Miriam Leitão
DEU EM O GLOBO
Sob a liderança do PSDB, os ruralistas tentaram dar um golpe ontem no processo de votação do Código Florestal. A discussão do Código em si já é uma ameaça. Pior é o golpe tucano, porque ele tentava atropelar tudo e votar já a anistia para desmatadores e a permissão de plantar espécies exóticas na Amazônia. O barulho das sirenes do Greenpeace parou a votação, por uma semana
O mundo todo está discutindo como proteger as florestas tropicais, um dos itens centrais da maior e mais aguardada negociação climática do mundo. E no Brasil há uma escalada na direção oposta: a de como destruir mais facilmente.
O golpe tucano foi imaginado assim: o Código Florestal tem várias ideias ruins, mas está ainda no começo do processo. Das 45 sessões, foram realizadas apenas três.
No debate democrático pode, quem sabe, ser melhorado. É uma esperança. O golpe foi pegar um outro projeto que está quase terminando a tramitação, colocar nele todas as ideias floresticidas e votar, atropelando o novo Código.
O instrumento usado para o golpe foi o PL 6.424, do senador do PSDB Flexa Ribeiro, que desde 2005 tramita no Congresso. Ele surgiu de uma péssima ideia do senador: usar palmácias em vez de espécies nativas na recomposição da reserva legal de 80% na Amazônia. O projeto abria espaço para que a Malásia, que já fez um enorme estrago por lá, plantando palmas em áreas de vegetação nativa, viesse fazer o mesmo no Brasil. Assim, quem desmatou mais do que os 80% permitidos poderia constituir reserva legal com essas plantas exóticas. Seria um convite ao desmatamento para a plantação de espécies com uso comercial.
O projeto de Flexa Ribeiro foi aprovado no Senado e estava dormindo na Comissão de Meio Ambiente da Câmara. Recentemente, a bancada ruralista depôs o relator e nomeou o deputado Marcos Monte, do PSDB de Minas. O substitutivo dele é coincidentemente muito parecido com um documento da Confederação Nacional da Agricultura. Se fosse aprovado na Comissão de Meio Ambiente da Câmara — recentemente dominada pelos ruralistas — não precisaria ir para o plenário, poderia voltar para o Senado na reta final da aprovação. Aí nem seria necessário mais discutir o Código Florestal porque aquelas ideias já estariam no projeto. Em torno do substitutivo juntaram-se ruralistas de outros partidos e o presidente da Comissão, deputado Roberto Rocha, do PSDB do Maranhão. Queriam pôr em votação de qualquer maneira ontem.
Foi quando os manifestantes do Greenpeace se acorrentaram nas mesas com o corpo cheio de sirenes.
O barulho acordou algumas lideranças tucanas e a votação passou para a semana que vem, mas como único item da pauta.
O que diz o projeto floresticida? Pelo cálculo do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia, a proposta representaria a anistia de quem desmatou algo como 34 milhões de hectares na Amazônia e no Cerrado, inclusive em áreas de preservação permanente.
Existe desmatamento legal e ilegal. O legal respeita a reserva e obtém autorização de manejo no Ibama. O Ipam acha que no estado de Mato Grosso, em 2008, apenas 15% do desmatamento foram feitos de acordo com a lei. O projeto permite que todo o desmatamento feito até 2006 possa ser reconstituído com árvores exóticas, entre elas, as palmácias.
O projeto, na prática, segundo o Ipam, acaba com a função de fazer o zoneamento econômico ecológico e delega aos estados o poder de decisões na área ambiental, que hoje é de órgãos federais, com o Ibama. Retira o poder de polícia dos órgãos ambientais e anula a função do cadastro rural georeferenciado.
O curioso do documento do deputado é que ele justifica seu substitutivo dizendo que é uma forma de proteção do meio ambiente. Estabelece inclusive no início que é proibido desmatar, para, durante todo o documento, criar os meios de melhor destruir a vegetação nativa.
O argumento de que o Brasil é grande, e tem ecossistemas diferentes, e que, por isso, os estados devem decidir, é falacioso. A diversidade brasileira é fato, e por isso há normas diferenciadas.Mas topo de morro, encostas e beira de rio têm que estar protegidos em qualquer lugar do mundo. Não há relatividade estadual possível.
O argumento velho e mentiroso de que tudo isso é para legalizar quem desmatou quando a reserva legal era 50% está lá também.
Ele sempre está neste tipo de documento. A reserva na Amazônia passou a 80% há 12 anos. De lá para cá, foram destruídos ilegalmente mais de 100 mil km.2 Portanto, não é do passado que se trata e sim de desmatamento recente.
É estranho o Brasil ter tantas iniciativas para aumentar a possibilidade legal de destruir a floresta exatamente quando está tão perto da reunião de Copenhague. Ou é alienação absoluta ou é provocação explícita da bancada ruralista. É uma tentativa também de atropelar a discussão do novo Código Florestal.
Os diretores do Greenpeace foram ao relator do novo Código, deputado Aldo Rebelo, e entregaram a ele um documento inesperado: cópia da primeira tentativa de implantar uma reserva legal no Brasil, estabelecendo que um sexto da floresta teria que permanecer intocado. Na época, os brasileiros estavam todos concentrados na faixa da Mata Atlântica. O autor do documento: José Bonifácio, o Patriarca da Independência!
