domingo, 20 de dezembro de 2009

A hora de Serra

VEJA

O governador de Minas, Aécio Neves, abre caminho para que seu colega paulista seja o candidato do PSDB à Presidência em 2010. Mas o mineiro ainda pode aparecer nessa chapa
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Fábio Portela

O PSDB, de Aécio e Serra, se dividiu na última eleição, mas deverá marchar unido em 2010

Faltam dez meses e meio para que os eleitores brasileiros escolham o próximo presidente da República. A base aliada do governo Lula já sabe há algum tempo que irá para a disputa tendo à frente a ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff. A oposição, no entanto, resistia a definir o seu representante no pleito. Essa dúvida acabou na quinta-feira passada. O candidato que enfrentará Dilma nas urnas será o tucano José Serra, atual governador de São Paulo. O caminho dele ficou livre por uma decisão tomada em Belo Horizonte pelo governador mineiro, Aécio Neves. Muitíssimo bem avaliado em seu estado e festejado por políticos de todo o país, Aécio era o único que ameaçava disputar com Serra a cabeça da chapa presidencial do PSDB, mas decidiu retirar sua pré-candidatura. A partir de agora, todo o campo oposicionista, que além do PSDB abarca o DEM e o PPS, voltará integralmente sua atenção para o Palácio dos Bandeirantes, sede do Executivo paulista. Serra personifica a esperança de alternância de poder no Brasil. É a melhor aposta para romper com a hegemonia alcançada pelo PT na política brasileira durante os últimos sete anos.

Serra não anunciará oficialmente sua candidatura agora. Ele avalia que, se fizesse isso, teria a perder. Afinal, já está muito bem posicionado para 2010, pois aparece em primeiro lugar em todas as pesquisas de intenção de voto. Na visão de Serra, se assumir a candidatura neste momento, ele só estará se expondo à intensificação dos ataques adversários. O governador pretende provar que não estava brincando quando disse, recentemente, que tem "nervos de aço na política". Vai deixar o anúncio oficial para a última hora, em março, quando expira o prazo legal para que os candidatos renunciem aos cargos públicos e se dediquem exclusivamente à campanha. Enquanto isso, deixará nas mãos do presidente do PSDB, Sérgio Guerra, a missão de negociar por ele as formações de palanques estaduais com aliados fora de São Paulo.

Aécio, por seu lado, cresceu em admiração dentro do PSDB. A decisão de abrir espaço para Serra foi muito bem recebida pelos tucanos, que atribuem a divisões internas - entre outras questões - a derrota do partido para o PT em 2006. A movida de peças de Aécio pode significar que o PSDB, enfim, marchará unido. Como Serra se tornou o candidato natural, todos os grupos do partido - além do DEM e do PPS, que também integram a oposição ao governo Lula - deverão trabalhar com afinco por sua candidatura. Dessa vez, afirmam tucanos graúdos, não haverá fissuras.

Conhecido pelo bom relacionamento que mantém com os mais diversos grupos políticos, Aécio vem cumprindo à risca o roteiro que planejou para si próprio. Embora cortejado por outras siglas, permaneceu no PSDB. Propôs a realização de prévias para escolher o candidato do partido, mas não fez disso um cavalo de batalha. Por fim, tomou sua decisão em dezembro, dentro do prazo que estabeleceu caso o partido deixasse a decisão por um nome em suspenso. Isso porque essa indefinição no âmbito nacional estava atrapalhando a amarração política em Minas Gerais. Se passasse mais tempo indeciso, Aécio poderia perder o controle de sua própria sucessão. Agora, sem a expectativa de ser candidato a presidente - e sem a consequente obrigação de formar uma aliança ampla também em seu estado -, está livre para fazer campanha para que seu vice, Antonio Anastasia, seja o próximo governador mineiro, mesmo que isso desagrade a outros políticos locais.

Aécio ainda não revelou o que será de seu próprio futuro político. Até agora, a opção mais certa é disputar uma eleição assegurada para uma vaga de senador por Minas Gerais. Talvez seja muito pouco para ele. Dez entre dez tucanos querem que Aécio seja candidato a vice-presidente na chapa de Serra. É o que eles chamam de chapa puro-sangue. Os aliados DEM e PPS também vibram com a ideia, e a razão é simples. Serra governa o estado mais populoso do país, e Aécio, o segundo. Só em São Paulo e em Minas Gerais vivem 33% dos eleitores brasileiros. São quase 44 milhões de votos. Como ambos os governadores têm índices de aprovação muito elevados, imagina-se que uma coligação Serra-Aécio seria arrasadora nesses dois estados, abrindo uma vantagem numérica virtualmente impossível de ser superada pela chapa governista no restante do país. Embora não admitam em público, os tucanos acreditam que, sozinho, Serra tem boas chances de vencer Dilma, mas com Aécio a seu lado a fatura estaria praticamente liquidada.

