DEU NO JORNAL DO COMMERCIO (PE)
Com consenso ou submissão, acordo ou desacordo, com proclamações afirmativas ou resignadas, com metas para 2020, 2050 ou meta nenhuma, qualquer que seja o resultado da Cúpula do Clima é possível dizer com segurança que o mundo, a partir de agora, já não será o mesmo.
Apesar da bagunça dinamarquesa, do egocentrismo chinês, da falta de ousadia dos EUA, da visão estreita dos chamados "emergentes" e da orfandade dos países pobres, apesar do rol de expectativas e frustrações, está criada uma consciência mundial para enfrentar o aquecimento do planeta. Este é um dado concreto, visível, inquestionável.
Os ecocéticos estão batidos. Derrubadas estão as teorias conspiratórias a respeito de uma jogada dos ricos para impedir o crescimento dos pobres. O culto da desregulação e do deus-mercado tornaram-se insustentáveis. A comunidade internacional não tem outra saída senão conviver. A classificação anterior dos grupos de países mostra que a humanidade, apesar de tudo, conseguiu despolarizar-se e libertar-se da rígida etiquetagem.
A União Européia é rica mas difere e diverge frontalmente da primeira economia do mundo, a americana, assumindo posições de vanguarda impostas pela sua estrutura multinacional. A China, embora formalmente "emergente", é a 2ª economia do mundo, país-chave do processo econômico global: um bocejo na China para meio mundo e atrasa em décadas a ascensão de milhões de seus miseráveis. O próprio Brasil agora identificado internacionalmente como líder dos ousados, até pouquíssimo tempo apostava todas as fichas no vale-tudo do crescimento desvairado e desmedido.
Desfeita a rígida compartimentalização das nações, a vacilante e desnorteada COP-15 aparece paradoxalmente como referência histórica: o mundo jamais se empenhou como agora em defesa de uma causa humanitária. Apesar dos senões, a formidável mobilização em defesa do planeta não tem paralelo na história dos tratados, armistícios, reuniões, celebrações e concertações. A criação da Sociedade das Nações em 1919 gerada pelo Tratado de Versalhes, por sua vez baseado nos 14 pontos propostos pelo presidente Woodrow Wilson, redundou num tremendo fiasco, responsável direto pela eclosão da Segunda Guerra Mundial, exatos 20 anos depois. Acordos precisos e retóricos não são necessariamente melhor sucedidos do que desacordos mornos e medíocres. A preservação da natureza só foi bem-sucedida uma única vez e assim mesmo no plano do simbolismo religioso quando o obediente Noé comandado pela divina providência, montou a sua arca, nela reuniu espécimes de todos os seres vivos e escapou do dilúvio. De lá para cá, só houve desavenças, contratempos e contrariedades.
Mesmo que os documentos finais da COP-15 mostrem-se aquém das esperanças, mesmo que metas ou limites para emissões e aquecimento sejam insuficientes, mesmo que os prazos tenham sido esticados para a geração seguinte, estes 11 dias de tensão e mobilização estão fadados a promover uma reversão no comportamento do cidadão do mundo.
O individualismo precisará ser abrandado ou "mitigado" (para usar o verbo mais utilizado nas reuniões e documentos sobre mudanças climáticas). O voluntarismo, o livre-arbítrio e a onipotência, só valem na esfera estritamente individual. O homem, animal social por excelência, finalmente está sendo obrigado a encarar a sua irremediável condição coletiva. Cada gesto, cada hábito e cada rotina precisarão ser revistos. A busca da satisfação passa a ter outros parâmetros.
Até agora, apenas líderes e governantes, conseguiam enxergar-se prospectivamente, com um pé na história. Agora todos estão comprometidos e amarrados ao futuro. Com prazos alargados para 20, 40 ou 100 anos, a espécie humana de repente foi alçada a uma condição supraterrena, não existencial. Talvez por influência de Soren Kierkegaard nascido na mesma Copenhague há quase 200 anos.
Noé recebeu ordens, obedeceu. Desta vez, por vontade própria ou espelhados em Noé, todos passaram a pensar nos descendentes.