DEU EM O GLOBO
Sob a liderança do PSDB, os ruralistas tentaram dar um golpe ontem no processo de votação do Código Florestal. A discussão do Código em si já é uma ameaça. Pior é o golpe tucano, porque ele tentava atropelar tudo e votar já a anistia para desmatadores e a permissão de plantar espécies exóticas na Amazônia. O barulho das sirenes do Greenpeace parou a votação, por uma semana
O mundo todo está discutindo como proteger as florestas tropicais, um dos itens centrais da maior e mais aguardada negociação climática do mundo. E no Brasil há uma escalada na direção oposta: a de como destruir mais facilmente.
O golpe tucano foi imaginado assim: o Código Florestal tem várias ideias ruins, mas está ainda no começo do processo. Das 45 sessões, foram realizadas apenas três.
No debate democrático pode, quem sabe, ser melhorado. É uma esperança. O golpe foi pegar um outro projeto que está quase terminando a tramitação, colocar nele todas as ideias floresticidas e votar, atropelando o novo Código.
O instrumento usado para o golpe foi o PL 6.424, do senador do PSDB Flexa Ribeiro, que desde 2005 tramita no Congresso. Ele surgiu de uma péssima ideia do senador: usar palmácias em vez de espécies nativas na recomposição da reserva legal de 80% na Amazônia. O projeto abria espaço para que a Malásia, que já fez um enorme estrago por lá, plantando palmas em áreas de vegetação nativa, viesse fazer o mesmo no Brasil. Assim, quem desmatou mais do que os 80% permitidos poderia constituir reserva legal com essas plantas exóticas. Seria um convite ao desmatamento para a plantação de espécies com uso comercial.
O projeto de Flexa Ribeiro foi aprovado no Senado e estava dormindo na Comissão de Meio Ambiente da Câmara. Recentemente, a bancada ruralista depôs o relator e nomeou o deputado Marcos Monte, do PSDB de Minas. O substitutivo dele é coincidentemente muito parecido com um documento da Confederação Nacional da Agricultura. Se fosse aprovado na Comissão de Meio Ambiente da Câmara — recentemente dominada pelos ruralistas — não precisaria ir para o plenário, poderia voltar para o Senado na reta final da aprovação. Aí nem seria necessário mais discutir o Código Florestal porque aquelas ideias já estariam no projeto. Em torno do substitutivo juntaram-se ruralistas de outros partidos e o presidente da Comissão, deputado Roberto Rocha, do PSDB do Maranhão. Queriam pôr em votação de qualquer maneira ontem.
Foi quando os manifestantes do Greenpeace se acorrentaram nas mesas com o corpo cheio de sirenes.
O barulho acordou algumas lideranças tucanas e a votação passou para a semana que vem, mas como único item da pauta.
O que diz o projeto floresticida? Pelo cálculo do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia, a proposta representaria a anistia de quem desmatou algo como 34 milhões de hectares na Amazônia e no Cerrado, inclusive em áreas de preservação permanente.
Existe desmatamento legal e ilegal. O legal respeita a reserva e obtém autorização de manejo no Ibama. O Ipam acha que no estado de Mato Grosso, em 2008, apenas 15% do desmatamento foram feitos de acordo com a lei. O projeto permite que todo o desmatamento feito até 2006 possa ser reconstituído com árvores exóticas, entre elas, as palmácias.
O projeto, na prática, segundo o Ipam, acaba com a função de fazer o zoneamento econômico ecológico e delega aos estados o poder de decisões na área ambiental, que hoje é de órgãos federais, com o Ibama. Retira o poder de polícia dos órgãos ambientais e anula a função do cadastro rural georeferenciado.
O curioso do documento do deputado é que ele justifica seu substitutivo dizendo que é uma forma de proteção do meio ambiente. Estabelece inclusive no início que é proibido desmatar, para, durante todo o documento, criar os meios de melhor destruir a vegetação nativa.
O argumento de que o Brasil é grande, e tem ecossistemas diferentes, e que, por isso, os estados devem decidir, é falacioso. A diversidade brasileira é fato, e por isso há normas diferenciadas.Mas topo de morro, encostas e beira de rio têm que estar protegidos em qualquer lugar do mundo. Não há relatividade estadual possível.
O argumento velho e mentiroso de que tudo isso é para legalizar quem desmatou quando a reserva legal era 50% está lá também.
Ele sempre está neste tipo de documento. A reserva na Amazônia passou a 80% há 12 anos. De lá para cá, foram destruídos ilegalmente mais de 100 mil km.2 Portanto, não é do passado que se trata e sim de desmatamento recente.
É estranho o Brasil ter tantas iniciativas para aumentar a possibilidade legal de destruir a floresta exatamente quando está tão perto da reunião de Copenhague. Ou é alienação absoluta ou é provocação explícita da bancada ruralista. É uma tentativa também de atropelar a discussão do novo Código Florestal.
Os diretores do Greenpeace foram ao relator do novo Código, deputado Aldo Rebelo, e entregaram a ele um documento inesperado: cópia da primeira tentativa de implantar uma reserva legal no Brasil, estabelecendo que um sexto da floresta teria que permanecer intocado. Na época, os brasileiros estavam todos concentrados na faixa da Mata Atlântica. O autor do documento: José Bonifácio, o Patriarca da Independência!
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