Antes de tornar pública sua decisão, o governador mineiro reuniu-se várias vezes com o presidente do PSDB, Sérgio Guerra. Definido o tom do anúncio, Aécio telefonou para Serra, que estava embarcando de volta de Copenhague, na Dinamarca, onde havia participado da conferência mundial sobre o clima. Avisou-o de que sairia da disputa e ambos chegaram a cogitar fazer um anúncio conjunto em Belo Horizonte. Desistiram logo da ideia. Na quinta-feira, o governador paulista divulgou uma nota oficial com elogios ao colega. Nela, já se percebem o namoro com vistas a fazer de Aécio seu vice e o antídoto ao caráter plebiscitário que o PT tentará imprimir à campanha do ano que vem: "Não me surpreendem a grandeza e desprendimento que ele demonstra neste momento (...) Não somos semeadores da discórdia e do ressentimento. Nem estimuladores de disputas de brasileiros contra brasileiros, de classes contra classes, de moradores de uma região contra moradores de outra região. Trabalhamos, ambos, sempre, pela soma, não pela divisão. Somos brasileiros que apostam na construção e não no conflito. Temos o sonho de um país melhor, unido e progressista, com oportunidades iguais para todos. E é nesse sentido que vamos continuar trabalhando. Juntos".

O PT insiste em discordar da avaliação de que a desistência de Aécio foi positiva para o PSDB. Os cardeais do partido passaram a dizer, inclusive, que estavam "animadíssimos" com a decisão de Aécio, pois o consideravam um adversário potencialmente mais perigoso do que Serra. Eles sustentam que, com a definição tucana, a tal estratégia do plebiscito bolada pelos marqueteiros de Dilma - de transformar a eleição do ano que vem num duelo entre as gestões de Lula e a do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso - poderá ganhar mais sentido. Os petistas apostam que a enorme identificação de Serra com FHC, de quem foi ministro do Planejamento e da Sáude, garante o tom plebiscitário do pleito. Eles também viram positivamente o fato de o figurino de candidato ter sido empurrado para cima de Serra antes da virada do ano. Acham que o tucano, até março, passará a dividir com Dilma Rousseff um peso que ela carregava sozinha: a suspeita de que todos os seus atos no governo sempre ocultam uma motivação eleitoral.

Dilma, que assim como Serra resiste a admitir oficialmente sua candidatura, não disse uma palavra sobre a movimentação tucana. Passou a semana preocupada em apagar um incêndio criado pelo presidente Lula. Ele ofereceu ao PMDB a vaga de vice na chapa da ministra. O partido topou, e decidiu indicar o presidente da Câmara, Michel Temer. Lula não gostou. Ele não nutre simpatia pelo deputado e acha que uma chapa Dilma-Temer teria pouco apelo. Sugeriu então que o PMDB apresentasse três nomes para que a própria Dilma escolhesse o vice. Soprou que via com bons olhos os nomes dos ministros Hélio Costa (Comunicações) e Geddel Vieira Lima (Integração Nacional) e até o do presidente do Banco Central, Henrique Meirelles. Os peemedebistas estrilaram. Em política, esse tipo de interferência é um tremendo desaforo. Peemedebistas mais escaldados passaram a desconfiar que Lula semeia a discórdia no partido para tentar dominar integralmente a aliança governista.

Dilma correu para avisar à cúpula do PMDB que a definição do vice é questão interna do partido, e que a decisão tomada será respeitada. O PMDB é vital para as pretensões presidenciais da ministra por ser o mais capilarizado dos partidos brasileiros. Seus caciques regionais podem carregar Dilma de votos em regiões onde ela é pouco conhecida. Além disso, a enorme participação da legenda no horário eleitoral gratuito é estratégica. Juntos, PT e PMDB ficarão com 50% do tempo da propaganda política no rádio e na TV, contra menos de 30% da chapa do PSDB, com DEM e PPS. O ano político, então, termina assim: enquanto Serra tentará fazer de Aécio o vice dos sonhos, Dilma precisa cuidar para que a definição do seu companheiro de chapa não se transforme em pesadelo.

Com reportagem de Sophia Krause

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