» Alberto Dines é jornalista
Com consenso ou submissão, acordo ou desacordo, com proclamações afirmativas ou resignadas, com metas para 2020, 2050 ou meta nenhuma, qualquer que seja o resultado da Cúpula do Clima é possível dizer com segurança que o mundo, a partir de agora, já não será o mesmo.
Apesar da bagunça dinamarquesa, do egocentrismo chinês, da falta de ousadia dos EUA, da visão estreita dos chamados "emergentes" e da orfandade dos países pobres, apesar do rol de expectativas e frustrações, está criada uma consciência mundial para enfrentar o aquecimento do planeta. Este é um dado concreto, visível, inquestionável.
Os ecocéticos estão batidos. Derrubadas estão as teorias conspiratórias a respeito de uma jogada dos ricos para impedir o crescimento dos pobres. O culto da desregulação e do deus-mercado tornaram-se insustentáveis. A comunidade internacional não tem outra saída senão conviver. A classificação anterior dos grupos de países mostra que a humanidade, apesar de tudo, conseguiu despolarizar-se e libertar-se da rígida etiquetagem.
A União Européia é rica mas difere e diverge frontalmente da primeira economia do mundo, a americana, assumindo posições de vanguarda impostas pela sua estrutura multinacional. A China, embora formalmente "emergente", é a 2ª economia do mundo, país-chave do processo econômico global: um bocejo na China para meio mundo e atrasa em décadas a ascensão de milhões de seus miseráveis. O próprio Brasil agora identificado internacionalmente como líder dos ousados, até pouquíssimo tempo apostava todas as fichas no vale-tudo do crescimento desvairado e desmedido.
Desfeita a rígida compartimentalização das nações, a vacilante e desnorteada COP-15 aparece paradoxalmente como referência histórica: o mundo jamais se empenhou como agora em defesa de uma causa humanitária. Apesar dos senões, a formidável mobilização em defesa do planeta não tem paralelo na história dos tratados, armistícios, reuniões, celebrações e concertações. A criação da Sociedade das Nações em 1919 gerada pelo Tratado de Versalhes, por sua vez baseado nos 14 pontos propostos pelo presidente Woodrow Wilson, redundou num tremendo fiasco, responsável direto pela eclosão da Segunda Guerra Mundial, exatos 20 anos depois. Acordos precisos e retóricos não são necessariamente melhor sucedidos do que desacordos mornos e medíocres. A preservação da natureza só foi bem-sucedida uma única vez e assim mesmo no plano do simbolismo religioso quando o obediente Noé comandado pela divina providência, montou a sua arca, nela reuniu espécimes de todos os seres vivos e escapou do dilúvio. De lá para cá, só houve desavenças, contratempos e contrariedades.
Mesmo que os documentos finais da COP-15 mostrem-se aquém das esperanças, mesmo que metas ou limites para emissões e aquecimento sejam insuficientes, mesmo que os prazos tenham sido esticados para a geração seguinte, estes 11 dias de tensão e mobilização estão fadados a promover uma reversão no comportamento do cidadão do mundo.
O individualismo precisará ser abrandado ou "mitigado" (para usar o verbo mais utilizado nas reuniões e documentos sobre mudanças climáticas). O voluntarismo, o livre-arbítrio e a onipotência, só valem na esfera estritamente individual. O homem, animal social por excelência, finalmente está sendo obrigado a encarar a sua irremediável condição coletiva. Cada gesto, cada hábito e cada rotina precisarão ser revistos. A busca da satisfação passa a ter outros parâmetros.
Até agora, apenas líderes e governantes, conseguiam enxergar-se prospectivamente, com um pé na história. Agora todos estão comprometidos e amarrados ao futuro. Com prazos alargados para 20, 40 ou 100 anos, a espécie humana de repente foi alçada a uma condição supraterrena, não existencial. Talvez por influência de Soren Kierkegaard nascido na mesma Copenhague há quase 200 anos.
Noé recebeu ordens, obedeceu. Desta vez, por vontade própria ou espelhados em Noé, todos passaram a pensar nos descendentes.
» Alberto Dines é jornalista
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