Editorial
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO
Pensando bem, o maior dos escândalos que enxovalham o Senado não é nenhum dos que vieram à luz nos últimos meses, na esteira da disputa pelo seu comando, do qual saiu vitorioso o representante do Amapá, José Sarney, que até a enésima hora jurava não ambicionar o posto pela terceira vez. O escândalo dos escândalos é a transformação do Senado da República em repartição do governo Lula. A captura da instituição tornou-se a meta principal, nas relações com o Legislativo, de um presidente escaldado pela única derrota séria que a Casa lhe infligiu, ao derrubar a prorrogação da CPMF, em dezembro de 2007, e obcecado em remover do Congresso o menor obstáculo ao programa de aceleração do crescimento da candidatura Dilma Rousseff - a "sucessora", como não se peja de proclamar, indiferente ao prazo estabelecido pela Justiça Eleitoral para o início da campanha.
Todo presidente aspira à hegemonia no Parlamento. A diferença está nos meios que em países politicamente amadurecidos o sistema presidencialista considera legítimos para o exercício da influência do Executivo nas decisões congressuais e, mais do que isso, nos limites que os próprios governantes se impõem nessa empreitada, por reconhecer o imperativo da integridade dos Poderes republicanos. Com Lula a história é outra. De há muito ele deve ter intuído que os costumes políticos nacionais - os mesmos que passou décadas execrando até o exagero - embutem uma complacência, pronta para ser explorada, com as premissas a partir das quais se estrutura o relacionamento entre as instituições de governo. Sem nada a inibi-lo no plano da ética política, que para ele consiste no êxito puro e simples das suas operações de poder, tudo se resume à oportunidade e à moeda adequada para comprar a adesão dos parlamentares que outra coisa dele já não esperavam.
Para tutelar o Senado, o Planalto não precisou recorrer a um meio tão rudimentar como foi o mensalão na Câmara. Bastou acertar-se com as suas caciquias - as dos Sarneys, Calheiros, Jucás, em suma, a escolada primeira divisão dos profissionais do PMDB - e o resto, previsivelmente, veio por gravidade. Rudimentar, isso sim, é a forma como o esquema aplasta não só a desvitalizada oposição, no curso daquilo que na linguagem política é o "jogo jogado", mas qualquer entendimento entre os blocos partidários que contenha ao menos um semblante de respeito ao direito da minoria na Casa outrora chamada Câmara Alta. A tática da terra arrasada funcionou a pleno vapor no deplorável espetáculo da instalação da CPI da Petrobrás, anteontem, passados dois meses da sua criação. Com a leonina vantagem de 8 cadeiras a 3 no colegiado, a maioria impôs os nomes que desde a primeira hora Lula queria ver na presidência (o seu fraternal amigo petista João Pedro) e na relatoria do inquérito (o ex-ministro e líder do governo Romero Jucá).
A exibição inaugural do rolo compressor do Planalto deixa poucas dúvidas sobre o alcance da investigação das suspeitas que envolvem a estatal - fraudes em licitações, superfaturamento nas obras da Refinaria Abreu e Lima, em Pernambuco, irregularidades em contratos de patrocínio e convênios com ONGs e prefeituras e manobras contábeis contestadas pela Receita. A CPI auditará o que o governo permitir e ouvirá apenas depoentes seguros ou sacrificáveis - excluída, por definição, a ministra Dilma Rousseff, ex-titular de Minas e Energia. A ironia é que até há bem pouco, imaginando que poderia equilibrar a balança, a oposição falava em sugerir aos governistas o nome do senador Fernando Collor, presidente da Comissão de Infraestrutura, para conduzir os trabalhos. Justo o feroz adversário de Lula na eleição de 1989, convertido em lulista desde criancinha, a quem, na mesma quarta-feira, numa festa em Alagoas, exaltaria por dar "sustentação muito grande aos trabalhos do governo no Senado".
A sessão em que se instalou a CPI foi dirigida e sumariamente encerrada pelo decano da Casa, o peemedebista Paulo Duque, de 81 anos. Ele era o candidato do líder do partido, Renan Calheiros - outro sustentáculo de Lula -, para presidente do Conselho de Ética que já recebeu três representações contra Sarney por quebra de decoro. Duque espelhou à perfeição a esqualidez moral deste Senado jungido pelo lulismo ao dizer que "ficar vasculhando a vida dele é bobagem".
