divorciar dos EUA sem mais.Teria de mudar seu padrão de crescimento (consumir mais, investir menos). Teria de diversificar lentamente suas reservas (a fim de evitar um "crash" do dólar). Teria de deixar sua moeda flutuar e reduzir controles de capitais, o que é anátema.
Mas China e Rússia têm interesse político no enfraquecimento dos EUA. A China até passa sabão nos EUA: diz que o déficit americano provocará inflação (o que o FMI nos dizia). Os chineses começam a auxiliar as finanças de vizinhos e até da Argentina (mas em dólares). O Brasil, em escala micro, começa a fazer o mesmo na América do Sul. Brasil, Rússia e China dizem que vão diversificar suas reservas -vão, por exemplo, investir mais em papéis do FMI (é troco: só 2%, 3% das reservas). Querem comerciar em moedas nacionais, mas isso não tem muito futuro enquanto o financiamento das transações for quase todo em dólar. Querem criar moedas fortes "regionais". E há o rumor de que comprariam títulos uns dos outros, em vez de financiar os EUA (ver para crer).
É um começo. Porém, como se viu no pior da crise, os EUA ainda são considerados o banco do planeta.
Mesmo teoricamente quebrados.
DEU NA FOLHA DE S. PAULO
Liderados pela China, Brasil, Rússia e Índia atacam domínio americano, mas ainda não têm o que colocar no lugar
O BRIC parece um pouco com as bruxas do batido provérbio: não se deve acreditar nele, mas que ele existe, existe. O Bric (Brasil, Rússia, Índia e China) encerrou ontem sua primeira reunião de cúpula, na qual se professou a redução do peso dos EUA e de sua moeda nos negócios do mundo. O domínio do dólar confere aos americanos um "privilégio exorbitante", como os franceses diziam nos anos 1960. Isto é, permite que os EUA consumam mais do que produzem e sustentem desequilíbrios econômicos que acabariam em quebra no resto do globo.
No seu último grande ciclo de desequilíbrio, iniciado no final dos anos 90, os EUA voltaram a acumular déficits externos gigantes (importam mais que exportam) devidos tanto ao excesso de consumo privado como do governo (déficit público). Os EUA quebrariam caso não houvesse um fluxo de capital enorme, vindo de países que produzem muito e consomem menos. Os excedentes de Ásia, países petrolíferos e até do Brasil financiam o gasto (tais países investem em títulos americanos: mantém a maior parte de suas reservas em dólar). Esse é o beabá do chamado "desequilíbrio global".
Como os EUA têm déficit público cada vez mais gigante (13% do PIB) e dívida enorme, há o risco teórico de fuga de ativos americanos e de desvalorização maciça do dólar. Mas: 1) Onde mais colocar o dinheiro?; 2) Em caso de desvalorização catastrófica, quem investe nos EUA teria prejuízo. Os EUA ainda recebem tanto dinheiro porque sua economia é a maior e tem enormes e sofisticados mercados financeiros. Para que os EUA percam essa posição, seria preciso encontrar substituto(s) de igual tamanho e capacidade.
Bem, não é o caso da China. Sua economia nem é bem de mercado.Seus mercados financeiros são primitivos, opacos e ilíquidos. A moeda de uma ditadura arbitrária e potência econômica ainda nova e menor não é confiável, conversível.
Para piorar, a China vive em simbiose com os EUA: com o grande e gastador mercado americano e com seus mercados financeiros. Não pode se divorciar dos EUA sem mais.Teria de mudar seu padrão de crescimento (consumir mais, investir menos). Teria de diversificar lentamente suas reservas (a fim de evitar um "crash" do dólar). Teria de deixar sua moeda flutuar e reduzir controles de capitais, o que é anátema.
Mas China e Rússia têm interesse político no enfraquecimento dos EUA. A China até passa sabão nos EUA: diz que o déficit americano provocará inflação (o que o FMI nos dizia). Os chineses começam a auxiliar as finanças de vizinhos e até da Argentina (mas em dólares). O Brasil, em escala micro, começa a fazer o mesmo na América do Sul. Brasil, Rússia e China dizem que vão diversificar suas reservas -vão, por exemplo, investir mais em papéis do FMI (é troco: só 2%, 3% das reservas). Querem comerciar em moedas nacionais, mas isso não tem muito futuro enquanto o financiamento das transações for quase todo em dólar. Querem criar moedas fortes "regionais". E há o rumor de que comprariam títulos uns dos outros, em vez de financiar os EUA (ver para crer).
É um começo. Porém, como se viu no pior da crise, os EUA ainda são considerados o banco do planeta.
Mesmo teoricamente quebrados.
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