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO
Pensando bem, o maior dos escândalos que enxovalham o Senado não é nenhum dos que vieram à luz nos últimos meses, na esteira da disputa pelo seu comando, do qual saiu vitorioso o representante do Amapá, José Sarney, que até a enésima hora jurava não ambicionar o posto pela terceira vez. O escândalo dos escândalos é a transformação do Senado da República em repartição do governo Lula. A captura da instituição tornou-se a meta principal, nas relações com o Legislativo, de um presidente escaldado pela única derrota séria que a Casa lhe infligiu, ao derrubar a prorrogação da CPMF, em dezembro de 2007, e obcecado em remover do Congresso o menor obstáculo ao programa de aceleração do crescimento da candidatura Dilma Rousseff - a "sucessora", como não se peja de proclamar, indiferente ao prazo estabelecido pela Justiça Eleitoral para o início da campanha.
Todo presidente aspira à hegemonia no Parlamento. A diferença está nos meios que em países politicamente amadurecidos o sistema presidencialista considera legítimos para o exercício da influência do Executivo nas decisões congressuais e, mais do que isso, nos limites que os próprios governantes se impõem nessa empreitada, por reconhecer o imperativo da integridade dos Poderes republicanos. Com Lula a história é outra. De há muito ele deve ter intuído que os costumes políticos nacionais - os mesmos que passou décadas execrando até o exagero - embutem uma complacência, pronta para ser explorada, com as premissas a partir das quais se estrutura o relacionamento entre as instituições de governo. Sem nada a inibi-lo no plano da ética política, que para ele consiste no êxito puro e simples das suas operações de poder, tudo se resume à oportunidade e à moeda adequada para comprar a adesão dos parlamentares que outra coisa dele já não esperavam.
Para tutelar o Senado, o Planalto não precisou recorrer a um meio tão rudimentar como foi o mensalão na Câmara. Bastou acertar-se com as suas caciquias - as dos Sarneys, Calheiros, Jucás, em suma, a escolada primeira divisão dos profissionais do PMDB - e o resto, previsivelmente, veio por gravidade. Rudimentar, isso sim, é a forma como o esquema aplasta não só a desvitalizada oposição, no curso daquilo que na linguagem política é o "jogo jogado", mas qualquer entendimento entre os blocos partidários que contenha ao menos um semblante de respeito ao direito da minoria na Casa outrora chamada Câmara Alta. A tática da terra arrasada funcionou a pleno vapor no deplorável espetáculo da instalação da CPI da Petrobrás, anteontem, passados dois meses da sua criação. Com a leonina vantagem de 8 cadeiras a 3 no colegiado, a maioria impôs os nomes que desde a primeira hora Lula queria ver na presidência (o seu fraternal amigo petista João Pedro) e na relatoria do inquérito (o ex-ministro e líder do governo Romero Jucá).
A exibição inaugural do rolo compressor do Planalto deixa poucas dúvidas sobre o alcance da investigação das suspeitas que envolvem a estatal - fraudes em licitações, superfaturamento nas obras da Refinaria Abreu e Lima, em Pernambuco, irregularidades em contratos de patrocínio e convênios com ONGs e prefeituras e manobras contábeis contestadas pela Receita. A CPI auditará o que o governo permitir e ouvirá apenas depoentes seguros ou sacrificáveis - excluída, por definição, a ministra Dilma Rousseff, ex-titular de Minas e Energia. A ironia é que até há bem pouco, imaginando que poderia equilibrar a balança, a oposição falava em sugerir aos governistas o nome do senador Fernando Collor, presidente da Comissão de Infraestrutura, para conduzir os trabalhos. Justo o feroz adversário de Lula na eleição de 1989, convertido em lulista desde criancinha, a quem, na mesma quarta-feira, numa festa em Alagoas, exaltaria por dar "sustentação muito grande aos trabalhos do governo no Senado".
A sessão em que se instalou a CPI foi dirigida e sumariamente encerrada pelo decano da Casa, o peemedebista Paulo Duque, de 81 anos. Ele era o candidato do líder do partido, Renan Calheiros - outro sustentáculo de Lula -, para presidente do Conselho de Ética que já recebeu três representações contra Sarney por quebra de decoro. Duque espelhou à perfeição a esqualidez moral deste Senado jungido pelo lulismo ao dizer que "ficar vasculhando a vida dele é bobagem".
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